Seis gravações escancaram a conspiração forjada pelo PT para impedir que fosse esclarecido o assassinato de Celso Daniel
Seis gravações escancaram a conspiração forjada pelo PT para impedir que fosse
esclarecido o assassinato de Celso Daniel
Há uma semana, a reportagem de capa de VEJA expôs o estreito parentesco que liga o Petrolão, o Mensalão e o assassinato de Celso Daniel, alvo da 27ª fase da Lava Jato, batizada de Carbono 14. Os três escândalos pertencem à mesma linhagem político-policial. Foram praticados pelo mesmo clã. E provam, somados, que a transformação do PT em organização fora da lei começou a desenhar-se em janeiro de 2002. Na montanha de provas e evidências, destaca-se uma preciosidade desconhecida por milhões de brasileiros: seis áudios que registram conversas grampeadas há mais de 14 anos. O palavrório parece avô do grampo, divulgado recentemente pelo juiz Sérgio Moro, que mostra Lula e seus devotos em ação.
Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da PF encarregados de esclarecer o assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André, gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história de horror: Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, suposto mandante do crime, Ivone Santana, viúva da vítima, Klinger Luiz de Oliveira, secretário de Serviços Municipais, Gilberto Carvalho, secretário de Governo de Santo André, e Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado do PT para causas especialmente cabeludas. As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.
Em março de 2003, pouco depois do início do primeiro mandato presidencial de Lula, o magistrado alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. A queima de arquivo malogrou: incontáveis cópias dos áudios garantiram a eternidade dos registros telefônicos. Em outubro de 2005, quando cumpria a pena de prisão imposta ao juiz que prosperou como vendedor de sentencas, Rocha Mattos revelou a VEJA que os diálogos mais comprometedores envolviam Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010.
“Ele comandava todas as conversas”, disse Rocha Mattos. “Dava orientações de como as pessoas deviam proceder e mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel”. Em abril de 2011, já em liberdade, Rocha Mattos reiterou a acusação. “A apuração do caso do Celso começou no fim do governo FHC”, afirmou. “A pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí, ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. O que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando ele descobriu isso, a situação dele ficou muito difícil. Agentes da PF manipularam as fitas de Celso Daniel. A PF fez um filtro nas fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho”.
As seis gravações que se seguem escancaram a sórdida conjura dos grampeados dispostos a tudo para enterrar na vala dos crimes comuns um homicídio repleto de digitais do PT. A história do prefeito sequestrado, torturado e morto é um caso de polícia e uma coisa da política. As conversas também revelam a alma repulsiva do bando. O companheiro fuzilado numa estrada do ABC é tratado como um entulho a remover. Não merece uma única lágrima, um mísero lamento. Os comparsas só pensam em livrar da cadeia o parceiro Sombra e, simultaneamente, livrar-se do abraço de afogado do delinquente de estimação que ameaça afundar atirando.
Ouça os diálogos que documentam a movimentação dos assassinos de fatos. Passados mais de 14 anos, a reaparição do fantasma de Celso Daniel avisa que a tramoia fracassou. Enquanto não for exumada toda a verdade, enquanto não forem punidos todos os envolvidos na ocultação de provas, os bandidos serão assombrados pelo caso insepulto.
Áudio 1
Luiz Eduardo Greenhalgh diz a Gilberto Carvalho que é preciso evitar que João Francisco, um dos irmãos de Celso Daniel, “destile ressentimentos” no depoimento que se aproxima. “Pelo amor de Deus, isso é fundamental!”, inquieta-se Carvalho.
Áudio 2
Um interlocutor não identificado elogia Ivone Santana pela entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo e incentiva a viúva a repetir a performance no programa de Hebe Camargo. Alegre, a viúva informa que vai fazer o reconhecimento das roupas da vítima. Do outro lado da linha, a voz pergunta como “o cara” estava vestido. O cara é o marido de Ivone morto dias antes.
Áudio 3: À beira de um ataque de nervos, Sombra cobra de Klinger um imediata operação de socorro. Sobressaltado com o noticiário jornalístico, exige que Gilberto Carvalho trate imediatamente de “armar alguma coisa”.
Áudio 4: Klinger diz a Sombra que Gilberto Carvalho está preocupado com o teor do iminente depoimento do companheiro acusado de ter ordenado a morte do prefeito. Sugere um encontro entre os três para combinar o que será dito. No fim da conversa, os parceiros comemoram a prisão de um suspeito.
Áudio 5: Gilberto Carvalho cumprimenta Ivone Santana pela boa performance em entrevistas e depoimentos. Carvalho acha que as declarações mudarão o rumo das investigações.
Áudio 6: A secretária de Klinger transmite a Gilberto Carvalho rumores segundo os quais a direção nacional do PT pretende manter distância do caso “para não respingar nada”. Carvalho nega e encerra o diálogo com uma observação ambígua: é nessas horas que se percebe quem são os verdadeiros amigos.
Tags: Celso Daniel, Gilberto Carvalho, gravações, Ivone Santana, Klinger Luiz de Oliveira, PT, Sérgio Gomes da Silva, Sombra
Carlos Alberto Sardenberg: É tudo culpa da Lava Jato
Publicado no Globo
“Isso deve ser coisa daquele juiz brasileiro” — foi o comentário ouvido em rodas de conversas no Panamá, nesta semana, quando estourou o caso dos “Panama Papers”. O tal juiz, claro, só pode ser Sergio Moro, bastante conhecido no país por causa da Odebrecht. Quer dizer, por causa da prisão de Marcelo Odebrecht, ali reconhecido como o dono da maior companhia da América Latina.
Eu estava por lá, em visita particular, quando da prisão. O pessoal parecia estupefato. Preso em uma cela comum? — espantavam-se desde executivos nacionais e estrangeiros a motoristas de Uber.
A empreiteira tem obras importantes por lá — aliás, discute com o atual governo uma revisão nos planos e custo do aeroporto — e é o “mecenas” número um do principal museu local, um magnífico prédio do arquiteto Frank Gehry.
Tudo isso apanha o Panamá num momento especial. O escritório Mossack Fonseca ganhou muito dinheiro com a condição de paraíso fiscal de que o país desfrutou durante anos a fio. Formou-se, e ainda trabalha por lá, uma expressiva comunidade de executivos financeiros de várias nacionalidades.
De uns tempos para cá, quando os Estados Unidos, a União Europeia e instituições internacionais, como o FMI, iniciaram a guerra contra o dinheiro sujo que alimenta a corrupção, o tráfico de drogas e o terrorismo, o Panamá foi apanhado no contrapé. Aquilo que era vantagem competitiva — o paraíso fiscal — tornou-se um peso, um pecado que passou a espantar empresas e capitais.
Para resumir, o atual governo, do presidente Juan Carlos Varela, aplica um programa de desmonte do paraíso fiscal. Já conseguiu aprovar uma legislação restritiva, chancelada pelo FMI, e faz uma campanha interna alertando que lavagem de dinheiro é crime e deve ser denunciada. A operação não é simples, entretanto. O governo quer banir a lavagem, mas pretende que o Panamá permaneça como um “hub” financeiro para a América Latina, isso incluindo Miami.
Nessa hora, aparece o caso do escritório Mossack Fonseca. O sócio Ramon Fonseca é da mais alta elite panamenha. Além de advogado, é escritor (romances, novelas) e político. Não tem Lava Jato no Panamá, mas a elite local ligada aos velhos hábitos, digamos assim, entra na alça de mira internacional.
É claro que não foi o juiz Sérgio Moro que deflagrou a operação “Panama Papers”. Mas a Lava Jato, se não passou, vai passar por esse canal. E isso explica por que o pessoal do Panamá chega a imaginar que era tudo coisa “daquele juiz brasileiro”.
A Lava Jato, simbolizada em Moro, é parte de um fenômeno mundial — a campanha policial e jurídica em busca das quadrilhas que promovem ou participam da lavagem de dinheiro. Não se trata só de mais uma operação.
Na última segunda, o WhatsApp brasileiro passou a exibir a informação de que as mensagens agora são criptografadas “de ponta a ponta”. Quando tratamos disso na CBN, muitos ouvintes perguntaram: é coisa da Lava Jato?
Não, claro, mas de certa forma… Trata-se de um reforço na privacidade. Criptografadas, as mensagens não podem ser lidas nem pelo WhatsApp, nem por terceiros. Quer dizer que não podem ser grampeadas?
Não vai demorar muito para termos aqui um caso parecido com o FBI x Apple, quando a agência queria que a companhia quebrasse o código do iPhone de um terrorista. Não é de se esperar que um juiz brasileiro acabe pedindo que o WhatsApp quebre a criptografia para apanhar um suspeito? Ou, se o próprio pessoal da Lava Jato, com autorização do juiz, quebrar a criptografia e captar conversas suspeitas, essa prova terá validade nos tribunais?
Notem: o uso de uma tecnologia de informação de ponta é parte essencial das operações tipo Lava Jato no mundo todo. São eficientes e rápidas. Talvez pela primeira vez no Brasil uma operação anticorrupção seja mais capaz do que a própria corrupção. Ou ainda: tem uma capacidade de gerar provas muito mais intensas do que a habilidade dos advogados e seus clientes de oferecer explicações e defesas.
Por isso a Lava Jato é celebrada — de Curitiba ao Panamá —, mas por isso também assusta um determinado público, nos mesmos lugares. Há movimentos nos meios políticos brasileiros para restringir a legislação anticorrupção, assim como, aqui incluindo os meios jurídicos, tentativas de limitar a capacidade da Lava Jato de buscar e produzir provas.
Conseguirão?
Talvez consigam atrasar o processo. Mas imaginem a repercussão — mundial — de uma tentativa de cortar os braços de Moro.
E para encerrar com uma ironia: sabem qual o segundo sobrenome de Rafael Fonseca? Mora.
Quase.
Tags: Carlos Alberto Sardenberg, Marcelo Odebrecht, Mossack Fonseca,Operação Lava Jato, Panamá, Panama Papers, Sérgio Moro