O lado B da fita de Lula -- POR LUIZ ANTÔNIO NOVAES (em O GLOBO)

Publicado em 28/05/2016 09:45
Na VEJA: Pedro Corrêa faz relato contundente de envolvimento de Lula no petrolão

O lado B da fita de Lula

POR LUIZ ANTÔNIO NOVAES

(em O GLOBO)

 A cronologia das primeiras conversas entre Sérgio Machado, Jucá, Renan e Sarney, divulgadas esta semana, é esclarecedora. Mais do que a defesa do fim da delação premiada para presos, vê-se, dia a dia, que o grampo escancara o planejamento de um acordão para um “golpe”, ensaiado desde a demissão do ministro da Justiça no final de fevereiro. Mas não contra Lula e Dilma — e sim contra a Lava-Jato. E com a inédita participação, num primeiro momento, do PT e do PMDB unidos, se dependesse exclusivamente de Renan Calheiros.

As impactantes gravações de Machado ocorreram por volta de 10 e 11 de março, uma semana após a condução coercitiva de Lula para depor na Lava-Jato. Às vésperas, no dia 8, Lula, em sua versão jararaca, se refugiara em Brasília, onde janta com Dilma e vai nodia 9 à casa de Renan, de quem, ironicamente, ganha um exemplar da Constituição. No dia 10, o MP de São Paulo se antecipa a Curitiba e pede a prisão preventiva de Lula (até hoje no STF). No domingo, 13, o Brasil realiza a maior onda de protestos de sua História — contra Dilma, Lula, o PT e a favor da Lava-Jato e do juiz Sérgio Moro.

Esse primeiro bloco de fatos se fecha na terça-feira, 15, quando, em plenário, Renan desiste, por imposição do DEM e do PSDB, de instalar a comissão especial que ele havia criado para discutir a adoção de um parlamentarismo tupiniquim. Fica evidente nas fitas que fortalecer o Legislativo — e a si mesmo, como presidente do Senado — com um parlamentarismo brando ou branco era o plano A de Renan. Não só na hipótese sem Dilma e Lula, ideia com que a oposição simpatizara, mas até mesmo com os dois. A dobradinha Lula-Dilma contou, muito mais do que se imaginava, com a articulação de Renan. Entregar o poder presidencialista ao correligionário Temer era o plano B. É por isso que o PT, ao ouvir agora as fitas de Machado, preserva Renan, enquanto faz um carnaval contra as declarações de Jucá, aliado de Temer desde a primeira hora do impeachment, já expelido do governo pela Lava-Jato.

Com o contundente recado das ruas, Renan perde de vez espaço no PMDB para Cunha, a quem cabe prosseguir com o impeachment na Câmara. O PT, em desespero, busca uma solução própria. Dilma, que não aceitou licença ou renúncia, peça-chave do jogo “parlamentarista” com a oposição, anuncia no dia 16 que Lula, com prisão pendente, será ministro da Casa Civil, assumindo o risco de obstrução da Justiça. Acusação que ficaria evidente horas depois com a divulgação, pelo juiz Moro, do grampo com as conversas recentes de Lula, inclusive com Dilma. Entre tantos outros ataques ao STF e ao MPF, o candidato a primeiro-ministro diz ao prefeito Eduardo Paes, do PMDB, que ele era a única chance que o país tinha de parar “esses meninos” da Lava-Jato. As gravações de Machado, da mesma época mas conhecidas só agora, são o lado B das fitas de Lula. No dia 17, com Lula já empossado e Moro como nunca na berlinda, procuradores e juízes divulgam manifesto alertando para o risco de atentados às investigações, “numa guerra desleal e subterrânea travada nas sombras, longe dos tribunais”.

Naquela tarde, São Paulo reagiu e rugiu como em dia de futebol. Mas, no silêncio dos palácios de Brasília, pensava-se que o Lula de 2016 ainda era o de 2003. Que o poder dos políticos era maior do que o do povo. E que o aperfeiçoamento da democracia contra a corrupção era o mesmo que “ditadura da Justiça”. Ainda assim, concluiu-se, em 17 de abril, o afastamento de Dilma, que o PT espertamente chama de golpe para destruir conquistas e abafar a Lava-Jato. A Temer, herdeiro constitucional da crise, resta torcer pela economia e rezar para que seu nome não apareça de forma irrefutável na boca dos delatores.

QUEM PAGA O PATO (1)

José Eduardo Cardozo diz que continua defendendo Dilma “como advogado privado”, mas quem deve pagar a conta é o contribuinte. O ex-ministro obteve na Comissão de Ética o benefício da quarentena, que lhe dá 6 meses de salário. Pela lei, só tem direito quem recebe convite da iniciativa privada e não pode aceitar por conflito de interesses. Não parece ser o caso de Cardozo: se ele vai coordenar a defesa de Dilma, obviamente não ficará parado, em quarentena.

QUEM PAGA O PATO (2)

É alto o custo do impeachment. Já são 85 as ex-autoridades que, a exemplo de Cardozo, pediram a quarentena. Uma baita grana: cerca de R$ 15 milhões, só em salários. Sem contar os gastos com a estrutura palaciana da presidente afastada, que levou consigo 35 assessores. O TCU está de olho. O governo Temer vai checar a legalidade da atuação da AGU em favor de Dilma — não só na primeira fase do impeachment, mas também no período de afastamento.

GOVERNO EM EXERCÍCIO

Receita amarga

A proposta de Temer de limitar recursos da Saúde não sofrerá resistência só de movimentos sociais, mas do fortíssimo lobby das farmacêuticas. Elas estão entre os maiores fornecedores do governo: em 4º lugar no ranking de 2016, a Multicare, que fornece o Soliris (R$ 14 mil o frasco), já recebeu R$ 382 milhões da Saúde e a GlaxoSmithKline, quinta colocada, R$ 315 milhões.

Discretos na crise

Enquanto a tesoura não vem, projetos militares — aviões, submarinos e blindados — dominam a lista de investimentos da União. A Aeronáutica já pagou R$ 542 milhões à Embraer este ano, a Marinha, R$ 278 milhões à Odebrecht e o Exército, R$ 80 milhões à Iveco.

Terreno minado

Se governos bolivarianos ameaçam retirar embaixadores do Brasil, o dos EUA nomeia o seu. O escolhido, Peter Michael McKinley, está vindo do Afeganistão, depois de ter passado pela Colômbia. Ele nasceu na Venezuela...

Seu nome é Janot

“Ele é mau, é mau”, que nem pica-pau...

Bicho-papão

Presente o tempo todo na crise pelo Twitter, Joaquim Barbosa, crítico de Temer e favorável a eleições gerais, é o mais citado nos grampos do PMDB como perigoso presidenciável se a casa dos políticos cair de vez. Mais até do que Moro.

Autorretrato

Deu no “D.O.”: a primeira lei sancionada por Temer foi a do farol baixo...

GOVERNO PARALELO

Fora do baralho

 O afastamento de Dilma já produziu algo positivo para o PT. Candidatos a prefeito, que até ameaçavam jogar a toalha, conseguiram, além do discurso do golpe, uma bandeira de campanha para manter a ofensiva na rua: os prometidos cortes de Temer nas áreas de Educação e Saúde em 2017.

Sem concorrência

Os simpatizantes do PT que vão às ruas neste início de governo Temer estão em vantagem. Os defensores do impeachment, satisfeitos ou desconfiados, ainda não saíram de casa.

Tenho dito

No dia em que Jucá caiu, Dilma escalou Mercadante para atacar o pacote fiscal de Meirelles. Também flagrado em grampo, mas não demitido, o ex-ministro foi quem, em 1994, garantiu a Lula que o Plano Real era eleitoreiro e iria durar pouco.

Exagerado

Se é verdade que estava tudo combinado com Janot, Sérgio Machado precisava dizer, na gravação com Renan, que o STF é “uma m...” e que vai piorar com Cármen Lúcia? Lula só chamou a Corte de “acovardada” e amarga até hoje na fila dos penitentes.

O conselheiro

Alberto Carlos de Almeida, o consultor que aconselhou Lula, em grampo de 8 de março, a virar ministro para escapar da cadeia, é contratado do governo desde 2013: já faturou, com suas qualis, quase R$ 7 milhões.

A sombra

E o fantasma de Furnas continua no pé de Aécio...

 

Áudios provam o golpe… do PT contra o erário, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

Os historiadores fascinarão os brasileiros do futuro quando puderem se pronunciar sobre os dias atuais sem se preocupar em saber o que vai sobrar depois que a turma da Odebrecht começar a suar o dedo. O relato sobre o apocalipse do PT no poder encontrará a exatidão no exagero. Buscará paralelos na dramaturgia grega ao relatar como o petismo saiu da História para cair na vida.

No início desta semana, o PT imaginou que poderia reescrever a história a partir da gravação de uma conversa em que Romero Jucá insinua para Sérgio Machado que a queda de Dilma e a ascensão de Temer poderia resultar num “pacto” para “estancar a sangria” da Lava Jato. Está confirmado o golpe, alardearam Dilma e os petistas.

Passaram-se os dias. Sobrevieram as gravações dos diálogos que Machado travou com Renan Calheiros e José Sarney. Veio à luz a delação do ex-deputado Pedro Corrêa, do PP. Antes que pudesse comemorar uma mudança dos ventos, o PT viu-se enredado num redemoinho que o devolveu rapidamente à defensiva.

Numa das conversas colecionadas por Machado, Sarney declarou que a própria Dilma pediu dinheiro à Odebrecht para nutrir a caixa registradora de sua campanha e remunerar o marqueteiro João Santana. Previu que madame será abatida numa confissão da turma da empreiteira, “metralhadora ponto 100”.

Em sua delação, Corrêa iluminou o submundo em que Lula se meteu para comprar apoio congressual com dinheiro roubado da Petrobras. Estilhaçou a retórica do “eu não sabia” ao relatar reuniões em que o morubixaba do PT apartou brigas dos aliados por dinheiro ilegal e ordenou a nomeação de diretores larápios para a estatal petroleira.

Quando puder relatar à posteridade tudo o que sucedeu, a História descreverá uma fantástica sequência de fatos extraordinários acontecidos com pessoas ordinárias —em todos os sentidos. E concluirá que houve, de fato, um golpe no Brasil. Um golpe do PT e da quadrilha que gravitou ao seu redor contra o erário.

EM GRAVAÇÃO, RENAN AFIRMA: DILMA ‘É CORRUPTA’ (no diário do poder)

Citada como “inaudível” na transcrição do inquérito vazada à imprensa, na gravação é clara a expressão que Renan Calheiros utiliza para se referir a Dilma Rousseff, na conversa com o ex-senador Sérgio Machado. Diz claramente “a mulher é corrupta”, sobre a presidente afastada, tão logo Machado afirma que o presidente do Senado sabe que a delação de executivos da Odebrecht “taca tiro no peito” de Dilma.

A gravação tem sons que dificultam a compreensão, mas Renan é claro: confirmada delação de Odebrecht, “não tem jeito” para Dilma.

Sérgio Machado também se mostra demasiadamente preocupado com a delação de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira.

A frase “a mulher é corrupta”, que atropela uma fala anterior, atribuída a Renan na transcrição oficial, pode ser também de Sérgio Machado.

A transcrição do áudio obtido pela imprensa junto ao processo da Lava Jato atribui a frase sobre a corrupção de Dilma a Renan. (Por Cláudio Humberto).

 

Na VEJA: Pedro Corrêa faz relato contundente de envolvimento de Lula no petrolão

Revelações do ex-deputado ao MP compõem documento de 132 páginas. Depoimento aguarda homologação pelo Supremo Tribunal Federal

Por Robson Bonin, na VEJA.com:

Entre todos os corruptos presos na Operação Lava-Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa é de longe o que mais aproveitou o tempo ocioso para fazer amigos atrás das grades. Político à moda antiga, expoente de uma família rica e tradicional do Nordeste, Corrêa é conhecido pelo jeito bonachão. Conseguiu o impressionante feito de arrancar gargalhadas do sempre sisudo juiz Sergio Moro quando, em uma audiência, se disse um especialista na arte de comprar votos. Falou de maneira tão espontânea que ninguém resistiu. Confessar crimes é algo que o ex-deputado vem fazendo desde que começou a negociar um acordo de delação premiada com a Justiça, há quase um ano. Corrêa foi o primeiro político a se apresentar ao Ministério Público para contar o que sabe em troca de redução de pena. Durante esse tempo, ele prestou centenas de depoimentos. Deu detalhes da primeira vez que embolsou propina por contratos no extinto Inamps, na década de 70, até ser preso e condenado a vinte anos e sete meses de cadeia por envolvimento no petrolão, em 2015. Corrêa admitiu ter recebido dinheiro desviado de quase vinte órgãos do governo. De bancos a ministérios, de estatais a agências reguladoras – um inventário de quase quarenta anos de corrupção.

VEJA teve acesso aos 72 anexos de sua delação, que resultam num calhamaço de 132 páginas. Ali está resumido o relato do médico pernambucano que usou a política para construir fama e fortuna. Com sete mandatos de deputado federal, Corrêa detalha esquemas de corrupção que remontam aos governos militares, à breve gestão de Fernando Collor, passando por Fernando Henrique Cardoso, até chegar ao nirvana – a era petista. Ele aponta como beneficiários de propina senadores, deputados, governadores, ex-governadores, ministros e ex-ministros dos mais variados partidos e até integrantes do Tribunal de Contas da União.

Além de novos personagens, Corrêa revela os métodos. Conta como era discutida a partilha de cargos no governo do ex-­presidente Lula e, com a mesma simplicidade com que confessa ter comprado votos, narra episódios, conversas e combinações sobre pagamentos de propina dentro do Palácio do Planalto. O ex-presidente Lula, segundo ele, gerenciou pessoalmente o esquema de corrupção da Petrobras – da indicação dos diretores corruptos da estatal à divisão do dinheiro desviado entre os políticos e os partidos. Corrêa descreve situações em que Lula tratou com os caciques do PP sobre a farra nos contratos da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, comandada por Paulo Roberto Costa, o Paulinho.

Uma das passagens mais emblemáticas, segundo o delator, se deu quando parlamentares do PP se rebelaram contra o avanço do PMDB nos contratos da diretoria de Paulinho. Um grupo foi ao Palácio do Planalto reclamar com Lula da “invasão”. Lula, de acordo com Corrêa, passou uma descompostura nos deputados dizendo que eles “estavam com as burras cheias de dinheiro” e que a diretoria era “muito grande” e tinha de “atender os outros aliados, pois o orçamento” era “muito grande” e a diretoria era “capaz de atender todo mundo”. Os caciques pepistas se conformaram quando Lula garantiu que “a maior parte das comissões seria do PP, dono da indicação do Paulinho”. Se Corrêa estiver dizendo a verdade, é o testemunho mais contundente até aqui sobre a participação direta de Lula no esquema da Petrobras.

 

 

Mistificação eficiente

POR MERVAL PEREIRA

(em O GLOBO)

Uma coisa é preciso reconhecer: esses petistas são bons de mistificação na oposição. Só conseguem ficar no poder às custas de acordos espúrios como os que estão sendo revelados nas diversas investigações criminais que atingem em cheio a gestão nos últimos 13 anos.

Mas na oposição, não se vexam com as revelações de seus crimes e partem para o ataque como se não tivessem nenhuma culpa pelo que aconteceu na Petrobras, assaltada e dilapidada por uma quadrilha de políticos comandada pelo próprio presidente Lula, como mais uma delação premiada, a do ex-deputado Pedro Correa, confirma.

Ninguém se mexeu para dar um abraçaço na estatal, mas para impedir a fusão do ministério da Cultura com o da Educação, a indignação cívica tomou conta de nossos intelectuais. A lista de salários astronômicos pagos pela estatal Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), falida e sem audiência, talvez explique a gana com que defendem um governo criminoso.

Ninguém se mexeu para protestar pelos escândalos do mensalão e do petrolão, muito menos contra o desastroso governo de Dilma Rousseff, mas para espalhar pelo mundo afora a honestidade da presidente afastada, mesmo diante de diversas delações sobre sua atuação pessoal no uso de verbas desviadas pela corrupção na Petrobras e outras estatais nas campanhas presidenciais que a elegeram.

Agora mesmo, uma conversa do ex-presidente Sarney gravada pelo delator Sérgio Machado revela uma faceta dessa atuação: foi a própria Dilma quem pediu à Odebrecht que pagasse por fora ao marqueteiro João Santana, cuja mulher está fazendo delação premiada e confessando que recebeu propina da empreiteira no exterior. CQD.

No mensalão ainda houve um grupo de deputados petistas que acabou se retirando do partido para criar o PSOL, um dos poucos não envolvidos nesse esquema de corrupção que atinge praticamente todos os partidos políticos.

A Rede de Marina Silva é outro, embora se beneficie de ter sido criado mais recentemente. Mas pelo menos tem um sistema de triagem que até o momento parece funcionar. E Marina sai ilesa dessa geleia geral da corrupção em que se transformou o país, pronta para se apresentar como das poucas alternativas  para uma mudança de atitudes.

Embora minoritários, os petistas conseguem se mobilizar nacionalmente, e até pelo mundo, em demonstrações que sugerem haver uma revolta contra os "golpistas" que assumiram o poder, como se esses mesmos "golpistas", a começar pelo presidente interino, não fossem íntimos parceiros dos petistas nos últimos 13 anos, e não dividissem o butim das estatais em partes iguais.

Todos os que hoje fazem parte do governo interino do PMDB e estão enrolados nas investigações foram líderes de governos petistas, foram ministros de governos petistas, foram parceiros de falcatruas. Nas gravações, vê-se que Renan Calheiros é o Eduardo Cunha do PT.

O que fragiliza o governo interino de Michel Temer, mas tira também a credibilidade dos movimentos petistas que, no entanto, parecem não ser afetados pelas evidências. Se sentem no direito de acusar de "golpistas" os cúmplices de ontem, e tudo fica semelhante a uma briga de bandidos em que todos têm razão.

Os petistas tiveram um ganho formidável com o impeachment de Dilma: a oposição atingiu seu objetivo, mas não tem empolgação (nem razão) para ir para as ruas defender o governo Temer, cheio de dívidas com o seu passado e incertezas quanto ao presente.

Apoiar o impeachment, por ser uma solução constitucional para o descalabro do país, deu à oposição uma vitória que periga não ser consolidada pela história pregressa que vem sendo revelada nas investigações da Lava-Jato, atingindo inclusive líderes do DEM e do PSDB, e ao PT uma palavra de ordem mentirosa, mas eficiente ("não vai ter golpe"), como as campanhas dos marqueteiros petistas presos.

O presidente interino Michel Temer, tolhido por compromissos políticos que refletem os velhos vícios em que o PMDB foi cevado, precisa ainda provar que pode vir a ser um Itamar Franco, embora se aproxime mais de um José Sarney, pela história política que liga os dois caciques do PMDB, mais uma vez reafirmada nas conversas gravadas clandestinamente, mais reveladoras da alma dos interlocutores do que as declarações formais.

Os pobres e miseráveis que sumiram do Brasil Maravilha já são quase 75 milhões no Brasil real (por AUGUSTO NUNES)

Lula jura que acabou com a pobreza. Dilma jura que erradicou a miséria. E os devotos da seita repetem que, nos últimos 13 anos, 45 milhões de excluídos foram incluídos na classe média. Faltou combinar com os responsáveis pelo Cadastro Único para Programas Sociais, à disposição dos interessados no site oficial do Ministério de Desenvolvimento Social (e Agrário, depois da recomposição do primeiro escalão do governo Michel Temer).

A vigarice inventada pelo padrinho e expandida pela afilhada é implodida pelo cadastro que “reúne informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa renda ─ aquelas com renda mensal de até meio salário mínimo”. Como constatou o jornalista Clóvis Rossi em sua coluna na Folha, “famílias de baixa renda é um piedoso eufemismo para pobres ou, até, para miseráveis, conforme se pode ver quando se separam os cadastrados por faixa de rendimento”.

Atualizados em janeiro de 2015, os números confirmam aos berros que Lula e Dilma mentem mais do que piscam. São quase 39 milhões os que ganham de R$0 até R$77. Estão perto de 15 milhões os que juntam mensalmente entre R$77,01 e R$154. Passam de 19,5 milhões os situados na faixa que vai de R$154,01 até meio salário mínimo. Tudo somado, os pobres e miseráveis oficialmente desaparecidos eram, há pouco mais de um ano, exatamente 73.371.179.

A imensidão de excluídos que sumiu do Brasil Maravilha ficou maior no Brasil real. Os números do próprio governo provam que a dupla de mágicos malandros apenas escondeu o que nunca deixou de existir. Haja cinismo.

 

Ricardo Bordin: Quando o mínimo é o máximo

A antipatia ao Liberalismo econômico foi fomentada em nosso país por dois motivos: a eficácia do PT em descolar de sua imagem as crises econômicas geradas por seus métodos e a dificuldade do eleitorado em compreender procedimentos como a privatização

Publicado no blog de Ricardo Bordin

Bastou Renan Calheiros confirmar, no dia 12 de maio, que tínhamos um novo presidente da República para que tornasse a pulular nos meios de comunicação de massa uma expressão que estava, digamos, “démodé” desde que Fernando Henrique passou o bastão para Lula em 2003: Estado Mínimo. Depois de mais de 13 anos de hibernação forçada, quando pronunciar esta expressão era sacrilégio dos mais graves e quase suicídio eleitoral para políticos, eu até imaginava que os debates sobre esse tema seriam menos rasos.

Mas que nada: segue a rotina de jornalistas fazendo cara de nojinho para proferir essa expressão; “analistas políticos” referindo-se a ela quase como um castigo dos abastados imposto aos menos afortunados; comentaristas de ocasião associando as imperativas medidas de austeridade como a chegada do bicho-papão liberal. The Winter is coming, e o Estado mínimo vem aí comer o seu fígado: eis a mensagem predominante quando se trata de discutir as propostas da equipe econômica de Michel Temer, a qual tenta, a duras penas, gerir o Brasil herdado do PT como se uma massa falida fosse (fosse?).

O principal argumento empregado por essas viúvas da esquerda é que essa agenda política teria sido derrotada em todas as eleições presidenciais desde 1998, em favor do modelo de expansão estatal. Não vou negar a realidade, mas é preciso que se tenha em vista que essa antipatia generalizada ao Liberalismo econômico foi fomentada em nosso país, basicamente, por dois motivos: a eficácia do PT em descolar de sua imagem as crises econômicas geradas por seus métodos que, invariavelmente, “matam a galinha dos ovos de ouro” e depois saem gritando que foi uma raposa – que ninguém mais viu; e a dificuldade do eleitorado em compreender a repercussão positiva direta de procedimentos como privatização, redução de gastos públicos, responsabilidade fiscal e abertura econômica em suas vidas– pelo contrário: munido de chavões ideológicos embutidos em suas mentes por sindicalistas e demais “movimentos sociais” bancados com recursos públicos, o brasileiro médio repudia tais instrumentos, pois foi doutrinado pela esquerda a vê-los como sinônimo de empobrecimento.

Quem sabe um pouco dessa ojeriza não se dissipe se começarmos, então, explicando que Estado mínimo (restrito apenas à prestação jurisdicional e segurança pública) é uma meta perseguida por adeptos do Libertarianismo, e que não há libertários no governo Temer? Observe-se a linha que separa a esquerda da direita, e observe a posição histórica do PMDB. O critério para posicionar partidos e correntes de pensamentos é o grau de liberdade do indivíduo X grau de interferência estatal – mais liberdade, mais para a direita; mais Estado, mais para a esquerda:

Como não poderia deixar de ser, todos os regimes totalitários, onde o Estado concentra todo o poder em sim mesmo (Comunismo, Fascismo, Nazismo) estão na extrema esquerda. Na extrema direita reside o regime anárquico, onde não há autoridade governamental constituída, comum no período anterior à civilização. Em comum entre ambas, a utopia de considerar que prescindir totalmente do Estado ou da liberdade individual pode trazer bons resultados.

E no centro, está precisamente o PMDB, partido justamente criticado por ser fisiológico, capaz de se adaptar a qualquer ideologia que esteja no comando, a fim de governar a seu lado e colher os frutos dessa simbiose. Todavia, desta vez, acredito que o maior defeito do partido de Temer pode acabar virando sua maior virtude.

Explico: Por não ser adepto ferrenho de nenhuma das vertentes acima explicitadas, o PMDB pode, sem contrariar princípios partidários (quais mesmo?), fazer o que é necessário para recuperar nossa economia. E o que é necessário para tirar o Brasil da estagflação? Tudo o que o foi declarado por Temer no dia de seu primeiro pronunciamento: redução do número de cargos em comissão e ministérios, reformas trabalhista e previdenciária, transferir empresas estatais para a iniciativa privada, entre outras medidas saneadoras. E isso tudo não é defender Estado mínimo, mas sim apertar os cintos para atravessar a turbulência severa em que nos metemos.  Ou alguém já viu partidários de Estado mínimo assegurando que benefícios sociais serão mantidos?

Mas por que o PMDB está adotando este expediente? Querem para si o capital político de terem resgatado o Brasil da depressão econômica? Talvez. Mas o principal motivo é que, para que a política continue “valendo a pena” (sim, eu quis dizer financeiramente, para os políticos) é necessário, urgentemente, ressuscitar a galinha dos ovos de ouro! Daí alguém questiona: e por que o PT não faria isso então, já que também, por certo, quer que a política continue “valendo a pena”? Por que o PT tem “princípios” a seguir: ele não quer, não pode, não sabe, não consegue fazer o ajuste fiscal necessário para desatolar nosso economia (o fracasso de Joaquim Levy, duramente atacado por setores do próprio PT, corrobora tal assertiva). Partidos de esquerda gostam de surfar na onda da riqueza, mas produzi-la são outros 500 (bilhões de reais).

E se outra pessoa questionar: mas o caos não é necessário para transformar um país em uma ditadura, tal qual Nicolás “há um golpe em curso no Brasil” Maduro tem feito com a Venezuela, e esse, portanto, seria o real motivo do PT assistir de forma contemplativa nossos índices econômicos degradarem-se? Eu teria bastante dificuldade em responder não, confesso. Mas é preciso notar que esse hábito de países em crise econômica chamarem os liberais para descascar o abacaxi não é mais uma típica jabuticaba brasileira, e sim um fenômeno recorrente no mundo e na história.

Tomemos, primeiramente, o exemplo caseiro: a década de 1990 nos apresentou um socialdemocrata que, diante da necessidade, deu continuidade a abertura de nossa economia (iniciada por Fernando Collor), reduziu a participação do Estado na economia (transformando empresas deficitárias como a Embraer em multinacionais geradoras de empregos e divisas), criou mecanismos de imposição de responsabilidade fiscal a governantes, e conseguiu reduzir a inflação. Ao final, o Brasil ainda era um país de terceiro mundo, mas estavam criadas as bases para o desenvolvimento econômico do país.

Os países escandinavos também não escaparam do clássico ciclo “enriquece com medidas liberais/adota medidas de cunho socialista/chama os liberais de volta correndo”. Segundo o economista Stefan Karlsson, até a década de 1850, a Suécia apresentava índices de desenvolvimento humano baixos. A partir de 1860, passou a dotar medidas de livre mercado, as quais, na esteira da revolução industrial, beneficiaram a economia do país, permitindo um grande aumento do número de empreendedores – época em que Volvo, Saab e Ericsson foram fundadas. Neste ritmo, a Suécia teve o maior crescimento de renda per capita mundial entre 1870 e 1950, tornando-se uma das nações mais ricas do mundo, sendo que os gastos estatais eram inferiores a 10% do PIB. Todavia, entre 1950 e 1975, os gastos subiram de 20% para 50% do PIB, com a ascensão dos socialdemocratas ao poder.  Uma coalizão de centro-direita chegou ao poder em 1976, mas somente a partir de 1986 a Suécia aboliu os controles de moeda e reduziu impostos – como quase todo remédio, o impacto imediato foi amargo: até 1994, a economia sueca ainda estava em queda, enfrentando ajustes necessários por anos de irresponsabilidade do governo, papo que não me é estranho. Novas reformas foram adotadas, privatizações foram feitas e vários setores foram desregulamentados, permitindo a recuperação do país.

Ou seja, muito embora a esquerda aponte a Suécia como um exemplo de um país de Welfare State rico, é forçoso afirmar que a Suécia é rica apesar de conceder muitos benefícios a seu povo, mas em decorrência de suas reformas liberais. Para efeito de comparação, as empresas brasileiras demoram, em média, trinta de nove dias para exportar mercadorias; as suecas, oito, devido, especialmente, à baixíssima burocracia. De se notar que os benefícios estatais pagos aos suecos tem aumentado em valores brutos, mas tem diminuído em relação ao PIB – a boa e velha responsabilidade fiscal, tão em falta no Brasil.

Os Estados Unidos, ao que tudo indica, estão prestes a entrar neste ciclo: enriqueceram muito devido a décadas de governos Liberais (inclusive de políticos Democratas, como Bill Clinton, que governou o país durante o maior crescimento econômico da história norte-americana, bem como herdou o maior déficit da história e inverteu o quadro, deixando para o sucessor George W. Bush um superávit de US$ 230 bilhões) e, hoje, há forte pressão popular por medidas de distribuição de renda.  O curioso é que eles atingiram o “sonho socialista”, de uma vida digna até mesmo para os menos abastados, por meio do capitalismo. Mas isso não é uma ironia: é a realidade deixando um recado muito claro!

O roteiro é sempre muito semelhante, e a Argentina acabou de entrar na fase de recuperação deste ciclo. Esperamos que o Brasil também. Quanto antes começar, melhor. E quanto antes os brasileiros começarem a entender que guinadas à direita são imprescindíveis em determinados momentos históricos, melhor ainda.

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Fonte: O Globo + VEJA + DP

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