"Pior que o estupro da carne é o estupro moral, social e político dos cidadãos do Brasil"

Publicado em 01/06/2016 16:42
por JUAN ÁRIAS, do EL PAÍS

Da vergonha do estupro sexual já se escreveu tudo, com motivo da tragédia sofrida pela adolescente do Rio nas mãos de um pelotão de machos violentos. Existe, entretanto, outro tipo de estupro, que não deve ser esquecido neste momento, e que é vivido pelo Brasil. Suas vítimas não são unicamente as mulheres, mas milhões de cidadãos.

É a violência imposta pela classe política à parte mais fraca da sociedade, que se sente uma vítima impotente diante das suas corrupções e atropelos. A mulher, na nossa sociedade machista, é, real e simbolicamente, objeto de violência – e não só sexual –, vítima dos prejuízos atávicos que, desde as cavernas, a considera inferior e submissa ao poder masculino.

Existem, entretanto, outras categorias de pessoas igualmente violentadas física e moralmente fora da esfera sexual.

A palavra estupro procede do latim stuprum, que significa desonra, vergonha pública. No sentido jurídico, simboliza “emprego da força contra alguém mais fraco”, compreendida a violência sexual, mas não só. Na raiz indo-europeia, estuprar significa golpear.

Se estupro, originalmente, indica a força exercida contra alguém mais fraco, sempre que a classe política, através de suas instituições, usa a força contra os marginalizados está cometendo um estupro moral coletivo.

Nesse sentido, todas as feridas sociais produzidas pelas crises econômicas, as violências policiais, geralmente contra pobres e negros, as mentiras que enganam a boa fé das pessoas humildes e a corrupção que impede melhoras na educação, na saúde e na cultura são também um estupro.

São um estupro o esbanjamento e os privilégios dos governantes perante os olhos de famílias que, mesmo trabalhando duro, não conseguem terminar o mês sem se endividar, nem podem oferecer a seus filhos uma formação que os prepare para um futuro melhor que o vivido por seus pais.

São vítimas de estupro os milhões de desempregados, os jovens sem futuro, as mulheres que, mesmo quando mais preparadas que os homens, ganham sempre menos que eles.

Etimologicamente, estupro significa também “vergonha pública”. Nesse sentido, hoje poderíamos dizer que a grande massa da sociedade deste país está sofrendo um estupro coletivo, graças ao espetáculo que oferecem seus políticos e governantes, que parecem se mover não para melhorar as condições de vida dos que mais sofrem o açoite da crise, e sim para se manter em seus cargos, para se salvar dos tribunais que lhes pedem explicações, ou para crescer economicamente.

O escândalo do estupro coletivo e indecente da adolescente do Rio foi rechaçado com estupor e indignação por uma sociedade que está amadurecendo no respeito e na defesa dos direitos humanos.

Isso deveria servir também de alerta para dizer não a esse outro estupro moral e coletivo ao qual as práticas políticas machistas das velhas panelinhas de caciques, sem distinção de ideologias, condenam o tecido mais frágil da sociedade.

O estupro moral, social e político pode, às vezes, doer e até matar, tanto ou mais que o da carne.

Estupro, ampliação da pena e imoralidade das esquerdas. Ou: Esquerdistas usam vítimas como meras bandeiras (por REINALDO AZEVEDO)

Sempre que se tenta agravar a pena de alguns crimes que chocam a sociedade, as esquerdas saem por aí a vociferar contra o que consideram “populismo jurídico”. Estamos diante de um caso que rende um bom debate.

Em maio de 2015, um grupo de quatro menores e um adulto torturou e estuprou quatro adolescentes na cidade de Castelo do Piauí, a 190 km de Teresina. As garotas, em seguida, foram jogadas de um penhasco de cinco metros. Os estupradores ainda alvejaram suas cabeças com pedradas. Uma delas morreu.

A senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) apresentou, então, um projeto agravando a pena para estupro quando na modalidade “coletivo”. No seu texto, a pena passava a ser majorada em um terço no caso de haver dois ou mais estupradores.

Para saber: hoje em dia, o Código Penal prevê pena de 6 a 10 anos para estupro de homem ou mulher; de 8 a 12 anos caso a vítima tenha entre 14 e 18 anos, e de 8 a 15 anos para o estupro de vulneráveis (menores de 14 anos) ou deficientes.

A relatora da proposta, Simone Tebet (PMDB-MS), promoveu duas alterações: a depender das circunstâncias, a majoração para estupro coletivo pode ser de até dois terços, a critério do juiz. O texto  passa a punir também a divulgação de tais atrocidades, por qualquer meio, com pena específica: de dois a cinco anos de reclusão. Para ler os documentos pertinentes, clique aqui.

O projeto foi aprovado em votação simbólica, sem nem passar pela CCJ — para tanto, é preciso a concordância dos líderes, o que se deu — e segue para a Câmara. Disse Simone: “Os crimes de violência contra a mulher, infelizmente, na maioria das vezes, tomam o rumo da impunidade. Mais ainda, da invisibilidade. A não ser em casos como do Rio de Janeiro, quando aparecem nas manchetes (…), mas a maioria dos casos passa ao largo das lentes de nossas retinas”.

Contra ou a favor?
É claro que não vou me opor à medida, ainda que reconheça a sua inocuidade. É evidente que haver mais um estuprador na cena aumenta a covardia. Que se agrave a pena então, embora eu acredite que, nesse caso, a majoração não coíbe o ato.

O que me pergunto é por que não houve tal celeridade quando se tentou votar a redução da maioridade penal para punir devidamente monstros como aqueles do Piauí — sempre destacando que eles próprios já estariam protegidos pela impunidade, já que a lei, se alterada, não poderia retroagir. Aí, as mesmas lideranças de esquerda que agora aplaudiram a aprovação da proposta de Graziottin fizeram um escarcéu danado. Contra a redução da maioridade.

Assim, a gente aprende que, para as esquerdas, há ao menos uma circunstância em que o estupro não é assim tão grave: quando praticado por menores. Nesse caso, há o “desagravamento” da pena, e passa a valer a impunidade. Se o estuprador tiver 17 anos, tão logo cumpra medidas socioeducativas, vai para a rua. E com a ficha limpa.

Aliás, a própria Graziottin e seu partido saíram gritando por aí que a redução da maioridade penal era coisa da bancada da bala, não é mesmo? Digam-me uma coisa: o que é mais frequente no país: crimes graves cometidos por menores ou estupros coletivos? A resposta é óbvia. E, no entanto, o país vai agravar a pena em um caso — e não me oponho — e manter a impunidade no outro.

Afirmei num texto na manhã desta terça que as esquerdas não gostam de pessoas, mas de causas. Fátima Bezerra (PT-RN), senadora que tem uma das retóricas mais detestáveis da Casa, afirmou: “Desculpem-me a palavra forte. Deixamos o Congresso Nacional, pela ação, infelizmente, de uma bancada de perfil fundamentalista, conservador, acabar sendo conivente com essa situação à medida que deixa florescer e deixa prosperar iniciativas legislativas aqui dentro que fomentam essa cultura da violência. Que é isso? Que projeto de lei é esse que criminaliza as mulheres vítimas do estupro, quando está lá inclusive na própria legislação que elas têm direito”?

Esta senhora se referia, no fim das contas, a projetos que ela entende que dificultam o aborto. Sim, senhores! Fátima acha que se opor ao aborto corresponde a ser conivente com o estupro. É uma gente asquerosa! Aliás, deputadas e senadoras de esquerda usaram o caso do possível estupro coletivo no Rio para fazer militância em favor da interrupção da gravidez.

O lixo moral da esquerda brasileira talvez não tenha paralelo na história do pensamento.

Como eu havia previsto no texto da manhã desta terça, a garota que diz ter sido estuprada por 33 homens no Rio deixou de ser uma mulher para ser uma bandeira. E, como estava escrito na estrela — do partido —, o estupro virou apenas o pretexto da luta pró-aborto.

Essa gente, definitivamente, não tem vergonha.

Discurso errático faz do PT uma legenda cômica, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

O PT reuniu sua Executiva nacional nesta terça-feira (31). Divulgou uma resoluçãoque desdiz o conteúdo de outra resolução aprovada pelo Diretório nacional da legenda há apenas duas semanas. Ao perceber que o primeiro documento, divulgado nas pegadas do afastamento de Dilma Rousseff, saiu rapidamente de moda, o partido encurtou um pouco a bainha, tingiu de outra cor, alargou nos ombros, apertou na cintura, colocou uns babados e saiu à rua como se a manifestação original não existisse.

Na resolução de duas semanas atrás, datada de 17 de maio de 2016, o PT referiu-se à investigação que quebrou as pernas da oligarquia política e empresarial corrupta nos seguinte termos:

“A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista. Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito.”

No novo texto, de 31 de maio de 2016, a Lava Jato deixa de ser um instrumento a serviço dos “golpistas” e vira um incômodo do qual os mesmos “golpistas” querem se livrar. Crítico contumaz dos vazamentos de fragmentos da investigação, o PT serviu-se gostosamente dos diálogos gravados pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e divulgados por uma velha inimiga do petismo: a “mídia golpista”.

O PT realça os trechos do autogrampo de Sérgio Machado que derrubaram dois ministros do governo de Michel Temer: Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência).

Sobre os áudios que capturaram a voz de Jucá, o PT anotou: “…Fica claro que a deposição da presidenta Dilma tem por um dos objetivos o estancamento das investigações no âmbito da Operação Lava Jato relacionadas aos partidos que engendraram o golpe. Como disse Jucá: 'tem que ficar onde está…', ou seja, seletivamente apenas criminalizar o PT e seus dirigentes.”

“Nas gravações do ex-ministro Fabiano Silveira, este oferece orientações de como escapar do processo de investigação da Operação Lava Jato e suas ramificações, justamente o ministro encarregado da transparência e combate à corrupção”, acrescentou a nova resolução petista. “A suposta agenda ‘ética’ do governo golpista se esfarela. Tudo confirma que uma das faces do golpe é a interrupção do combate à corrupção, processo que avançou enormemente com as medidas implementadas durante os governos Lula e Dilma.”

Um detalhe potencializa o caráter humorístico da segunda manifestação do PT: foi nos governos de Lula e Dilma que o PMDB tornou-se cúmplice do PT no assalto à Petrobras e a outros nichos do Estado. Só na Transpetro, Sérgio Machado, um afilhado político de Renan Calheiros, plantou bananeira dentro do cofre durante 12 anos. Ou seja, mais do que medidas anticorrupção, o que o PT ofereceu mesmo à PF e à Procuradoria foi matéria-prima para inquéritos e denúncias.

Também na economia, as duas resoluções do PT se entrechocam. Na primeira, o partido esculhambou Dilma. Sustentou que a crise empurrou a presidente petista para “uma encruzilhada: acelerar o programa distributivista, como havia sido defendido na campanha da reeleição presidencial, ou aceitar a agenda do grande capital, adotando medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda, mais uma vez na perspectiva de retomada dos investimentos privados.” E Dilma optou pela agenda do “grande capital”, concluiu o seu partido.

Para o PT de 15 dias atrás, o ex-ministro Joaquim Levy, o tucano a quem Dilma confiou a pasta da Fazenda no primeiro ano do segundo mandato, levou o governo ao inferno. “O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, foi destrutivo sobre a base social petista, gerando confusão e desânimo nos trabalhadores, na juventude e na intelectualidade progressista, entre os quais se disseminou a sensação, estimulada pelos monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da presidenta rapidamente despencou…”

No novo documento, o PT desta terça-feira defende a volta de Dilma sob o argumento de que o interino Michel Temer tenta “implementar e aprofundar o programa neoliberal derrotado nas eleições de 2014”. Ora, mas Dilma já não tinha abandonado esse programa de 2014? Não foi por conta do estelionato eleitoral que sua popularidade “despencou”?

Analisando-se as duas resoluções do PT, chega-se à seguinte conclusão: Fora a falta de rumo, a incoerência, a ausência de autocrítica, a flacidez ideológica, a descortesia com os aliados de mais de uma década e a autodesoralização, o novo discurso do PT é uma boa peça… de humor.

Reajuste generalizado de servidor é temeridade

O grande problema dos economistas do governo não é fazer planos. Isso Henrique Meirelles e sua equipe fazem em cima do joelho. A questão é convencer o Congresso e a máquina do Estado da importância do equilíbrio entre receita e despesa. O conceito de que não é possível gastar mais do que se ganha é difícil para pessoas que tratam a verba pública como dinheiro grátis.

Agora mesmo, informa o repórter Leonel Rocha, o Congresso se equipa para aprovar, até agosto, um pacote de reajustes salariais para os servidores do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Os percentuais vão variar no elástico intervalo entre 10,7% e 55%.

Considerando-se que o governo acaba de aprovar no Congresso uma meta fiscal que consiste numa cratera de R$ 170,5 bilhões, a concessão de reajustes generalizados é uma temeridade. Vai ser difícil para Meirelles usar a analogia que equipara o governo a uma família.

Há na praça 11,4 milhões de desempregados. Tem família ameaçada de perder a casa e o carro. Sem dinheiro para encher a geladeira, muitas famílias recorrem ao agiota. Ou ao cheque especial, que é a mesma coisa. Ou ao rotativo do cartão de crédito, que é ainda pior.

O conselho dos economistas para essas famílias é não gastar mais do que ganham. E retirar as crianças da sala na hora que os parlamentares forem votar os reajustes de até 55% para o funcionalismo. Seria uma crueldade permitir que as crianças descobrissem tão cedo que o Brasil continuará endividado até a raiz dos cabelos delas.

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Fonte: EL PAÍS + UOL

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