Discurso de Lula segue organizado e perigoso. Atenção para a metáfora da serpente
Lula fez um pronunciamento em que anunciou a sua candidatura à Presidência da República em 2018. Fez mais do que isso: convocou seus milicianos e anunciou literalmente o que chamou de “recomeço”.
Como discurso, é uma peça, em si, organizada, com começo, meio e fim, como costumam ser as falas de Lula — por mais absurdas que possam se mostrar quando confrontadas com a realidade. À diferença de Dilma, ele tem uma cabeça que obedece a uma hierarquia.
O que se viu ali foi a postura passivo-agressiva que marca a sua história. Fala sempre a partir de um lugar: o do oprimido. Como oprimido não é e como é o dono da fala, então pretende se colocar como o porta-voz dos oprimidos. Sendo, como é, um orador muito competente no gênero, seu discurso mantém o poder encantatório.
Começou pedindo desculpas à mulher, aos filhos, aos companheiros, lembrando, numa oração intercalada, que Marisa era empregada doméstica aos 11 anos. A mesma Marisa que apareceria mais adiante, em sua fala, pondo flores num decanter, porque, afinal, tal peça é coisa de ricos instruídos. E ela é apenas a ex-empregada que pisa nos palácios.
Nunca antes na história deste país, com absoluta certeza, houve um brasileiro tão, vamos dizer assim, paparicado por empreiteiras. Esses mimos, vimos todos, eram praticados pelas mesmas empresas que participaram de uma organização criminosa como nunca se viu. Ainda assim, Lula busca a legitimidade do oprimido.
Mas não de um oprimido qualquer. Ele é o homem do povo, ao qual ele se dirige, que conseguiu superar as barreiras. É a vertente messiânica do seu discurso. Todo Messias tem de convencer o seu público de que “esteve lá” — seja esse “lá” onde for — em nome de todos. Ou, se quiserem recuar mais no tempo, Moisés teve de convencer seu povo que Deus o havia escolhido para passar as leis eternas, gravadas na pedra.
É claro que o messianismo de Lula conta uma história mundana do futuro. Ele quer que seu povo vibre por ele ter tomado vinho por eles, comido caviar por eles, pisado nos palácios por eles. Na cabeça de Lula, se ele chegou lá, então todos chegaram. Fez a cabeça de milhões assim. Conseguirá reunir seu exército de crentes?
Já vimos esse Lula em ação. Quando as agências de classificação de risco promoveram o Brasil a grau de investimento, disse o então presidente: “E quis Deus que fosse exatamente nesse momento que um presidente de sorte assumisse a presidência da República. E Deus queira que o Brasil nunca mais eleja um presidente que não tenha sorte”.
Sim, havia certa ironia na fala, dirigida àqueles que afirmavam que ele era sortudo, não competente. Lula absorveu a crítica e transformou a “sorte” que lhe atribuíam numa boa sina.
Imprensa
Lula está indignado com a Justiça e com o Ministério Público, sim; acusou a suposta desnecessidade da operação; ele se disse magoado; ferido na sua dignidade, mas, num dado momento, observou que tais entes são vítimas de uma força maligna: a imprensa. Citou nominalmente a Globo, a VEJA e a Época, deixando, claro, adicionalmente, que nada tinha contra os jornalistas.
No seu discurso, só está sendo investigado porque os donos de sempre do Brasil — e nem parecia que ele estava ali por causa de sua relação promíscua com empreiteiras — estavam reagindo aos milagres, ele usou essa palavra, que ele promoveu no país. Citou ao menos cinco. E o primeiro, notou, foi ter sobrevivido.
Lula deixou claro, e isso é mesmo verdade, que estava preparado para essa ação. Decidiu jogar no tudo ou nada. Via o seu partido um tanto letárgico. Precisava de um elemento forte o bastante que reacendesse a militância. E agora ele tem.
Vai funcionar? Vamos ver. No encerramento, disse uma frase emblemática: se querem matar a jararaca, tem de bater é na cabeça, não no rabo. Por isso só a deixa mais brava.
Notem que ele não respondeu a uma única das acusações ou suspeitas que há contra ele. Ao contrário até. Ele as tratou como caricatura.
A sorte está lançada.
Lula continua um irresponsável
Luiz Inácio Lula da Silva se acostumou a falar as maiores barbaridades sem que isso tivesse muitas consequências práticas, além da contínua degradação da civilidade política, da convivência entre divergentes, da normalidade democrática.
Não é verdade que, ao longo destes quase 14 anos de poder, o partido tenha se comportado nos limites aceitáveis de um regime democrático. Ao contrário. De forma deliberada, contínua, organizada, assistimos ao crescente aparelhamento do Estado, à demonização da divergência, às tentativas de deslegitimar a oposição, à indústria de denúncias e difamação em que se transformou o partido, especialmente em campanhas eleitorais.
Às vezes, a gente se esquece deste aspecto: o PT se especializou em montar dossiês contra adversários, recorrendo, inclusive, aos préstimos de militantes seus enfronhados em estruturas do Estado.
Muito bem! Lula Não está imune à investigação. É um cidadão, como qualquer outro, no que respeita às obrigações e direitos essenciais. Vive as circunstâncias privilegiadas de quem foi presidente da República, mas isso não o torna imune à lei.
Que seu partido tenha se comportado, ao longo desses anos, como organização criminosa, isso já não é juízo de valor, mas um fato evidenciado pelas investigações da Lava Jato. Que ele próprio, mesmo com homem comum, viva uma vida nada ortodoxa, idem.
Desde quando a Operação Lava Jato se aproximou do partido, Lula, ao contrário do que diz, fugiu de todas as respostas. Preferiu excitar a sua turba contra a investigação, denunciando uma suposta conspiração, abusando, uma vez mais, de sua tradicional irresponsabilidade, a opor permanentemente um certo “nós” a “eles”.
O “nós” dele são os petistas, fonte original de todo bem da terra e da honestidade acima de qualquer suspeita. “Eles” são todos aqueles que não são petistas. Ah, estes são a fonte do mal.
Na fórmula pervertida de Lula, os petistas são sempre inocentes, mesmo quando culpados. E os adversários são sempre culpados, mesmo quando são inocentes.
Infelizmente, a fórmula se mostrou politicamente eficaz para eles enquanto a economia, ainda que caminhando no trilho errado, crescia a um índice satisfatório. Mas parte daquele crescimento se dava à custa de medidas que iam sendo postergadas. O lulo-petismo trocou o planejamento do futuro pela farra do presente. E o país chegou ao ponto em que está hoje.
É evidente que Lula deveria ter caído em 2005, quando vieram à luz os crimes do mensalão. Mas justamente a economia e certa letargia da oposição — além da ausência de uma sociedade organizada — permitiram que ele fosse ficando por aí.
A Operação Lava Jato coincidiu com a derrocada do modelo econômico. E chegamos à situação atual.
Sim, Lula segue sendo o irresponsável de sempre. O pronunciamento feito há pouco (farei outro post a respeito) trouxe de volta o “pobre orgulhoso”, o ressentido terno, o ignorante que brilha no salão das elites, o homem que não sabe a diferença entre um decanter e um vaso, mas que dá aula aos doutores.
Lula decidiu partir para o pau. É a sociedade civil que vai dizer até onde ele consegue chegar.
O nome da crise é Dilma; o sobrenome é PT
O conteúdo explosivo da delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) veio a público, e o mercado sorriu. A Bolsa disparou, e o dólar caiu. Vale dizer: o nome do problema é Dilma. O sobrenome é PT. Uma crise política ou econômica cria dificuldades para um governo. Se ela consegue ser as duas coisas ao mesmo tempo, pior ainda. Mas ele ainda pode sobreviver se contar com o apoio da população. O que não se conhece até agora é governante que tenha sobrevivido a uma crise confiança.
Dilma não vai cair porque é incompetente. Infelizmente, no regime presidencialista, isso não é possível. Caso venha a ser impichada, ela o será em razão da penca de crimes de responsabilidade que cometeu.
A oposição vai pedir que as acusações feitas por Delcídio sejam incorporadas à denúncia contra Dilma que tramita na Câmara e que está paralisada em razão da absurda interferência do Supremo Tribunal Federal. Isso é possível? É, sim. Até agora, houve apenas o juízo monocrático do presidente da Câmara para dar início à tramitação. Eis um caso em que o que abunda não prejudica.
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Se as pedaladas justificavam a aceitação de um processo de impeachment contra a presidente, tanto mais justificará obstrução da Justiça. Até a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) foi tomada de algum brio — mas quero ver para crer — e se dispõe a analisar as acusações para, quem sabe, apresentar outra denúncia.
Bem, por enquanto, o melhor que a OAB poderia fazer é endossar aquela que já está na Câmara, afastando-se, por intermédio de seus meios de divulgação e de sua rede país afora, do populismo chinfrim a que tem aderido com frequência. A Ordem vai ter de decidir se defende o estado de direito ou o suposto direito que teriam alguns espertalhões de privatizar o estado. Vai ser o quê?
O mercado olhou pra essa sociedade viva, que se mexe, que não aceita a roubalheira, que recusa o roubo virtuoso e olhou para a Brasília, com aquela gente aturdida, abúlica, soturna, e concluiu: Dilma vai cair. E, se Dilma vai cair, então vamos apostar um pouco no Brasil.
Já comentei aqui algumas vezes e reitero: as questões do Brasil não encontrarão resposta da noite pra o dia. A tarefa será árdua. Mas podemos todos ter certeza de uma coisa: não sairemos da melancolia enquanto essa gente continuar por aí.
Chegou a hora de Dilma se mancar e nos deixar em paz. A população não a quer mais e ao seu PT. Em nome da lei, pela ordem!
Dilma: da política à polícia (na FOLHA DE S. PAULO)
Não vai ter golpe. Vai ter impeachment, isso na hipótese mais branda. Também posso começar de outro modo: a queda de Dilma Rousseff vai pôr fim à rotina de golpes institucionais empreendidos pelo petismo.
Dilma teve a chance de renunciar ao poder enquanto seu governo era ainda um caso de "política". Será tocada do Palácio do Planalto por uma penca de eventos que agora são de "polícia". Poucos se dão conta, mas essas duas palavras têm a mesma raiz. Pesquisem.
O que a língua, na origem, uniu, a civilização foi se encarregando de separar em domínios distintos. E só a barbárie as reaproxima.
Na sua luta para se tornar hegemônico, abusando dos instrumentos oferecidos pela democracia para solapá-la, o PT foi além de encurtar a fronteira entre a política e a polícia. Transformou o assalto ao Estado numa teoria do poder. E, assim, corrompeu também o pensamento.
O conteúdo da delação premiada de Delcídio do Amaral não deixa alternativas à ainda presidente. Ela poderia reunir o que lhe resta de dignidade política e, vá lá, de eventual amor ao Brasil e renunciar imediatamente, abreviando a nossa agonia. Ainda há tempo de uma saída turbulenta, sim, mas pacífica.
Acabou, Dilma! Eis a hora, como disse o poeta, em que todos os bares se fecham.
O fim do poder petista é constrangedor, é melancólico, mas nunca deixou de ser previsível. Há 15 dias, num dos debates promovidos em homenagem aos 95 anos desta Folha, um dos presentes citou a palavra "petralha", que eu criei, como evidência de que haveria uma crispação excessiva no debate, com bolsões radicalizados, que se negam a dialogar com adversários. E, por óbvio, nessa formulação, eu integraria um dos extremos do pensamento.
Tive de lembrar que o vocábulo, que já está "dicionarizado", veio ao mundo antes de o PT chegar ao poder federal. Quando fundi "petista" com "metralha" –os bandidos de gibi–, designava aqueles companheiros que defendiam o "roubo virtuoso", o "roubo que redime", o "roubo necessário", o "roubo que aprimora a ordem democrática". Foi a gestão petista de Santo André que me inspirou –aquela que resultou no assassinato de Celso Daniel. Estava escrito na estrela.
Estou entre aqueles que enxergam uma lenta, porém contínua, degradação de valores das instituições brasileiras depois da chegada do PT ao poder. Já assisti, por exemplo, a algumas pantomimas no Supremo que, há alguns anos, eu asseveraria inimagináveis. Mas Roberto Barroso está lá, com seus argumentos mais esvoaçantes do que sua toga, e não me deixa mentir. Fica para outras colunas.
O que se tem hoje no Palácio do Planalto é uma bagunça que obedece a um duplo (des)comando. Uma das cabeças do monstrengo bifronte é a própria presidente, que, dados os fragmentos de raciocínio que deixa escapar, vive numa permanente desordem mental. A outra é o PT, um ente de razão em colapso que, nessa fase de desmanche, já não consegue esconder as evidências de que se transformou numa organização criminosa.
O petismo golpeou a Constituição, golpeou a esperança de milhões de pessoas, golpeou os valores da democracia e da civilidade. É imperioso que seja apeado do poder pelas leis, e seus dignitários têm de pagar por seus crimes.
É verdade! Um outro mundo é possível. Um mundo em que o exercício do poder não se assente na banalização do crime.