“O novo venceu o velho”, um artigo de Marco Antonio Villa
Publicado no Globo
O projeto criminoso de poder foi ferido de morte. Se a crise econômica e a Lava Jato tiveram importante papel neste processo, foram as ruas que decidiram a parada. As quatro manifestações de massa de 2015 sinalizaram que não havia mais meios de uma conciliação pelo alto. De uma saída à la brasileira, dentro da velha tradição nacional. O ponto final foi o dia 13 de março, quando milhões saíram às ruas e apontaram que o impeachment era a única solução para a mais grave crise política do Brasil.
No Senado — já são favas contadas — o julgamento vai condenar o governo petista por crime de responsabilidade. A pena (política) de Dilma é amena: será inabilitada, por oito anos, para o exercício de função pública. Mas o PT foi destroçado. Saiu do governo com a pecha de corrupto. Pior ainda: de ter organizado o maior desvio de recursos públicos da história. Diferentemente de 1992, a condenação não será individualizada. Não. A condenação foi do partido — e de seus asseclas, como PC do B, PSOL e parte da Rede — e de um projeto que construiu, no interior do Estado, o que o ministro Celso de Mello chamou, em um dos votos da AP-470, de “macrodelinquência governamental.” Conseguir reabilitação política a curto prazo é impossível. O PT vai se fragmentar em pequenos partidos, sem força eleitoral expressiva. E o projeto de poder que sustentou parte da esquerda brasileira morreu.
O que chama a atenção foi como tudo ruiu tão rapidamente, no sentido político, claro, pois a crise econômica tinha sido gestada no segundo governo Lula e já dava sinais de agravamento desde 2012. Ter devassado os “marginais do poder”, expressão também de Celso de Mello, deu à Lava Jato um importante papel. Porém, o governo ainda apresentava condições de conviver com o escândalo, tentando diminuir seus efeitos políticos, mantendo sob seu jugo a base da pirâmide social — os mais pobres —, o andar de cima, via bolsa BNDES e o colchão de amortecimento representado por intelectuais, artistas, docentes universitários e movimentos sociais que funcionavam como os tonton-macoute do petismo em troca de generosos apoios às suas ações.
Este bloco parecia invencível. E o Brasil condenado a sustentá-los ad eternum. Coube à sociedade civil desatar o nó górdio do projeto criminoso de poder. Não temos tradição de enfrentar o Estado. Pelo contrário. O Estado é fonte de tudo. Mas desta vez a sociedade deixou de ser invertebrada. Foi um processo maturado nas redes sociais e nos movimentos autônomos que foram surgindo nos últimos anos. A espontaneidade foi a marca deste momento. Quem imaginaria o sucesso da manifestação de 15 de março de 2015?
Os velhos formadores de opinião ficaram olhando para o passado. Foram aliados — alguns entusiásticos — do projeto criminoso de poder. Acharam que tinham um poder de influência fantástico. Coitados. Ficaram falando sozinhos. Ninguém mais os lia ou os ouvia. Seus gritos foram recebidos com risos. Falavam de golpe quando se estava cumprindo o que era determinado pela Constituição. Perderam feio. Quiseram até acionar o Papa. Patético!
Carlos Alberto Sardenberg: Os quatro equívocos fatais da economia brasileira
Publicado no Globo
Imaginem a situação de um médico legista diante de um corpo crivado de balas e que é questionado pelo promotor: “Qual foi o tiro fatal?”
É a mesma situação quando se pergunta: qual foi o erro fatal da presidente Dilma Rousseff? A economia brasileira foi atingida de tantas maneiras que se chegou a um quadro inédito: recessão com inflação; preços subindo mesmo com juros elevados; e contas públicas exauridas.
Não se chegaria a isto sem uma sequência de equívocos. Mas há um erro de base, que pode ser simbolizado numa frase: “gasto de custeio é vida”.
Foi o que disse Dilma, ainda ministra do governo Lula, quando ajudou a enterrar um plano de longo prazo de controle das contas públicas.
Como o governo vinha realizando superávits desde o final dos anos 1990, havia espaço para acelerar o gasto. Mas a presidente conseguiu em apenas três anos sair de um superávit primário (receita menos despesa antes do pagamento de juros) de R$ 129 bilhões para um déficit de R$ 32 bi.
Desse erro básico resultaram as pedaladas. A um determinado momento, o dinheiro arrecadado com impostos já não era suficiente. A presidente partiu então para tomar empréstimos, primeiro legalmente, depois se financiando nos bancos públicos, violando regras sagradas da Responsabilidade Fiscal.
O quadro se completou com as desonerações de impostos concedidos a determinados setores, escolhidos entre os amigos da casa. Em vez de reduzir impostos para toda a atividade econômica, o movimento foi elevar para todos e aliviar para alguns. Havia uma suposta lógica: com carga tributária menor, aqueles setores investiriam mais.
Ocorre que não fizeram as contas e o resultado foi queda de receita, sem investimentos.
Fechou-se o grande erro: mais gasto, menos receita, déficit anual, crescimento da dívida e da conta de juros. Só o déficit primário chegou a R$ 142 bilhões em 12 meses acumulados até março último.
O segundo erro fatal foi a redução dos juros, em 2012, quando o Banco Central fixou a taxa básica em 7,25% ao ano — a mais baixa da história recente. E isso quando a inflação rodava no teto da margem de tolerância — em torno dos 6,5% ao ano. O governo fez exatamente o contrário do que determinava o regime de metas.
De novo, foi um erro conceitual. Baseava-se na falsa ideia de que os juros eram altos porque os banqueiros queriam — como aliás a presidente alardeou na sua campanha de 2014. Os juros eram altos, como são, porque tem inflação e muito déficit público. Tentou-se combater a inflação do modo mais equivocado: mantendo o dólar baratinho, barateando importados e dificultando a vida da indústria local.
Em meio a essas intervenções em pontos chaves da macroeconomia — juros e câmbio —, o governo Dilma aplicou controles sobre dois preços básicos: gasolina/diesel e energia elétrica.
A Petrobras foi obrigada, durante anos, a importar combustível caro e vender barato aqui dentro. Só nos quatro anos do primeiro governo Dilma, estima-se que a estatal acumulou um prejuízo de R$ 55 bilhões. Nesse mesmo período, a companhia foi jogada num plano de investimentos megalomaníaco: quatro refinarias, dezenas de navios, plataformas e sondas, negócios em setores fora de sua área.
Sem caixa, a Petrobras endividou-se, até chegar ao ponto atual: sem fôlego, cancela investimentos e negócios, arrasta a indústria de óleo e gás, tem que vender ativos em um momento ruim. E isso sem contar a corrupção.
Ainda em 2012, ano da plena aplicação da “nova matriz econômica”, a presidente Dilma impôs uma redução de 12% na tarifa de energia elétrica. Isso num momento em que o custo da energia estava em alta, já sob ameaça da seca.
No mesmo momento, a presidente aplicou uma reestruturação do setor — o que veio a quebrar a Eletrobras e impor prejuízos generalizados para geradoras e distribuidoras.
De início, o governo tentou salvar o setor arranjando empréstimos. Depois, dado o tamanho do prejuízo, e uma vez tendo passado as eleições, veio o tarifaço. No primeiro semestre de 2015, as tarifas subiram em média 50%. Em algumas regiões, quase dobraram.
Por trás de tudo, a concepção clássica de uma esquerda latino-americana. O governo faz tudo: gasta diretamente ou por meio das estatais; seleciona os setores privados que terão financiamento subsidiado; controla os preços básicos; manipula as variáveis macro, juros e câmbio.
Eis os quatro erros fatais.
A produção caiu, os brasileiros ficaram mais pobres.
Lula, o ministro-barrado, volta ao Planalto. Para levar Dilma com ele
Impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de assumir a Casa Civil, o ministro-barrado e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao Palácio do Planalto nesta quinta-feira para acompanhar o último ato de sua cria: o adeus de Dilma Rousseff, com desembarque pela porta dos fundos, ao mais longevo projeto de poder do país. Em um esforço para relembrar os tempos em que movia multidões, o petista caminhou, separado por uma grade, ao lado de uma manifestação esvaziada - conforme estimativa da Polícia Militar, 4.000 pessoas reuniram-se em frente ao Planalto, número menor do que aquele que, sem nenhuma bandeira política, esteve no mesmo local em março para se manifestar contra a posse dele no alto escalão de Dilma. Emocionado, Lula abraçou militantes, recebeu rosas e posou para fotografias. Em seguida, entrou no Palácio do Planalto para acompanhar, de perto, a retirada da figura que ele conseguiu eleger e na qual esperava se amparar para continuar dominando a política nacional. Agora, seu futuro é praticamente certo. Lula não perdeu apenas o aparato de máquina pública governada pelo seu partido, mas também a valiosa perspectiva de foro privilegiado que mantinha caso fosse liberado a assumir o ministério de Dilma. Tal qual Dilma, ele pode, em breve, acabar abatido - nesse caso, pelo juiz Sergio Moro, que comanda as investigações da Lava Jato. (Marcela Mattos, de Brasília)