"Lula não usa celular!!!"... Como podem ter pensado e, pior, divulgado uma coisa tão falsa e tão ridícula?

Publicado em 18/02/2016 18:09
por CARLOS ALBERTO SARDENBERG, de O GLOBO (no blog de AUGUSTO NUNES)

“Lula não usa celular”, um artigo de Carlos Alberto Sardenberg

Publicado no Globo

Até dá para entender. Com tanto grampo e com tanta quebra de sigilo, é realmente prudente que uma pessoa muito visada evite ter um celular normal, com nome e número conhecidos por todo mundo. Sem contar o risco de ter vazada uma conversa particular, tem o problema do assédio. Mas, especulemos: se um dos donos do Sítio Santa Bárbara, de Atibaia, quiser saber se está tudo bem quando Lula estiver lá num fim de semana, como faz?

Ou ainda, se um dos advogados precisar checar uma informação urgente relativa às diversas investigações em andamento? Poderiam ligar, já que a Oi instalou uma antena de celular bem ali na entrada do sítio.

Mas não vai dar. O Instituto Lula informa que o ex-presidente não usa celular. E como essa informação foi dada quando jornais perguntaram se o ex-presidente tinha algo a dizer sobre a tal antena da Oi, deve-se entender que a negativa tem sentido amplo. Algo assim: ninguém ligado ao ex-presidente usa celular, nem ele, nem sua família, nem seus assessores, nem ninguém que esteja trabalhando para ele. Isso quer dizer que não usam também essas coisas de internet vinculadas ao celular, como WhatsApp e mesmo e-mails.

Quer se comunicar? Tem que ir pessoalmente. Vai daí, imaginem a situação da Oi ou de alguém por lá. Pois alguém da empresa deu ordens para que a operadora instalasse uma antena ao lado do sítio. Reparem: só a Oi colocou antena ali. Gastou dinheiro com isso: aluguel do terreno, compra de equipamentos, colocação da torre, salários de funcionários e vigias.

— E tudo isso pra quê, idiota(s)? Não sabia(m) que Lula não usa celular?

Poderia ter ocorrido em algum escritório da Oi, não poderia? O(s) cara(s) tentaria(m) se defender:

— Como a gente ia adivinhar?

— Você(s) não era(m) amigos dele? — insistiriam.

Tudo considerado, se a Oi quis fazer um favorzinho ao ex-presidente, gastou dinheiro por nada, tal é a história. Parece absurda?

Pois tem mais. Uma dúvida aqui: o Instituto Lula quis dizer que o ex-presidente, no sentido amplo, não usa celular só quando vai a Atibaia ou em nenhum lugar, nem no apartamento em São Bernardo, nem no escritório do instituto? Que não usa celular da Oi ou de nenhuma operadora?

Seria realmente uma situação inédita: um ex-presidente, da importância de Lula, incomunicável, de Atibaia ao mundo.

Parece ridículo, não é mesmo?

E é mesmo?

Então, por que estamos falando disso? Porque revela um padrão de comportamento político que é uma combinação de falta de respeito e incompetência.

Reparem: o sítio está lá; foi reformado para a família Lula; as melhorias incluem a antena da Oi; a operadora tem sociedade com um dos filhos de Lula; tem no seu controle acionário a OAS, cujos funcionários andaram lá pelo sítio; a OAS está na Lava Jato; a antena praticamente só dá sinal para o sítio; o ex-presidente foi lá mais de cem vezes, com familiares e seguranças.

E daí?

Vem o Instituto Lula e diz que o ex-presidente não usa celular.

Como podem ter pensado e, pior, divulgado uma coisa tão falsa e tão ridícula?

Capaz de ser coisa de advogado à antiga, daquele tempo que se derrubava qualquer coisa nos tribunais com qualquer filigrana, por mais ridícula que fosse. Tipo assim: Lula não usa celular, não tem aparelhos registrados em seu nome, logo não pode ser considerado beneficiário do favor da antena.

Os seguranças usam celular? Os familiares?

Não interessa, não é do ex-presidente.

Só falta dizer que Lula nem sabia que o pessoal usava celular.

Encontra-se esse tipo de coisa em todas as investigações da Lava Jato ou ligadas a ela. Manobras para atrasar os processos, tentativas de desclassificar as acusações (lembram-se do mensalão? “Caixa dois não é crime”) e tentativas de excluir o acusado “que não sabia de nada, nem assinou nada”.

Em boa hora, em momento crucial, Joaquim Barbosa trouxe a teoria do domínio do fato. Aplica-se aqui de novo: Lula podia não usar o celular, mas sabia quem usava e para quê.

 

 

Editorial do Estadão: As certezas absolutas sobre Lula

Publicado no Estadão

A tigrada petista deflagrou há alguns dias uma campanha para defender seu timoneiro, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre quem pairam suspeitas espantosas para um homem que assegura ser o mais honesto do Brasil. O slogan da campanha é “Lula, eu confio”, com o qual a militância pretende dizer que é capaz até de pôr a mão no fogo pelo ex-presidente. Isso é que é coragem. Afinal, não são poucas nem superficiais as evidências de que Lula anda escondendo detalhes – pois, como se diz, o diabo está nos detalhes – de suas relações com os maiores empreiteiros do Brasil.

Mas a militância pode ser irracional. E, nesse caso, não se pode esperar dela nenhuma consideração pelos fatos, caso estes contrariem suas certezas, nem pelas instituições, se estas insistirem em investigar seus líderes. Que essa turma acredite, portanto, que Lula seja vítima de injustiça, como resultado da mancomunação de “setores” do Judiciário, da Polícia Federal e da imprensa, é perfeitamente compreensível. O que não é compreensível – nem tolerável – é que a presidente da República, Dilma Rousseff, tenha despido a indumentária institucional, que exige respeito aos demais Poderes, e vestido a fantasia da militante, para dizer que Lula é “objeto de grande injustiça”.

Ora, quem Dilma julga ser para antecipar-se às investigações a respeito de Lula – e a um eventual julgamento do ex-presidente pela corte apropriada – e declarar que o líder petista está sendo injustiçado? De que informações Dilma dispõe para sugerir que o trabalho das autoridades judiciárias sobre seu padrinho já produziu “grande injustiça”, nesta etapa em que apenas indícios estão sendo colhidos e nenhuma acusação formal foi feita? Que dirá Dilma, então, se e quando Lula for formalmente acusado? Cometerá a imprudência de declarar que se trata de um processo “político”, tal como os petistas qualificaram o julgamento da quadrilha do mensalão?

Quando se elegeu presidente, Dilma jurou respeitar e fazer respeitar a Constituição, e nela está expressamente escrito que ninguém está acima da lei. Pois os petistas, Dilma à frente, parecem considerar que Lula está tão acima da lei que nem sequer deve ser investigado, seja lá por que motivo for, porque, afinal, conforme as palavras da presidente, “o país, a América Latina e o mundo precisam de uma liderança com as características do presidente Lula”.

Dilma se pronunciou dessa forma, deixando de lado a cautela que seu cargo exige, depois de ter sido cobrada por Lula, que esperava ser defendido pela sua criatura de um modo mais enfático. Ordem dada, ordem cumprida. A presidente poderia ter dito simplesmente que, assim como o resto do país, espera que tudo se esclareça no prazo mais breve possível. Essa teria sido a atitude correta. Mas Dilma preferiu o caminho da ilação irresponsável para defender seu guia.

Provavelmente por determinação de Dilma, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, foi na mesma linha inconsequente. “Como pessoa que conhece o presidente Lula há muito tempo, eu sempre o tive como um grande líder, eu sempre o tive como uma pessoa que se comporta com absoluta lisura”, disse Cardozo, ao comentar as investigações. Assim, para o ministro sob cuja pasta atua a Polícia Federal, a “absoluta lisura” de Lula deveria descartar liminarmente qualquer suspeita a respeito do líder petista.

O barulho em torno do caso, sugeriu Cardozo, se deve apenas ao fato de que “muitos setores da oposição” estão interessados em “criar situações que atinjam a imagem de uma pessoa que foi um presidente indiscutivelmente aplaudido durante todo o período de sua gestão pelas substantivas melhoras e mudanças que empreendeu no país”. Para o ministro, portanto, Lula é na verdade vítima de forças perversas, que não se conformam com sua popularidade.

Que os militantes petistas queimem a mão por colocá-la no fogo por Lula é problema apenas deles; que Dilma e seus ministros se chamusquem para defender o ex-presidente, ignorando seu papel como funcionários a serviço do Estado, é problema de todo o país.

 

 

Banalidade do mal, por Francisco Daudt (FOLHA)

Verão de 1918, meu pai tinha 13 anos e a gripe espanhola assolava o mundo. Pense no Holocausto, multiplique por oito, adicione dois milhões e terá o número de mortos causados por ela: 50 milhões no planeta.

Ele via carroças da prefeitura transportando os cadáveres empilhados e ouvia histórias de famílias que imploravam para levarem seus mortos, já há cinco dias na sala, fedendo de podres. Os carroceiros negavam, estavam lotados. As famílias então suplicavam por uma troca: um defunto recente pelo que tinham em casa. Assim, o corpo de um completo desconhecido era instalado no meio da sala para que o corpo apodrecido do parente pudesse ser levado pela carroça.

Meu pai contava que as iniciais PDF (Prefeitura do Distrito Federal) das carroças eram, por isso, interpretadas como de "Prefeitura do Defunto Fresco".

Era a banalidade do mal. Eles estavam acostumados.

Quando a microcefalia provavelmente causada pelo vírus da zika começou a se alastrar no Brasil, dei-me conta de como estamos acostumados com o mal, de como os horrores não nos afetam mais. Centenas de filhos incapacitados pelo resto da vida, e incapacitando seus familiares que teriam que mantê-los vivos, como vegetais demandantes, vidas sem nenhum propósito aprisionando adultos a elas, numa servidão sem sentido... O horror! O horror!

Pensar que, para alguns, o horror do aborto pode ser maior que o horror de criar um feto microcéfalo e condenar centenas (esperemos que não sejam milhares ou milhões) de mulheres e homens a servir de sustento a vegetais humanos dá a dimensão do que os dirigentes têm como prioridade: a hipocrisia acima do bem do povo.

A reação do governo foi fraca, para dizer o mínimo, sobretudo em comparação com a OMS: lá, decretaram emergência MUNDIAL. O primeiro caso de microcefalia nos EUA produziu um pronunciamento do presidente Obama que dava dimensão à gravidade de como eles percebiam a coisa.

Isso me mostrou que o que causa reação é o contraste: se você vive na lama, o que é mais uma ferida para um pobre leproso? Ele nem nota.

Um amigo me diz que cirurgia plástica é pior que lepra, pois a lepra deforma aos poucos, e a plástica deforma no dia seguinte.

Esta é a base da teoria da tolerância zero: nela, qualquer transgressão provocará contraste, será notada imediatamente, caso contrário, você se acostuma.

Nós vivemos dentro de uma enxurrada de denúncias, dentro de uma avalanche de lama. Tendemos à insensibilidade ao horror. Ainda que a Lava Jato seja nosso melhor reality show, podemos ficar insensíveis às monstruosidades que ela traz à tona. Podemos ficar acostumados, diferentemente dos americanos.

Por isso: não aceite uma janela quebrada, pois senão você terá dúzias delas. Não aceite uma pichação, pois amanhã a cidade estará imunda. Não aceite de seu filho uma única transgressão sem puni-lo, pois senão amanhã ele se tornará um mimadinho sem volta.

Claro, escrevi isso pensando em Hannah Arendt e sua observação dos males do nazismo: Eichmann não era bem um monstro, ele só era um idiota acostumado com o mal. Assim como nós podemos nos tornar.
As manifestações de rua estão menores por causa disso: estamos nos acostumando com o mal.

www.franciscodaudt.com.br 

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Fonte: Blog Augusto Nunes, de veja.com

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