O estado democrático E de direito e um livro sobre a morte de Celso Daniel, por REINALDO AZEVEDO

Publicado em 18/10/2016 17:09
Não me importa quem seja o interlocutor do meu lado ou o oponente “do lado de lá”, os meus valores seguem os mesmos (Reinaldo Azevedo, em veja.com)

Que coisa, não é?

Lula escreve um artigo hoje na Folha em defesa do estado de direito. Faz a síntese que melhor lhe parece do seu caso. E eu não esperava mesmo que se incriminasse. Mais ainda: o estado democrático E de direito lhe assegura o direito de se defender. Ainda bem: se ele não gozasse dessa prerrogativa, o provável que é você, leitor, dela também não usufruísse. Nem eu.

Pois é… Eu também defendo o estado democrático “E” de direito. Nunca junto essas palavras sem o conectivo. A razão é simples. Um estado democrático será, necessariamente, de direito, mas um estado de direito pode não ser democrático. Convém lembrar disso sempre. A ditadura militar brasileira era, em regra, um estado de direito. Adiante.

Então eu e Lula somos iguais aos olhos de alguns comediantes morais de plantão? Vamos ver.

Eu defendia os valores de hoje quando o PT estava na Prefeitura de Santo André, e eu já era crítico do partido, bem antes de bater no PT virar uma profissão. E uma profissão rentável para muitos. Hoje em dia, ainda mais, né? Duro era cutucar a onça com vara curta quando os companheiros estavam no auge. Mais difícil ainda era apontar as suas falhas quando se dizia que eles representavam a esperança. Fui redator-chefe do “Diário do Grande ABC” no fim da década de 80 — os donos eram outros. Sei bem o que peso das coisas.

E depois tive revista, que os companheiros ajudaram a fechar com a sua brutalidade.

A propósito: acaba de sair o livro “Celso Daniel: política, corrupção e morte no coração do PT”, de Silvio Navarro, editor da VEJA.com e da TVeja. Comecei a ler hoje. É coisa de craque. Navarro desfaz o emaranhado em que está envolta a morte do prefeito de Santo André — cidade-sede do “Diário” — e traz à luz personagens novas. Quem matou Daniel? Leiam o livro.

Uma coisa resta inequívoca: o software do “modelo petista de gestão”, coisa na qual Lula não entra em seu artigo, foi desenvolvido em Santo André. E, no caso, meus caros, lamento pelos velhos e novos detratores, não tem pra ninguém: sou pioneiro nessa crítica até porque eu estava lá. Não me tornei crítico do PT só para escandalizar. Conheço de perto seus métodos de gestão. A palavra “petralha” foi criada em homenagem à gestão petista de Santo André. Celso ainda estava vivo.

Estado de direito
Por isso, seja quando Lula é o tema, seja quando estamos nos referindo ao dito “massacre do Carandiru”; seja quando o interlocutor público é o sr. Ivan Sartori ou o sr. Sergio Moro; seja quando o acusado é um ex-presidente da República ou um amigo jornalista, podem contar com a minha fé no estado democrático E de direito.

Não existe uma escolha entre essa convicção e outra consequência qualquer. Sem o ordenamento jurídico que dá ossatura à vida democrática, não se constrói civilização, só arbítrio. E eu não vou abrir mão de fazer a coisa certa, de dizer a coisa certa, de defender a coisa certa. E o “certo”, no caso, é o que apontam os códigos recepcionados pela democracia.

Eis uma das razões por que o desembargador Ivan Sartori não pode, por exemplo, nem mesmo tentar o dedo em riste contra mim porque ele sabe que, no embate comigo, ele já perdeu. Porque eu tenho clareza de que parte do seu voto no caso do Carandiru — a anulação — está amparada em texto inequívoco. A absolvição no ambiente do TJ, que ele também defende, é matéria polêmica.

E assim será em todos os casos, pouco importa quem seja o alvo.

Volto a Celso, volto a Lula
O petrolão, que aí está, começou a ser gestado em Santo André. A repulsa do PT ao estado democrático E de direito, em nome do qual Lula agora se defende, é muito mais profunda do que parece. O que lamento, à margem, é que uns tantos, sob o pretexto de punir o próprio Lula, possam fazer pouco caso do que não é um valor negociável. E eu não vou negociar.

O PT e Lula passam. Os valores com que serão punidos tenderão a permanecer por muito tempo. Se os promotores que hoje investigam as safadezas do PT e de outros partidos pretendem, entre as suas 10 medidas:
– legalizar a coleta ilegal de provas;
– fazer teste aleatório de honestidade;
– criar embaraços indevidos ao habeas corpus…

Então direi: NÃO CONTEM COMIGO. Não terão o meu apoio. Não para essas três medidas. O meu oponente privilegiado não é Lula, mas a incivilização. Ele não é meu inimigo pessoal. Alguns podem me ter nessa condição, mas eu não os tenho — o que pode ser um pouco frustrante, admito.

É uma pena mesmo que Lula tenha descoberto tardiamente os valores do estado democrático E de direito. Certamente não era nele que pensava quando comandou a articulação para que seu partido se tornasse a única referência na política. Certamente não era nele que pensava quando seus partidários tentavam aniquilar moralmente os que consideravam adversários, estivessem onde estivessem. Certamente não era nele que pensava quando cravou a expressão “herança maldita” para classificar tudo o que tinha vindo na política antes dele e não útil a seus propósitos.

Eu estava do outro lado.

De qual lado? Do lado tucano? Que bobagem! Eu estava do lado do ordenamento jurídico democrático, onde estou ainda hoje, quando Lula caiu em desgraça. E DEFENDO QUE ELE TENHA AS PRERROGATIVAS QUE A OUTROS SEMPRE NEGOU. Ou Lula, por acaso, esperou que a Justiça desse a última palavra antes de destruir a honra de um adversário? Ou seu partido hesitou alguma vez quando se tratou de destroçar a reputação de alguém que não era útil a seus propósitos?

MAS ATENÇÃO! NÃO É O DESTINO DE LULA QUE ME FAZ ESCOLHER ISSO OU AQUILO.

Perguntem se os petistas preferem enfrentar no debate público essa minha postura ou a estridência vazia. Eles sabem a diferença entre um argumento e uma caricatura.

Eu poderia dizer a Lula agora: “Bem-vindo ao estado democrático E de direito”. Só não o faço porque fico imaginando qual seria a sua postura se, no seu lugar, estivesse Fernando Henrique Cardoso ou um adversário qualquer. Aliás, nós vimos: diante de todas as arbitrariedades cometidas pela Operação Satiagraha, comandada pelo então buliçoso delegado Protógenes, o então presidente se limitava a dizer que as pessoas estavam reclamando porque, afinal, a Polícia Federal passara a investigar de verdade.

Ah, sim: a Satiagraha perseguiu, inclusive, alguns jornalistas que se insurgiram contra atos atrabiliários.

Concluo
Façam o seguinte: leiam o livro de Silvio Navarro. Vejam como tudo começou. Eu continuo lutando para que o desfecho seja a continuidade das garantias democráticas.

E podem espernear à vontade que não arredo pé.

 

REINALDO AZEVEDO

Procuradores investigam empréstimos do BNDES a Bumlai (Na VEJA.com):

O Ministério Público Federal, no Distrito Federal, em conjunto com a força-tarefa da Operação Lava Jato, investiga se o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi beneficiado em empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre 2008 e 2012. Segundo a edição desta terça-feira do jornal O Estado de S. Paulo, o Grupo São Fernando, de usinas de álcool, recebeu mais de 500 milhões de reais em três operações com o banco nos governos Lula e Dilma Rousseff. As participações do BTG Pactual, do falido BVA e do Grupo Bertin também estão sob suspeita.

A principal frente de investigação, de acordo com o jornal, concentra-se na concessão de 101,5 milhões de reais em 2012. O valor foi contratado em nome da São Fernando Energia 1 – unidade do grupo que geraria energia com o bagaço da cana-de-açúcar –, no plano de reestruturação financeira do Grupo São Fernando. A operação foi feita de forma indireta, via bancos BTG Pactual e Banco do Brasil, que assumiram os riscos como agentes financeiros do repasse. O foco do Ministério Público nas operações do BNDES envolve empreiteiras acusadas de cartel na Petrobras e outros investigados pela Lava Jato.

Conforme constam nos registros do BNDES, Bumlai fez seis pedidos de empréstimos ao banco – três deles concedidos. Os dois primeiros foram para construção da usina São Fernando Açúcar e Álcool, em Dourados (MS), em 12 de dezembro de 2008 e em 3 de fevereiro de 2009, no valor total de 395,1 milhões de reais, segundo um documento enviado em dezembro de 2015 pelo banco ao Ministério Público Federal. A obra foi concluída em 2009 e entrou em operação em 2010. Dos valores devidos por esses dois primeiros empréstimos, o BNDES informou que o Grupo São Fernando teria pago até hoje 252 milhões de reais.

Em 2011, quando os negócios de Bumlai já apresentavam problemas financeiros, foi “iniciada as tratativas para reestruturação do Grupo São Fernando”. Na ocasião, o saldo devedor dos dois primeiros empréstimos era de 362 milhões de reais. Em junho do ano seguinte, o BNDES assinou o último empréstimo, em nome da São Fernando Energia 1 Ltda, no valor de 101,5 milhões de reais na modalidade empréstimo indireto, em que o BTG Pactual e o Banco do Brasil foram intermediários como agentes financeiros – assumindo o risco do negócio.

Investigação

Desde agosto, os procuradores do Distrito Federal trabalham com os materiais compartilhados pela força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba. Foram enviados documentos apreendidos na 21ª fase, batizada de Operação Passe Livre. São e-mails e documentos apreendidos em endereços do pecuarista e dos filhos, Maurício de Barros Bumlai e Guilherme de Barros Bumlai, como os contratos e cartas trocadas com o BNDES na época das operações financeiras.

Os procuradores da República do Distrito Federal investigam os negócios de Bumlai e o BNDES desde 2015. Essas frentes, em parceria com a Lava Jato, podem gerar novos processos contra o pecuarista.

Bumlai é uma figura emblemática das investigações da Lava Jato. O pecuarista deve ser condenado ainda esse ano pelo empréstimo fraudulento de 12 milhões de reais para o PT, em 2004, no Banco Schahin. O dinheiro foi pago com contrato fraudado da Petrobrás de 1,6 bilhão de dólares. O juiz federal Sergio Moro, em seus despachos, destacou as concessões de empréstimos de instituições financeiras para Bumlai, como o BTG e o BVA.

Em nota enviado ao Estado de S. Paulo, o BTG e Banco do Brasil “realizaram análise econômico-financeiras e cadastrais da empresa e declararam que após o processo de reestruturação financeira, a São Fernando Energia I, teria situação cadastral satisfatória e adequada capacidade de pagamentos de suas obrigações e não se vislumbrava nenhum óbice para a concessão de financiamento da referia”.

O BNDES sustenta ainda que a “motivação” do banco para realizar as operações de repasse foi “o caso bem sucedido [da implantação da usina financiada em 2008], o plano de reestruturação viabilizaria a manutenção de empregos e de atividade operacional de empresa em setor relevante da economia, tendo como consequência a melhora da capacidade de pagamento e a redução do riso de crédito do Banco”.

Moro marca mais um depoimento de Claudia Cruz (por Pedro de Carvalho)

Quarta-feira

As investigações contra a família Cunha estão longe de acabar. O juiz Sergio Moro acabou de marcar mais um interrogatório de Claudia Cruz na Lava-Jato. Ela será ouvida no dia 16 de novembro, às 14h.

A reinquirição se dará após o fim das oitivas das testemunhas de Cruz. Amanhã a última será ouvida, ficando pendentes apenas as arroladas por ela no exterior.

José Casado: O público e o privado

 Há dois meses o governo tenta localizar 4.564 bens que desapareceram da Presidência — de forma “absolutamente inexplicável” na avaliação de auditores do TCU (Publicado no Globo)

Michel Temer vai informar a Lula e Dilma que todo o acervo presidencial levado quando deixaram o poder está embargado, pelo menos até a conclusão do inquérito para identificação, origem, natureza (se os bens são públicos ou privados) e eventual incorporação ao patrimônio da União.

O aviso para que se “abstenham de vendê-los ou doá-los” deverá ser encaminhado pelo gabinete pessoal de Temer — informou o Tribunal de Contas em correspondência enviada na tarde de sexta-feira passada ao Palácio do Planalto, ao responder um pedido de “esclarecimentos” da Secretaria de Governo.

Há dois meses o governo tenta localizar 4.564 bens que desapareceram da Presidência — de forma “absolutamente inexplicável” na avaliação de auditores do TCU. Entre 2010 e 2016, a cada 24 horas sumiram dois bens do registro do patrimônio presidencial.

Estavam sob a guarda e responsabilidade dos gestores de 24 unidades e órgãos, entre eles, os palácios do Planalto e da Alvorada, a residência oficial da Granja do Torto, ministérios e secretarias como Casa Civil, Assuntos Estratégicos, Portos, Aviação, Imprensa, Mulheres, Igualdade Racial.

Não se conhece a listagem do que sumiu. Auxiliares de Temer resolveram mantê-la sob sigilo, apesar da posição contrária do tribunal. Sabe-se que dela constam seis obras de arte da Presidência e uma do Museu de Belas Artes (Rio).

Sabe-se, também, que Lula e Dilma guardam 697 peças classificadas como “acervos de natureza museológica e bibliográfica”, recebidas como presentes em reuniões com chefes de Estado e de governo. Lula ficou com 80%, como “mero guardião”, alegam seus advogados, ciente de que o proprietário é “o povo” e sua conservação e preservação “cabe ao poder público”.

Em março passado, ele disse à polícia não saber o valor e a exata localização dos bens:

— Acho que (está) no sindicato nosso, dos metalúrgicos (de São Bernardo-SP). Tem coisa de valor que deve estar guardada em banco… Eu já tomei uma decisão, terminada essa porra desse processo, eu vou entregar isso para o Ministério Público. Vou levar lá e vou falar: “Janot, está aqui, olha, isso aqui te incomodou? Um picareta de Manaus entrou com um processo pra você investigar as coisas que eu ganhei, então você toma conta”.

O delegado insistiu:

— O senhor disse que no sítio (de Atibaia-SP) foi colocada parte dos bens que foram retirados no fim do mandato…

— Eu falei tralhas, que eu nem sei o que é, mas é tralha — retrucou Lula.

— O senhor disse que tem coisa valiosa.

— Eu não sei onde está, mas tem muita coisa valiosa. Tem muita coisa valiosa…

Parte do acervo mantido por Lula já foi mapeado pela polícia. Duas semanas atrás, o juiz Sérgio Moro autorizou uma comissão governamental a catalogar as peças encontradas num cofre do Banco do Brasil, em São Paulo.

O roteiro escrito no Planalto prevê que até janeiro se conclua a “minuciosa identificação dos bens” no cofre do banco. Idêntico procedimento seria adotado sobre o acervo mantido pela ex-presidente Dilma.

Permanecem desaparecidas outras 3.868 peças do patrimônio da Presidência. Ajudam a compor o retrato da resiliência de costumes arcaicos na política, cuja melhor síntese foi feita pelo Barão de Itararé, nos anos 40: “No Brasil, a vida pública é, muitas vezes, a continuação da privada”.

Fonte: Blog Reinaldo Azevedo (veja.com)

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