PT já não acredita na volta de Dilma à Presidência (em O GLOBO deste domingo)
RIO — Com a proximidade da votação final do processo de impeachment, em agosto, cresce o distanciamento entre a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o PT. Com o partido descrente, a resistência à destituição da presidente virou mais um discurso para animar a militância, e tentar conter o desgaste causado pela Operação Lava-Jato, do que uma mobilização para tentar virar votos no Senado que salvem Dilma.
A presidente afastada, por sua vez, tem se mostrado mais preocupada em preservar sua biografia do que em voltar ao poder ou trabalhar pela sobrevivência política do PT. Na última quarta-feira, em entrevista à Rádio Educadora, ela jogou para o partido a responsabilidade pelo pagamento do marqueteiro João Santana, que disse ao juiz Sérgio Moro ter recebido recursos relativos à campanha de Dilma em caixa dois, no exterior.
Lideranças do PT tentaram minimizar a declaração de Dilma, afirmando ser natural que ela procure se eximir da culpa por eventuais irregularidades às vésperas da votação do impeachment. O partido afirma que todas as operações foram feitas dentro da legalidade e que as contas da campanha de 2010, às quais o marqueteiro se referiu, foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.
LULA BUSCA RECONSTRUIR SUA IMAGEM
O ex-presidente Lula tem viajado pelo país, principalmente o Nordeste, na “Caravana Popular em Defesa da Democracia”. Petistas dizem que o principal objetivo de Lula é tentar reconstruir sua própria imagem e defender seu legado, sobretudo as conquistas sociais de seus oito anos de governo, visando às eleições de 2018, independentemente de ser ele o candidato ou outro nome escolhido pelo líder petista. O primeiro teste será este ano, nas eleições municipais. A prioridade do PT é reeleger o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Apesar de dizer que não há crime de responsabilidade que justifique o impeachment, Lula apontou, em atos este mês em Recife e em Carpina, na Zona da Mata pernambucana, supostos erros cometidos por Dilma, como a insistência nas desonerações e o endurecimento de regras para benefícios trabalhistas e previdenciários. O ex-presidente também disse que ela não seguiu seus conselhos para tentar superar a crise econômica:
— A Dilma Rousseff, durante o ano de 2014, não se deu conta de que, ao abrir mão de imposto para favorecer os empresários, começou a faltar dinheiro no cofre para a gente poder fazer a economia continuar acontecendo. Depois das eleições, ela apresentou um programa de ajuste econômico que deixou muitos de nós descontentes, porque mexeu com a aposentadoria, com pescador, com mulheres que casavam com aposentados no Nordeste — disse Lula durante ato em Recife, no último dia 13.
Mesmo assim, no dia anterior, em Carpina, Lula pediu a uma plateia de agricultores que, em vez de irem para a rua gritar “Fora, Temer”, enviassem mensagens de WhatsApp pressionando senadores que votaram pelo afastamento de Dilma.
O Senado abriu o processo de impeachment com o apoio de 55 senadores. Para afastar definitivamente a presidente, são necessários 54 votos. Dilma, que teve na primeira votação, em maio, 22 votos, precisa convencer seis senadores a mudar de posição. Petistas afirmam que ainda não viraram nenhum voto e que correm o risco de perder apoios, como de Otto Alencar (PSD-BA).
— Não tem mobilização. Se ainda tivesse viabilidade, mas não tem — disse um integrante da cúpula do PT.
O partido, no entanto, continua com o discurso do “golpe” e pretende levar esse debate para as eleições municipais.
— Não jogamos a toalha, ainda acreditamos. Tem três ou quatro senadores que estão mudando de voto — disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ao discursar, domingo passado, na convenção do PCdoB que oficializou a candidatura de Jandira Feghali à prefeitura do Rio, com o PT de vice na chapa.
Para um auxiliar de Dilma, a desmobilização se restringe a setores do PT, especialmente deputados interessados, segundo ele, em ter acesso ao governo interino de Michel Temer e a benesses na Câmara. Ainda segundo esse auxiliar, as articulações para tentar barrar o impeachment esfriaram semana passada devido ao recesso parlamentar.
Integrantes do PT e de movimentos sociais reclamam que Dilma se encastelou no Palácio da Alvorada e viajou pouco para defender seu mandato. Desde que foi afastada, transformou seu perfil no Facebook em seu principal canal de comunicação. Também deu entrevistas, principalmente para a imprensa internacional.
FALTA DE TRAQUEJO POLÍTICO
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-chefe da Casa Civil de Dilma, é apontada como um retrato da deterioração da relação entre a presidente afastada e o PT. Apesar de continuar na linha de frente contra o impeachment, a senadora, nos bastidores, passou a se tornar uma crítica, dizem petistas.
Gleisi ficou magoada, segundo esses petistas, com a bronca que levou de Dilma, junto com outros senadores, em 9 de maio. O grupo foi ao Palácio do Planalto comemorar a anulação, pelo então presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), da tramitação do processo de impeachment. Os senadores foram chamados de “idiotas”, segundo relatos, por acreditarem que aquela manobra se sustentaria.
— Tá certo que a Dilma não é nenhuma mola de Fusquinha, não tem o corpo assim para tratar de política. Às vezes é dura, as pessoas têm medo dela, não conversa, e vai dificultando. Mas isso não é defeito, a gente conserta — disse Lula, no último dia 12, em discurso em Carpina (PE).
A aposta na mudança de atitude de Dilma ocorre oito anos após a então ministra da Casa Civil receber um bambolê de presente do então líder do PMDB, deputado Henrique Alves (RN), para que tivesse “mais jogo de cintura”.
IDAS E VINDAS DE UMA RELAÇÃO DIFÍCIL
2001
Filiação: Egressa do PDT, Dilma filia-se ao PT em 2001. Um ano depois, participa da equipe de transição entre os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, de quem se torna ministra de Minas e Energia, área em que atuava no Rio Grande do Sul.
2005
Na Casa Civil: Com a queda do ministro José Dirceu (Casa Civil), em 2005, abatido pelo escândalo do mensalão, assim como as principais lideranças petistas, Dilma assume esse ministério e começa a ter pavimentada sua candidatura à Presidência da República. Em 2008, ela é apresentada por Lula, em uma inauguração no Complexo do Alemão, no Rio, como “a mãe do PAC”. O Programa de Aceleração do Crescimento era o carro-chefe do segundo mandato do então presidente Lula.
2010
Faxina: Eleita em 2010, Dilma promove uma faxina ética em seu primeiro ano de mandato, afastando sete ministros sob suspeita de irregularidades, sendo cinco deles herdados do governo Lula.
Fogo amigo: Vista como uma estranha no ninho pelo PT, Dilma tem que conviver durante seu primeiro mandato com o movimento “Volta, Lula”.
Divergências: Criador e criatura têm várias divergências, sendo uma das principais a condução da área econômica. No primeiro mandato de Dilma, Lula queria que ela substituísse o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Um de seus nomes preferidos era o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Dilma só substituiu Mantega no segundo mandato e nomeou para seu lugar Joaquim Levy, execrado pelo PT.
Críticas ao governo: O PT e Lula consideram a articulação política e a comunicação os calcanhares de aquiles do governo Dilma. Reclamam que ela não dialoga com o Congresso, com os movimentos sociais nem com os empresários. Queixam-se de que Dilma e seus ministros viajam pouco, fazem poucos discursos e dão poucas entrevistas. A cada crise, a presidente promete ampliar o diálogo e vender melhor o governo.
2015
Troca de equipe: No início do segundo mandato, Dilma tira todos os ministros ligados a Lula do Palácio do Planalto e se cerca de petistas de sua confiança, que não eram da ala majoritária do partido.
Cobrança: Lula cobra do governo Dilma que condene supostos excessos da Polícia Federal e do juiz Sérgio Moro na Lava-Jato. A presidente afirma que a Polícia Federal tem autonomia para trabalhar e que os culpados seriam punidos, “doa a quem doer”.
Só o ajuste?: Lula e o PT reclamam que o ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo e cobra boas notícias para a população.
Ouvidos de mercador: Lula diz a aliados que Dilma não leva em conta suas opiniões.
Volume morto: Em junho de 2015, em reunião fechada com religiosos em seu instituto, o ex-presidente critica duramente Dilma e atribui ao governo dela, sobretudo no segundo mandato, a crise vivida pelos petistas. Para Lula, as taxas de aprovação de Dilma e dele próprio estão no “volume morto”, e a do PT, “abaixo do volume morto”, numa referência à crise hídrica paulista.
Outras prioridades: Diante da maior crise econômica em 20 anos, Dilma e PT optam por caminhos distintos. Dilma passa a defender medidas como a reforma da Previdência e a redução da participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, contrariando bandeiras históricas do partido.
2016
Ausência: Em um dos momentos de maior tensão entre Dilma e o PT, ela estica uma visita ao Chile e não comparece, em fevereiro, na comemoração dos 36 anos do partido, no Rio.
Reaproximação na crise: A ameaça do impeachment de Dilma a reaproxima, num primeiro momento, do seu partido. Porém, após o Senado aprovar o afastamento da presidente, confirmando votação da Câmara dos Deputados, o PT se desmobiliza e, com o discurso do “golpe”, passa a priorizar sua sobrevivência nas eleições de 2018.
O peso das imagens de Dilma e Lula (editorial do ESTADÃO deste domingo)
O desespero cresce à medida que se aproxima o impeachment e, com isso, Dilma Rousseff vai perdendo a noção do ridículo. A mulher dita honesta, acuada pela sanha golpista dos inimigos do povo e confinada na solidão de um palácio de mentirinha, volta-se, explicitamente, contra seu próprio partido, a quem atribui a responsabilidade por qualquer malfeito que tenha sido cometido nas duas bem-sucedidas campanhas eleitorais de que participou. Mas o sentimento de rejeição é recíproco: está aberta nas hostes lulopetistas a discussão sobre a conveniência de manter Dilma Rousseff afastada da campanha municipal. O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem. Dispensa o abraço de afogado.
Para a presidente afastada, a confissão de seu ex-marqueteiro oficial de que recebeu via caixa 2 pelos serviços prestados na campanha presidencial de 2010 não a atinge: “Ele diz que recebeu isso em 2013. Ora, a campanha começa em 2010 e até o final do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. A partir do momento em que ela é encerrada, tudo o que ficou pendente de pagamento da campanha passa a ser responsabilidade do partido”.
Equivoca-se a mulher honesta. Mesmo que o cipoal legislativo que regula a matéria dê margem a eventuais interpretações pontuais discrepantes, o bom senso impõe a observância do princípio da responsabilidade solidária de candidatos e partidos sobre os gastos eleitorais, principalmente quando se trata de pleito majoritário. No caso, o marqueteiro João Santana, responsável pelo marketing eleitoral de Dilma em 2010, só conseguiu receber US$ 5 milhões que lhe eram devidos – na verdade, US$ 500 mil a menos – em 2013, depositados em conta no exterior.
Ninguém imagina que um candidato à Presidência da República seja obrigado a cobrir gastos de campanha. Mas é óbvio que ele é responsável, solidário com o partido, por esses gastos, inclusive do ponto de vista da legislação eleitoral. É, aliás, exatamente por essa razão que está sendo julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, relativa aos gastos de campanha de 2014. É simplesmente ridícula, portanto, a alegação da presidente afastada de que, como a campanha de 2010 foi encerrada antes de o pagamento ser feito ao marqueteiro, a responsabilidade exclusiva por esse pagamento é do PT.
De resto, essa atitude revela, no mínimo, o desapreço que Dilma tem pelo partido pelo qual se elegeu duas vezes presidente da República. O que suscitaria a questão – se é que ela acredita realmente que possa voltar ao Palácio do Planalto – de saber com o apoio de quem ela contaria para recompor seu governo.
Ao tentar transferir para o PT toda a responsabilidade pelos golpes eleitorais que alavancaram suas eleições, Dilma nada mais fez do que imitar o comportamento de seu criador e mestre, Lula da Silva. Mentor e maior beneficiário do mensalão e do petrolão, peças do mesmo esquema de corrupção com os quais procurou em vão consolidar seu projeto pessoal de poder, o hóspede contumaz do famoso sítio de Atibaia passou oito anos na Presidência da República comportando-se como se qualquer suspeita de seu envolvimento em trambiques fosse crime de lesa-majestade. A diferença entre Dilma e Lula é que este, muito mais esperto, não perdia oportunidade de passar a mão na cabeça de quem operava o jogo sujo para ele.
Hoje, a agenda dos restos do PT concentra-se na sua sobrevivência política, o que passa necessariamente por um desempenho se possível um pouco mais do que medíocre no pleito municipal de outubro. A estratégia eleitoral a ser adotada divide suas lideranças. Por um lado, os que preferem a uma abordagem mais “ideológica” insistem que o mais adequado é a “nacionalização” da campanha, levando para os palanques municipais o tema do “golpe” de que o PT estaria sendo vítima com o impeachment de Dilma. De outra parte, os mais pragmáticos entendem que, numa eleição de prefeitos e vereadores, o que garante voto são as questões locais.
Seja qual for a estratégia, predomina entre as lideranças petistas, nos âmbitos federal, regional e municipal, a convicção de que, com a exceção talvez do Nordeste, as presenças nos palanques de Lula e, principalmente, de Dilma, não são desejáveis. São as voltas que a política dá.
Para que serve a honestidade de Dilma e Lula? (por JOSIAS DE SOUZA)
Munidos de autocritérios, Dilma e Lula se consideram as pessoas mais probas que já conheceram. Em maio, Dilma discursou: “Falam que eu sou uma pessoa dura. Eu não sou uma pessoa dura não. Eu sou honesta, é diferente!'' Em janeiro, Lula já havia se jactado: “Se tem uma coisa de que me orgulho é que não tem, nesse país, uma viva alma mais honesta do que eu.” O depoimento de Otávio Marques de Azevedo, mandachuva da Andrade Gutierrez, ao juiz Sérgio Moro suscitou uma indagação singela: para que serve a honestidade de Dilma e Lula?
Qualquer pessoa é capaz de testemunhar o conceito extraordinário que faz de si mesma. Nada mais humano. No entanto, com todo o respeito ao direito de Dilma e Lula de se autoelogiar, o que sobra no final é um conjunto de fatos. E os fatos transformam a honestidade presumida da dupla numa ficção que ajuda a explicar a realidade brasileira —uma realidade marcada por governos corruptos presididos por pessoas presunçosas.
Otávio Azevedo repetiu para Moro o que dissera em delação para a força-tarefa da Lava Jato: em 2008, o grão-petista Ricardo Berzoini, então presidente do PT, pediu propina de 1% sobre todas as obras federais tocadas pela Andrade Gutierrez nos govenro petistas —obras do passado, do presente e do futuro. Participaram da conversa Paulo Ferreira, então tesoureiro do PT, e João Vaccari Neto, que assumiria depois a gestão das arcas petistas. Embora considerasse as propinas como mero “custo comercial”, incluído no preço final dos empreendimentos, o executivo da construtora espantou-se.
A propina requisitada por Berzoini deveria incidir sobre “todos os projetos federais que a Andrade estaria executando e que já tinha executado de 2003 [quando Lula assumiu seu primeiro mandato] para a frente”, contou Otávio Azevedo ao juiz da Lava Jato. “Ou seja, projetos inclusive já terminados. E também dos projetos futuros. Eu realmente estranhei demais a colocação. […] Fiquei bastante constrangido pelo pedido de 1% de contribuição. Essa reunião foi […] extremamente desagradável. Foi uma reunião dura.”
Depois de um debate interno, a empreiteira cedeu ao assédio do PT. Excluiu do acerto apenas as obras pretéritas. Manteve os canteiros já abertos e os empreendimentos futuros. O acerto vigorou de 2008 até 2014. Nesse período, a Andrade Gutierrez borrifou na caixa registradora do PT algo como R$ 40 milhões em dinheiro surrupiado do Tesouro Nacional por meio da elevação dos preços das obras. Os pagamentos foram feitos em anos eleitorais e também nos anos em que não houve eleições. Segundo o delator, 99% da grana foi entregue ao partido, não aos comitês de campanha.
Afora a propina, a Andrade Gutierrez ainda repassava ao PT as doações convencionais de campanha. Somando-se a “verba vinculada'' às obras e os donativos eleitorais, o PT mordeu a empreiteira em R$ 90 milhões durante seis anos. Otávio Azevedo relatou a Sérgio Moro que, em 2014, o apetite dos coletores da campanha de Dilma foi voraz. Eram dois os cobradores mais incisivos: Giles Azevedo, então secretário-executivo do Gabinete Pessoal de Dilma, e Edinho Silva, tesoureiro do comitê de campanha do PT. (vai abaixo, em três partes, o depoimento de Otávio Azevedo. É um excelente passatempo para o final de semana)
“Eles [Giles e Edinho] começaram a pressionar demais para as doações da campanha da presidente Dilma”, relatou o mandachuva da Andrade a Sérgio Moro. Noves fora as propinas que vinham sendo pagas ao PT, o comitê de Dilma pedia a bagatela de R$ 100 milhões. “Era muito dinheiro. O meu papel era preserver esse dinheiro e tentar apoiar especialmente quem está ganhando. Apoiar quem vai perder não era o meu objetivo”. Em dado momento da campanha, os presidenciáveis Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB) revelaram-se opções atraentes para a Andrade.
O delator prosseguiu: nas pesquisas, “subia o Eduardo Campos, subia o Aécio, a Dilma começava a ter uma queda. Eu, então, segurei as doações eleitorais, tanto do Aécio quanto da Dilma. Aí eles ligaram.” De acordo com o depoimento, Giles Azevedo, na época um dos assessores mais próximos de Dilma, tocou o telefone para um executivo da construtora chamado Flávio Machado.
“O Flávio me ligou preocupado… O Giles tinha ligado para ele dizendo que eu não estava tomando a decisão de apoiar, que isso ia pegar muito mal para a Andrade, que a Andrade não pode fazer isso com a Dilma, que a Dilma era muito amiga nossa.” Segundo disse ao juiz, Otávio Azevedo telefonou para Edinho Silva, o tesoureiro da campanha petista. Marcou uma reunião. Além de Edinho, participou João Vaccari, que já havia assumido a tesouraria do PT.
“Qual foi o motivo de eu pedir para o João Vaccari ir? Foi justamente para mostrar para o Edinho que nós tínhamos feito [naquele ano] R$ 15 milhões de doações para o PT.” Otávio Azevedo deixou claro nesse encontro que, não fosse o desembolso das propinas exigidas por Berzoini e recolhidas por Vaccari, a Andrade Gutierrez poderia ser mais generosa com as arcas da campanha de Dilma.
Sérgio Moro quis saber do depoente se ele deixou realmente claro na conversa que vinha realizando as tais “doações vinculadas”, eufemismo para propinas. “Não só nessa, como numa outra reunião”, respondeu o executivo. “Se não houvesse doação vinculada, eu poderia ter doado direto para a campanha da Dilma. Eu quis também jogar com ele [Edinho], no sentido de ele entender que eu estava ali cumprindo obrigações deles próprios, orientações deles próprios desde 2008.”
A pressão de Edinho deu resultado. A Andrade Gutierrez doou R$ 10 milhões à campanha de Dilma. No mesmo dia, a empresa efetivou uma doação também para a campanha tucana de Aécio Neves, contou Otávio Azevedo. Edinho Silva não se deu por achado. Em telefonema para o executivo da empreiteira disse que os milhões doados “não eram nada, era um troco.” Queria R$ 100 milhões. O interlocutor lhe disse que o limite da construtora para as doações de campanha era de R$ 104 milhões.
O delator reproduziu para Moro o que dissera para o tesoureiro de Dilma: “Nós vamos também apoiar outros partidos. E tem governadores, senadores, deputados. Ele, muito insatisfeito, voltou a ligar para cobrar.” Espremido, Otávio Azevedo pediu para se encontrar com Giles Azevedo, o assessor de confiança de Dilma. Edinho também estava presente.
“Fui lá para explicar para eles. Falei exatamente a mesma coisa. Falei das doações vinculadas que a gente estava fazendo [para o PT], falei de Belo Monte, me lembro perfeitamente que foi a obra que eu falei com ele com clareza. E os outros projetos federais que nós temos a obrigação de conbtribuir. Cara, nós estamos fazendo demais —R$ 100 milhões?!? Vocês estão doidos.”
Nesse ponto do depoimento, Otávio Azevedo revelou que o apetite do PT era maior do que ele poderia supor: “Foi aí que eles falaram: ‘ah, nós esperamos que as grandes empresas contribuam com R$ 500 milhões, R$ 600 milhões. Um número gigantesco. Eu disse para eles que talvez pudesse fazer um esforço adicional, mas que não contassem com a Andrade Gutierrez.”
A empreiteira repassou para Edinho, antes do primeiro turno da eleição, mais R$ 5 milhões. “E eles novamente acharam horrível: ‘Pô, mas só isso?!?’ Deixamos passar a eleição. Em meados de outubro, voltei no comitê central deles. Estive de novo com os dois [Giles e Edinho]. Disse que acabou, que não ia fazer. Eles estavam pressionando muito. E nós resolvemos, ainda, fazer mais duas doações —uma de R$ 2 milhões e outra de R$ 3 milhões, na véspera da eleição, perto do Segundo turno.”
“Mas ainda não acabou”, prosseguiu Otávio Azevedo. “No dia 3 de novembro, o Edinho foi me visitar. E pediu mais dinheiro para fechar a campanha. E aí, realmente, não pagamos. E ela já eleita. E nós não contribuímos.”
Em seu depoimento, o executivo da Andrade Gutierrez esclareceu que a construtora distribuía dinheiro para ficar bem-posta no conceito do governo. Nesse ponto, Otávio Azevedo aproximou involuntariamente as administrações do PT da famigerada gestão de Fernando Collor. Naquela ocasião, como agora, alguns dos mais respeitados empresários pagaram milhões a P.C. Farias, o coletor de Collor, sabendo que estavam comprando a atenção do governo.
A diferença é que, sob Collor, os empresários foram poupados. Hoje, a oligarquia empresarial frequenta a carceragem de Curitiba e torna-se colaboradora da Justiça. Delatores como Otávio Azevedo empurram para dentro dos autos da Lava Jato fatos que Dilma e Lula não teriam como desconhecer. No comando do PT, Berzoini não teria achacado a Andrade em 2008, nas pegadas do escândalo do mensalão, sem o conhecimento de Lula. Do mesmo modo, o assessor de confiança Giles e o tesoureiro Edinho não fariam com Dilma a descortesia de mantê-la desinformada sobre as mordidas que o PT dava na construtora —por cima e, sobretudo, por baixo da mesa.
Repita-se, por oportuno, a pergunta anotada no título da notícia: para que serve a honestidade de Dilma e Lula?
“O colunista Felipe Moura Brasil comenta as revelações da Lava Jato, os efeitos nas eleições municipais e o desmonte do aparelhamento do Estado. Assista na TVeja.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
Blog compara esquerdas brasileira e americana (e escândalos) para desgosto da patrulha (felipe Moura Brasil, de veja.com)
Toda comparação entre esquerdas brasileira e americana é recebida com a patrulha da proibição de comparar, exercida por brasileiros que – monoglotas e/ou informados exclusivamente pela imprensa nacional – desconhecem as práticas da esquerda americana, esmiuçadas em vasta bibliografia que, em sua faceta mais contemporânea, vai desde a fonte intelectual em “Pensadores da nova esquerda”, do filósofo inglês Roger Scruton, até “O livro negro da esquerda americana”, de David Horowitz, passando pela obra de Dennis Prager, Thomas Sowell, Ann Coulter, Mark Levin, Bill O’Reilly, Sean Hannity, Ben Shapiro, Larry Elder, os irmãos David e Rush Limbaugh, e outras dezenas de autores.
Sou generoso, claro. Os patrulheiros, na verdade, desconhecem o próprio sentido do verbo comparar.
A existência de diferenças entre Hillary Clinton e Dilma Rousseff soa a qualquer cabeça-dura ou petulante como prova de que toda comparação sobre suas similaridades é indevida, como se a maior articulação verbal de Hillary, por exemplo, impedisse a constatação de que, em assuntos tão ou mais graves, ela mente ou se faz de sonsa ao povo americano como Dilma ao brasileiro.
A “primeira mulher” candidata à presidência por um dos dois maiores partidos dos Estados Unidos, como alardeou a imprensa após o anúncio oficial na terça-feira, é de fato a primeira a mentir – e ser desmascarada pelo FBI – sobre o uso de um servidor pessoal de e-mail que pôs em risco informações ultra-secretas enquanto era secretária de Estado; a primeira a mentir sobre os responsáveis por um ataque terrorista – em Bengasi, em 11 de setembro de 2012 – e a primeira a mentir até pessoalmente para a família de uma das vítimas, garantindo que encontraria o autor de um vídeo que o governo Obama culpou em período eleitoral para não prejudicar a campanha de reeleição que cantava vitória contra a Al-Qaeda.
Após a reeleição, quando as investigações a pegaram na mentira, Hillary foi também a “primeira mulher” a perguntar “que diferença faz a esta altura?” – no caso, a “diferença” de dizer a verdade; e não por acaso 68% dos americanos acham que a atual candidata não é honesta nem confiável.
Agora, mais uma similaridade aparece simultaneamente entre Dilma e Hillary: ambas alegam não saber dos esquemas partidários dos quais foram as maiores beneficiárias políticas.
Em entrevista desta quarta a uma rádio de Uberlândia, Dilma chegou a culpar o PT pelo pagamento de propina ao marqueteiro João Santana (que confessou à Lava Jato saber apenas de “caixa dois”) por meio do operador Zwi Skornicki (que admitiu se tratar mesmo de propina do petrolão). Em discurso decerto ditado por seu advogado José Eduardo Cardozo, a petista disse:
“Se ele recebeu 4,5 milhões de dólares, não foi da organização da minha campanha, porque ele diz que recebeu isso em 2013. A campanha começa em 2010 e, até o fim do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. Tudo que ficou pendente sobre pagamentos da campanha passa a ser responsabilidade do partido. Minha campanha não tem a menor responsabilidade sobre em que condições pagou-se dívida remanescente da campanha de 2010. Não é a mim que você tem de perguntar isso. Ele (João Santana) tratou essa questão com a tesouraria do PT”.
Dilma foi eleita com dinheiro roubado da Petrobras, mas culpa o partido para se blindar.
Com a nova confirmação do TSE de que sua campanha também contratou uma empresa de fachada (DCO Informática) que subcontratou a empresa (2K Comunicações) do assessor (Keffin Gracher) do tesoureiro da própria campanha (Edinho Silva), ela ainda terá de readaptar o truque para evitar sua cassação.
Já Hillary Clinton, em entrevista no sábado ao programa “60 minutes”, da emissora de TV americana CBS, negou saber da sabotagem praticada pela cúpula do Partido Democrata à candidatura de seu rival nas primárias Bernie Sanders e revelada pelo site Wikileaks, que divulgou cerca de 20.000 mensagens internas de e-mail da legenda.
“Eu não sabia nada sobre isso, e eu não li qualquer um desses e-mails”, repetiu Hillary várias vezes em trechos – oh, surpresa! – cortados da versão do programa exibida no domingo e publicados discretamente apenas no site da CBS.
(Como a imprensa brasileira só traduz o que a mídia esquerdista americana destaca, o corte desmascarado pela mídia independente não foi noticiado no Brasil.)
Hillary venceu as primárias por meio de sabotagem, mas – como Dilma em fraudes fiscais, petrolão e propina a Santana – nada sabe a respeito.
Assim como Lula fez com Dilma ao longo dos anos, o ex-presidente Bill Clinton ainda tentou humanizar a esposa na noite de terça com longo discurso na convenção do Partido Democrata sobre a história de amor do casal (sem citar amantes como Monica Lewinski, é claro). Sempre foi assim: na falta de empatia com o público e um currículo de realizações, Dilma e Hillary se apoiam na força de seus padrinhos políticos para subir na vida.
Todo esse cenário mostra queesquerdista que fala em inglês é esquerdista do mesmo jeito, como diz meu compadre Alexandre Borges; embora uma porção de brasileiros que se descontaminaram do petismo, mas talvez não de Arnaldo Jabor, ainda se negue a entender essa obviedade escancarada nas similaridades entre as práticas de Dilma e Hillary, petistas e “democratas”, para muito além da mentira:
– explorar politicamente (na falta de maiores méritos) sua condição feminina;
– explorar o ressentimento das “minorias”, jogando negros contra brancos, pobres contra ricos, gays contra héteros, mulheres contra homens;
– alimentar tensões raciais e sociais com retórica antipolicial que legitima ataques contra agentes da lei;
– demonizar adversários com rótulos infamantes sem conexão com a realidade;
– tratar bandidos e terroristas como vítimas da sociedade ou das ações militares no exterior;
– responsabilizar a “cultura do estupro” por atos de estupradores reais e/ou forjados em falsos levantamentos;
– violar as leis inerentes ao cargo público que ocupa;
– receber doações sem transparência e tomar decisões favoráveis aos doadores (como ficou claro noescândalo da Fundação Clinton, cujas investigações seguem avançando);
– defender o desarmamento da população civil;
– defender as cotas raciais em universidades;
– defender a legalização do aborto (financiado com verbas federais);
– edulcorar as próprias políticas e amenizar ilegalidades com eufemismos (não é matar bebês no útero, por exemplo, é ser pró-escolha);
– abrir as portas dos banheiros de meninas para meninos desde a mais tenra idade;
– pregar o aumento do tamanho do Estado e de políticas assistencialistas financiadas por pagadores de impostos cada vez mais altos, que trabalham para sustentar os currais eleitorais de esquerda; e por aí vai.
Por essas e muitas outras, este blog torce para que os brasileiros despertem do berço esplêndido em matéria de política internacional e que, em novembro, Dilma dê a Hillary as boas-vindas à irrelevância. Há mulheres muito mais sinceras e capazes neste mundo.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
O desespero cresce à medida que se aproxima o impeachment e, com isso, Dilma Rousseff vai perdendo a noção do ridículo. A mulher dita honesta, acuada pela sanha golpista dos inimigos do povo e confinada na solidão de um palácio de mentirinha, volta-se, explicitamente, contra seu próprio partido, a quem atribui a responsabilidade por qualquer malfeito que tenha sido cometido nas duas bem-sucedidas campanhas eleitorais de que participou. Mas o sentimento de rejeição é recíproco: está aberta nas hostes lulopetistas a discussão sobre a conveniência de manter Dilma Rousseff afastada da campanha municipal. O PT já se deu conta de que mal poderá arcar com o peso negativo da própria imagem. Dispensa o abraço de afogado.
Para a presidente afastada, a confissão de seu ex-marqueteiro oficial de que recebeu via caixa 2 pelos serviços prestados na campanha presidencial de 2010 não a atinge: “Ele diz que recebeu isso em 2013. Ora, a campanha começa em 2010 e até o final do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. A partir do momento em que ela é encerrada, tudo o que ficou pendente de pagamento da campanha passa a ser responsabilidade do partido”.
Equivoca-se a mulher honesta. Mesmo que o cipoal legislativo que regula a matéria dê margem a eventuais interpretações pontuais discrepantes, o bom senso impõe a observância do princípio da responsabilidade solidária de candidatos e partidos sobre os gastos eleitorais, principalmente quando se trata de pleito majoritário. No caso, o marqueteiro João Santana, responsável pelo marketing eleitoral de Dilma em 2010, só conseguiu receber US$ 5 milhões que lhe eram devidos – na verdade, US$ 500 mil a menos – em 2013, depositados em conta no exterior.
Ninguém imagina que um candidato à Presidência da República seja obrigado a cobrir gastos de campanha. Mas é óbvio que ele é responsável, solidário com o partido, por esses gastos, inclusive do ponto de vista da legislação eleitoral. É, aliás, exatamente por essa razão que está sendo julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, relativa aos gastos de campanha de 2014. É simplesmente ridícula, portanto, a alegação da presidente afastada de que, como a campanha de 2010 foi encerrada antes de o pagamento ser feito ao marqueteiro, a responsabilidade exclusiva por esse pagamento é do PT.
De resto, essa atitude revela, no mínimo, o desapreço que Dilma tem pelo partido pelo qual se elegeu duas vezes presidente da República. O que suscitaria a questão – se é que ela acredita realmente que possa voltar ao Palácio do Planalto – de saber com o apoio de quem ela contaria para recompor seu governo.
Ao tentar transferir para o PT toda a responsabilidade pelos golpes eleitorais que alavancaram suas eleições, Dilma nada mais fez do que imitar o comportamento de seu criador e mestre, Lula da Silva. Mentor e maior beneficiário do mensalão e do petrolão, peças do mesmo esquema de corrupção com os quais procurou em vão consolidar seu projeto pessoal de poder, o hóspede contumaz do famoso sítio de Atibaia passou oito anos na Presidência da República comportando-se como se qualquer suspeita de seu envolvimento em trambiques fosse crime de lesa-majestade. A diferença entre Dilma e Lula é que este, muito mais esperto, não perdia oportunidade de passar a mão na cabeça de quem operava o jogo sujo para ele.
Hoje, a agenda dos restos do PT concentra-se na sua sobrevivência política, o que passa necessariamente por um desempenho se possível um pouco mais do que medíocre no pleito municipal de outubro. A estratégia eleitoral a ser adotada divide suas lideranças. Por um lado, os que preferem a uma abordagem mais “ideológica” insistem que o mais adequado é a “nacionalização” da campanha, levando para os palanques municipais o tema do “golpe” de que o PT estaria sendo vítima com o impeachment de Dilma. De outra parte, os mais pragmáticos entendem que, numa eleição de prefeitos e vereadores, o que garante voto são as questões locais.
Seja qual for a estratégia, predomina entre as lideranças petistas, nos âmbitos federal, regional e municipal, a convicção de que, com a exceção talvez do Nordeste, as presenças nos palanques de Lula e, principalmente, de Dilma, não são desejáveis. São as voltas que a política dá.