Sem Cunha, Dilma estaria no Poder... “Acostuma-te à lama que te espera” (Carlos Brickmann)

Publicado em 23/10/2016 15:33
Fique claro que, sem o trator Cunha no comando da Câmara, o impeachment seria só uma proposta, Dilma estaria no Poder, e Temer não (Publicado na coluna de Carlos Brickmann)

Eduardo Cunha, planejador meticuloso, sabia que ser preso era seu destino. Deve estar pronto para suportar o período atrás das grades. Mas, para ele, esta prisão era aceitável, fazia parte do jogo. O que o magoou muito foi a atitude de seus aliados, que o entregaram a Sérgio Moro.

Fique claro que, sem o trator Cunha no comando da Câmara, o impeachment seria só uma proposta, Dilma estaria no Poder, e Temer não. Temer deve seu posto a Cunha; a oposição e os governistas que mudaram de lado devem seu poder e seus cargos atuais a Eduardo Cunha. Mas não hesitaram em condená-lo no conselho de Ética (faltou apenas um deputado que virasse o voto!) e em cassar seu mandato, entregando-o à mão severa de Moro. Cunha queria só adiar um pouco a votação, para que as festas natalinas jogassem o problema para fevereiro ou março, dando-lhe uma chance de manobra. Com ajuda de Temer, adiar-se-ia a decisão para 2017. Isso é o que lhe dói: a ingratidão de quem se beneficiou com seu trabalho.

Cunha é um planejador detalhista, estudioso; como o diabo, sabe mais pela experiência que por seus outros atributos. Mas não imaginava que quem se beneficiou com seu trabalho quisesse tudo, menos tê-lo a seu lado. É sabido demais para não ser perigoso. Liquidado, é mais seguro. E não conhecia a frase definitiva do sábio general De Gaulle: “A ingratidão é uma das maiores virtudes de que deve ser dotado um estadista”.

A mão que afaga

Os dois títulos destas duas notas estão num poema notável, Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, obrigatório para quem pensa em política:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável/ enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera – / Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável/ Mora, entre feras, sente inevitável/ Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!/ O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,/Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te beija!

Folha corrida

É um perigo esquecer os bons resultados da ingratidão. Mas é um perigo, também, esquecer a força de retaliação de um aliado ferido.

Cunha se candidatou à Presidência da Câmara pelo PMDB, partido aliado a Dilma. Ela tentou derrubá-lo, ele reagiu: fez passar algumas medidas de alto custo, às quais Dilma se opunha. Quiseram cassá-lo, e ele deixou claro que, se o PT votasse por sua cassação, ele movimentaria o pedido de impeachment que estava parado em sua mesa. O PT votou contra ele, ele liberou o impeachment.

Dilma e Cunha caíram juntos.

A mão que apedreja

Segundo o jornal Valor, Cunha disse a seus advogados que quer falar. Um dos advogados, Marlus Arns, já intermediou processos de delação premiada. OK, ele pode deixar mal vários deputados do baixo clero, mas isso não lhe daria o que quer: que os promotores esqueçam sua mulher e sua filha.

Já o colar de alho, a estaca de madeira, a água benta e a terra consagrada que liquidariam Michel Temer, já isso vale muito mais.

Passarinho que come pedra

O noticiário de hoje em dia fala do medo que muitos parlamentares têm de eventual delação de Cunha. Que é que esse povo andou fazendo para ter tanto medo de um deputado que foi deposto, cassado e está preso?

O anel de brilhantes

Lembra de Fernando Cavendish, da empreiteira Delta, primeiro-amigo do governador fluminense Sérgio Cabral? Agora é ele que delata. Dizem que atinge PMDB e PSDB, cita-se o senador Aloysio Nunes e o governador goiano Marconi Perillo. Mas a melhor história é de Sérgio Cabral. Conta Cavendish que Cabral e ele passeavam por Monte Carlo quando Cabral parou em frente a uma joalheria finíssima, Van Cleef &Arpels. “Amanhã”, disse Cabral, “é aniversário de Adriana [sua esposa, Adriana Ancelmo]e preciso ver um presente”. Entraram e uma funcionária trouxe, já embalado, um anel de ouro branco e brilhantes. E ficou claro que quem pagaria a conta, uns R$ 800 mil, seria Cavendish. Ilustrando a história, foto de Adriana Ancelmo com o anel, recibo e nota em nome da Delta.

Arrasador.

Boa notícia

A artista plástica brasileira Renata Barros acaba de expor no Museu de Arte de  Hangzhou, na China. É um prolongamento cultural e artístico da reunião do G20. A “2016 — China Hangzhou G20 International Art Exchange Exhibition”  reúne 40  artistas desde o dia 11 até hoje. Foi a primeira vez que o encontro diplomático teve extensão artística.

Valentina de Botas: A hesitação açula o primitivismo

Rousseau, que amava o distante e idealizado bom selvagem e detestava os próprios filhos concretos e próximos demais, ainda não pervertera o pensamento ocidental com essa porcaria de que a culpa é do sistema/sociedade – nem havia uma sociedade para tornar mau quem nascia bom – e, mesmo sem um código moral ou legal a seguir, Caim intuiu que teria de se haver com Deus depois de matar o irmão. Foi insuportável para ele o confronto, quando o Criador rejeitou a oferenda dele e aceitou a de Abel, com as precariedades amalgamadas ao pó de que era feito: inveja, ressentimento, capacidade/prazer de matar. A quem aquele menino saiu, meu Deus? A todos nós, cujo álibi precário é nascermos ávidos por uma solução inexistente para as imperfeições nossas e do mundo.

A PEC 241 e a MP 746 não são solução para as contas e a educação públicas arruinadas, mas um começo sem o qual, desculpem, nada começa. Os que se opõem à decisão sã de o governo gastar dentro do que arrecada alegam que a PEC reduzirá gastos com educação e saúde; se tivessem aptidão pela honestidade do debate, apontariam o trecho da proposta que autoriza a alegação vigarista. Sem uma coisa nem outra, restam-lhe os meios históricos (a fraude e a truculência) sempre justificados pelos fins (a revolução), ou seja, garantir a vida mansa dos revolucionários.

Quem se opõe à MP do ensino médio – os mesmos que rejeitam a PEC 241 – diz que essa espécie normativa é autoritária. Ora, o caráter autoritário inventado se desfaz na exigência de a MP ser apreciada pelo Congresso em até quatro meses. Além disso, antes da MP 746, houve 745 sem que os esquerdistas radicais do Paraná que invadiram mais de 600 escolas públicas no estado denunciassem o autoritarismo delas.

Uma das alegações contrárias à redução da maioridade penal é que jovens com 17 anos, 11 meses e 364 dias de idade não têm a maturidade cognitiva daqueles com um dia a mais de idade. Estes últimos já seriam aptos a compreender e a se importar com o fato de que assassinato é crime e que, quando as pessoas são assassinadas, elas morrem e, quando elas morrem, elas ficam mortas. Porém, os menores de 18 anos não entenderiam que, ao atirar em alguém, uma bala sai da arma e, conforme onde atinja, mata (!). A sequência de clareza solar – atirar/matar/causar sofrimento irreparável –, todavia, seria complexa demais para que jovens pouco menores de 18 anos a compreendam, afirmam os opositores da redução da maioridade penal. Nem todos são de esquerda, mas toda a esquerda é contra.

Impermeável ao debate honesto e ciente de que os argumentos dela não têm força, a súcia radical do Paraná emprega a força como argumento invadindo as escolas e simula que estudantes secundaristas, que ela julga incapazes de entender o significado de cometer um crime, compreendem direitinho uma PEC e uma MP e, então, engajam-se na defesa dos direitos ameaçados por ninguém. Na evangelização secular e delinquente, a cambada mente para os estudantes, ensina a truculência em pleno funcionamento da democracia, impede também que alunos do fundamental tenham aula e apregoa que o governo Temer é malvado porque é de direita e é de direta porque é malvado. Sanear contas públicas e reformar um ensino hostil à aprendizagem não é direita nem esquerda e, ainda que a militância do primitivismo que invadiu as escolas seja livre para se manter confinada a essa divisão esclerosada das coisas e opor-se ao que quiser, apropriar-se das escolas e ocupar a cabeça dos estudantes com esse lixo é abjeto.

O Ministro da Educação disse que, mantida a situação até o fim do mês, as escolas invadidas não poderão atender o ENEM e muitos estudantes terão de fazer a prova depois, ao custo de mais de quase R$ 9 milhões. Francamente, esse é um momento que o país está vivendo e nem sabe que momento é esse: por que a situação se manteria? Por que a esta canalha, que só faz tais arruaças em estados governados pelo PSDB na expectativa infame de um confronto sangrento, é reservado o direito ao abuso? Até quando os senhores procuradores do Ministério Público e senhor governador hesitarão diante do primitivismo?

Todo ressentido é autoritário, atestam os radicais que, inconformados com sua irrelevância, querem se impor pela exigência estridente de liberdade total para usar os meios históricos deles num flagrante espantoso da negação do que dizem defender, enchendo a boca mentirosa para falar de direitos sem reconhecê-los fora de seu mundinho porco e combater um governo constitucional e democrático – tudo para preservar bocas e tetas cedidas por um regime que humilhou os brasileiros de bem e nos desviou da rota civilizatória, e para se vingar de uma nação inteira que deu um basta, nas eleições recentes, a esse esquerdismo cafajeste que ainda a preda.

Sou a favor da redução da maioridade penal sem achar que isso solucionará a criminalidade; acho que isso pune um criminoso porque criminosos devem ser punidos e que um criminoso de 16 anos entende, sim, que cometeu um crime e que escolheu cometê-lo. As circunstâncias que formatam essa escolha também submetem jovens que, entretanto, fazem escolha diferente. Pouca coisa é solucionável na vida; continuará necessária a sobreposição incessante de camadas civilizatórias para renovarmos o verniz ralo que maquia a superfície das nossas precariedades, obtido na marcha duríssima de mais de dois milhões de anos até os sapiens e que entorpece o Caim aninhado nas nossas vísceras. A fonte moral inspiradora dos códigos legais que aboliram a escravidão e o sacrifício de bebês deficientes é a mesma que fundamenta os direitos individuais, a punição de criminosos e a propriedade privada. Ela não ambiciona a solução, mas o controle possível sobre nossas vísceras.

Contra esse arranjo civilizador os radicais esquerdistas se rebelam cedendo às próprias vísceras, enamorados na contemplação narcisista delas para produzir a diarreia ideológica em que pretendem dissolver a democracia e a economia de mercado com tudo dentro. Ou seja, o revés da civilização. Ela – nem coisa alguma, desconfio – não garante a felicidade às criaturas com a marca da insuficiência que nos faz humanos, mas nem precisa: no século 21, estaria de bom tamanho que os estudantes paranaenses não fossem molestados por um bando primitivo que tenta se impor pela fraude e pela truculência e o país enquadrasse na lei quem interrompe a trilha civilizatória em cujos cruzamentos com o primitivismo ele se perde ou estanca.

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Fonte: Blog Augusto Nunes, de veja.com

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