Lula está perfeito no papel de farsante de si mesmo no vídeo feito para o PT, por REINALDO AZEVEDO
Chefão petista ataca os conservadores. É uma pena que o ator exemplar, dizendo, nessa hora, o texto de um bufão, não explique quem são os conservadores. Certamente ele não se refere aos empreiteiros com os quais se aliou na espoliação do dinheiro público e da cidadania. Certamente ele não se refere aos banqueiros, que seu modelo remunerou e remunera com tanta generosidade, o que lhe garantiu a gratidão eterna do setor. Certamente ele não se refere a alguns potentados do dito “capital nacional”, que se embriagaram com juros subsidiados do BNDES.
Ah, não! Não venham me dizer que Lula não é, quando menos, um grande ator. É, sim! Talvez o melhor que já tenha pisado estas terras. Para entrar um pouco na teoria do teatro, ele não representa um papel como queria o comunista Bertolt Brecht, segundo o qual aquele que fala um texto tem sempre de manter certo distanciamento crítico, para que o espectador entenda que ali, afinal, se representa a realidade — não é a realidade ela mesma, sempre mais complexa. O dramaturgo alemão achava ser esse o caminho que conduz à consciência crítica.
Lula é da escola do russo Stanislavski: ele realmente entra na personagem; ele assume a máscara de forma convincente. Ele fala, e a gente acredita que ele é, de fato, quem ele diz ser. Seu rosto, seu olhar, seus esgares, sua coreografia… Tudo, enfim, coincide com aquele que ele finge ser. Lula é a farsa de Lula.
Foi nisso que pensei ao ver o filmete de pouco mais de três minutos em que o Poderoso Chefão do PT fala sobre os 36 anos do partido. Sim, um período muito bem-sucedido para a legenda: desse total, já são 14 (neste 2016) no poder. Não é pouco, não, gente! Trinta e oito por cento. Vocês já se deram conta? Desde a volta das eleições diretas para presidente, outros partidos venceram três eleições — o PRN, 1, e o PSDB, 2 —, e o PT venceu quatro.
Isso significa que essa legenda reuniu todas as condições — e elas nunca foram tão favoráveis — para construir uma nova moralidade no país. Ou, ao menos, para elevar o padrão ético da vida pública brasileira. E, no entanto, no 14º ano do poder petista, o Brasil vive uma crise econômica inédita, uma crise moral sem precedentes, uma crise ética assombrosa.
E nisso não vai o juízo de quem, como eu, não compartilha dos valores petistas. Notem: eu seria crítico das escolhas da legenda, como fui no passado, ainda que o país estivesse crescendo 4%, e a esmagadora maioria apoiasse o governo de turno. A visão de mundo do PT não é a minha.
Mas quê… A realidade que está aí grita as suas indecências, mas o nosso ator, no vídeo, volta à sua ladainha de sempre. O seu PT, ele diz, é o “partido mais importante do Brasil”, “o que mais inovou”, “o que deu voz e vez aos trabalhadores”, o que criou o “orçamento participativo” (como se essa falácia estivesse em vigor em algum lugar), “o que mais fez política social”. Antes, diz Lula, “trabalhador só aplaudia, nunca era aplaudido…” Agora sim!
Para certamente não parecer arrogante, ele até admite que o PT, grande como é, pode ter cometido erros e pecados, mas, ele assegura, são as virtudes da legenda que o fazem enfrentar o que ele chama de “conservadores”.
É uma pena que o ator exemplar, dizendo, nessa hora, o texto de um bufão, não explique quem são os conservadores.
Certamente ele não se refere aos empreiteiros com os quais se aliou na espoliação do dinheiro público e da cidadania. Certamente ele não se refere aos banqueiros, que seu modelo remunerou e remunera com tanta generosidade, o que lhe garantiu a gratidão eterna do setor. Certamente ele não se refere a alguns potentados do dito “capital nacional”, que se embriagaram com juros subsidiados do BNDES, enquanto o Tesouro capitalizava o banco público com dinheiro captado pela Selic — com a diferença sendo paga pelos “trabalhadores”, aqueles que, segundo Lula, têm, desta feita, voz e vez.
Eu realmente acho uma pena que este senhor esteja quebrando a cara por causa de um apartamento e de um sítio meio mixurucas — ao menos para os seus padrões, de milionário que faturou R$ 27 milhões só com palestras.
O sistema que o petismo erigiu é muito nefasto do que esses pecados. É, do ponto de vista penal, criminoso porque uma máfia se organizou para assaltar o estado. Mas também é moralmente asqueroso porque usou alguns caraminguás para distribuir à pobrada, fazendo-a sentir-se protagonista de um enredo que nunca existiu.
No vídeo, Lula não diz que é ele, hoje, o elo mais fraco do PT. Infelizmente, o que mais causa repulsa às pessoas é esse partido incapaz de ser transparente até com o dinheiro da pinga.
Ainda vai demorar um pouco para que o conjunto dos brasileiros entenda o tamanho da farsa.
A boa notícia é que ela começou a ser desmontada.
José Nêumanne: O recruta Lula contra todo o resto do pelotão
Publicado no Estadão
A família Silva, antes de o apelido do chefe, Lula, ter sido adicionado à própria denominação, morou numa modesta casa de vila operária no Jardim Assunção, em São Bernardo do Campo, há 40 anos. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, hoje intitulado do ABC, não tinha mais de dar expediente no torno mecânico, para o qual fora habilitado pelo Serviço Nacional da Indústria (Senai), e liderava greves operárias que desafiaram a legislação trabalhista da ditadura, abalando com isso as estruturas do regime tecnocrático-militar de exceção. Ele simbolizava então a nova classe operária brasileira e, assim, deu-se ao luxo de adquirir um sítio, que denominou Los Fubangos, às margens da Represa Billings, perto de casa, e atualmente está abandonado.» Clique para continuar lendo
Tags: Atibaia, Bancoop, José Nêumanne, Lula, Marisa Letícia, OAS, Solaris
Lula está no mato de Atibaia sem cachorro
Agora, o tal sítio está sob investigação num inquérito específico, mas noto que ainda se evita falar que Lula é um investigado. E é o caso de se perguntar por que tanto cuidado. Que eu saiba, ele não ganhou a inimputabilidade de presente do Espírito Santo
Vamos lá… Voltando do Carnaval, do balacobaco, do ziriguidum, do telecoleto… dos outros! Uau! Consegui passar quatro dias sem ouvir um único samba-enredo, nem um miserável “Olha aí, minha gente, alô Comunidade de Não-Sei-Onde”, acompanhado daquele inevitável desfile de folclorização da pobreza pra deslumbrar intelectual do miolo mole e estrangeiros interessados no nosso remelexo… Também não vi os bloquinhos de São Paulo emporcalhando a cidade, inundando-a de lixo e xixi. “Ah, que coisa mais enfezada…” Eu não!
Quem me conhece sabe que sou irresistivelmente atraído pela felicidade. Só não suporto sujeira, fedor de mijo, música ruim e bêbado chato falando chatices… Não é um pecado, certo? Vamos adiante. Quem não relaxou no Carnaval foi Lula. Não, caros! Tecnicamente, ele ainda não é um investigado. Mas a sua reputação está pior do que a Rua da Consolação depois da passagem do bloco dos sujinhos.
Vamos pôr os pingos nos is. O juiz Sergio Moro nem autorizou nem desautorizou a Polícia Federal a abrir inquérito novo sobre o sítio de Atibaia. E a razão é simples. Não é ele quem faz isso. Como deixou claro no despacho em que tratou do assunto, isso é matéria afeita à Polícia Federal, que tem autonomia para abrir um novo inquérito desde que o Ministério Público Federal concorde.
Então vamos ver. Agora, o tal sítio está sob investigação num inquérito específico, mas noto que ainda se evita falar que Lula é um investigado. E é o caso de perguntar por que tanto cuidado. Que eu saiba, ele não ganhou a inimputabilidade de presente do Espírito Santo.
E quando é que se decide abrir um novo inquérito? Ora, quando há objeto e suspeito próprios, isto é, quando estes não estão devidamente contemplados em inquéritos já existentes. Assim, parece evidente que a Polícia Federal esbarrou em alguma coisa que não tem como ser apurada nas outras frentes de investigação. E elas estão relacionadas àquela propriedade vistosa que Nilo Batista, advogado de Lula, chama um “puxadinho”, deixando evidente que os petistas, definitivamente, perderam qualquer senso de modéstia.
Que Lula não tem como se explicar, isso já parece evidente. Ou já teria se explicado. Quando seus amigos tentaram, o resultado foi desastroso. Vejam o caso de Gilberto Carvalho, o segundo homem mais poderoso do PT e faz-tudo do lulismo. Em entrevista à Folha, este gênio da raça tentou demonstrar que a reforma do sítio pode, sim, ter sido um presente de empreiteiras para Lula, mas que não haveria nada de mau nisso.
Carvalho só não explica por que, para presentear o chefão petista, as empresas fariam benfeitorias na suposta propriedade de sócios do filho do hoje ex-presidente — mas ainda presidente quando se operou parte da reforma.
Lula sabe que está no mato de Atibaia sem cachorro. Explicações, quando chegam tarde demais, já não fazem efeito. Se a lei vai ou não puni-lo, isso é o que vamos ver. A população já deu seu veredicto. E, para formar seu juízo, usou o absurdo silêncio de Lula.
Texto publicado originalmente às 4h39.
Fernando Bittar, sócio do sítio de Lula, contrata advogado de empreiteiro
O advogado Alberto Zacharias Toron, que na Operação Lava Jato já defendeu o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, assumiu a defesa do empresário Fernando Bittar, em cujo nome está a escritura do sítio em Atibaia (SP) usado pelo ex-presidente Lula e seus familiares. Bittar assina a escritura ao lado de Jonas Suassuna: ambos são sócios de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente. O sítio Santa Bárbara, de 173.000 metros quadrados, é alvo de investigação da Lava Jato. A suspeita é que o imóvel tenha sido reformado e mobiliado pelas empreiteiras OAS e Odebrecht como compensação por contratos com o governo.
Fernando Bittar é filho de Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas e amigo pessoal de Lula.
LEIA MAIS:
Silvinho Pereira se diz 'à disposição' da Lava Jato e preocupa o PT
Mulher de Lula comprou barco e pediu entrega em sítio de Atibaia, diz jornal
Em discussões internas, o nome de Toron chegou a ser sugerido por dirigentes do PT para a defesa do próprio Lula. Parte da cúpula do partido avalia que a defesa do ex-presidente ainda carece de um "nome de peso" no meio jurídico. "Estou trabalhando na defesa do Fernando Bittar. Acho que isso não tem maior significado no ponto de vista do ex-presidente Lula", disse Toron. "Não me inteirei do caso ainda. Segunda-feira vou para Curitiba examinar os autos."
O criminalista foi o autor do habeas corpus que tirou da cadeia e levou para prisão domiciliar empreiteiros e executivos de empresas - entre eles Pessoa e José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, da OAS - acolhido em abril do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal. Essa foi considerada a primeira grande vitória das defesas sobre as decisões do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância.
Na segunda-feira, Lula esteve na Baixada Santista, litoral paulista, para uma visita a Jacó Bittar. Conforme vizinhos, o ex-presidente chegou ao edifício, localizado no bairro Ilha Porchat, por volta de 13 horas. A informação é que ele teria seguido para o sétimo andar e passado o dia no local, deixando São Vicente no final da noite. Durante a visita, um carro com seguranças permaneceu fazendo a escolta do petista no estacionamento.
Aos serem questionados, os porteiros dos edifícios Sanvi Porchat e Guarú Porchat informaram que desconheciam a visita de Lula e também não sabiam dizer se Jacó Bittar residia conjunto. Uma moradora, no entanto, confirmou que o ex-prefeito de Campinas reside no prédio. Segundo ela, Jacó sofre do Mal de Parkinson.
Procurado nesta quarta-feira, o Instituto Lula, presidido por Paulo Okamotto, não foi encontrado.
A ex-primeira-dama que emudece com estranhos por perto terá de soltar a voz no
depoimento sobre o triplex do Guarujá
Somados, não devem passar de 2 minutos os vídeos que mostram Marisa Letícia Lula da Silva falando alguma coisa. Certamente por falta do que dizer, sugerem os três momentos reunidos no vídeo abaixo. Todos foram gravados em 2010, quando um surpreendente surto de loquacidade animou-a a interromper a mudez em Jerusalém, em Brasília e em São Paulo.
O Discurso no Muro das Lamentações, pronunciado em 19 de março, foi o mais extenso. “É segredo”, responde Marisa Letícia ao repórter interessado em saber o que havia escrito no pedaço de papel endereçado à Divina Providência. “Só Jesus vai vê meu bilhete”. ODiscurso na Despedida da Seleção Brasileira, pronunciado no Palácio do Planalto, foi ainda mais conciso: “Boa sorte, Robinho”, diz ao jogador de partida para o fiasco na África do Sul.
A série encerrou-se em outubro, com o Discurso sobre Doações Eleitorais. Escoltada por Eduardo Suplicy e Aloizio Mercadante, a mulher de Lula destaca uma das facilidades oferecidas a quem quisesse dar dinheiro para o PT: “Não precisa nem saí de casa. Pode fazê em casa, isso”. Haja laconismo. Em conversas sem testemunhas perigosas nas cercanias, ela gasta a voz que economiza quando há jornalistas por perto.
A dona de casa Marisa Letícia faz questão de deixar claro que é a dona da casa. No Palácio da Alvorada ou no apartamento em São Bernardo, no triplex do Guarujá ou no sítio em Atibaia, foi sempre dela a última palavra em questões domésticas ─ das arrobas que os filhos obesos precisam perder aos luxos e benfeitorias que os imóveis do clã merecem ganhar. Um elevador privativo, por exemplo.
E tudo de graça, porque a ex-primeira-dama desconhece a existência de fronteiras entre o público e o privado, e faz de conta que ignora a diferença entre a demonstração de amizade e a sem-vergonhice interesseira. Meses depois de instalar-se no Alvorada, por exemplo, resolveu enfeitar o jardim com uma estrela vermelha do PT feita de sálvias. Diante das reações negativas, transferiu o monumento à jequice explícita para a Granja do Torto, outra propriedade da União.
A história da estrela de jardim tornou-se um quase nada depois das revelações sobre o sítio e o triplex remodelados pela OAS, pela Odebrecht e pelo amigão José Carlos Bumlai. Os dois casos de polícia decerto monopolizaram as conversas da Famiglia Lula durante o Carnaval. A montagem dos álibis que ainda não há anda exigindo mais imaginação do que a esbanjada pelos carnavalescos da Sapucaí.
Marisa Letícia também deve ter consumido algumas horas ensaiando o que dirá ao promotor Cássio Conserino, do Ministério Público paulista, no depoimento marcado para a próxima quarta-feira, 17 de fevereiro. Pela primeira vez, ela ouvirá perguntas constrangedoras formuladas por uma autoridade decidida a apurar o que houve no prédio do Guarujá.
Como as respostas não cabem em meia dúzia de palavras, Marisa Letícia terá de falar muito. O maridão que se cuide.
Tags: discurso, Lula, Marisa Letícia Lula da Silva, OAS, triplex
Lula cria epitáfio de uma era: ‘Cometemos erros’, por Josias de Souza (do UOL)
Em vídeo divulgado nas redes sociais, Lula celebrou o aniversário de 36 anos do PT. Declarou a certa altura: “É certo que cometemos erros, e quem comete erro tem que pagar.” A frase tem dupla serventia. Demonstra, uma vez mais, que os petistas não enxergam no espelho desbravadores do Código Penal. De resto, ao usar o vocábulo “erro” como eufemismo para crime, Lula, hoje um personagem multi-investigado, criou sem querer o epitáfio de uma era: “Cometemos erros.”
Afora a frase digna de lápide, todo o restante do vídeo tem um conteúdo auto-congratulatório. Para Lula, o PT é o partido mais importante da política brasileira. A legenda deu “vez e voz ao trabalhador” e implementou políticas sociais como nunca antes. Por essa razão, “é o partido que vive sempre enfrentando os adversários conservadores, que não aceitam o jeito petista de governar.” Hummm!
O trágico, o essencial mesmo na lição do drama petista é essa ideia de que tudo foi feito com a melhor das intenções. É como se Lula se absolvesse do seu passado recente, idealizando-o. Avalia que governou com a virtude no coldre, distribuindo rajadas de perversão, pelo bem do Brasil.
Converteu o PT em máquina coletora de fundos, levou a Petrobras ao balcão, avalizou as nomeações dos petrogatunos, aliou-se a sarneys, renans, collors e malufs, achegou-se aos empreiteiros… Não protelou seus crimes, protelou apenas a culpa. Cozinheiro de omeletes, Lula não concede a si mesmo a brecha de uma dúvida ético-existencial sobre o seu direito de quebrar os ovos.
O mito petista, já um tanto gasto, tenta conservar seu fascínio enquanto a Polícia Federal, a Procuradoria e o juiz Sérgio Moro se esforçam para demonstrar que, no poder, Lula e o PT cruzaram com seus limites, romperam com esses limites e foram perdendo pelo caminho algo vital na esfera pública: o recato.
Lula estava muito preocupado fazendo a história para compreendê-la. Hoje, com a aparência cansada, virou uma paródia grotesca do heroi idílico do PT. Vendeu os ideais para financiar sua aventura. Em vez de ascetismo, a propina. Daquele sonho de 36 anos atrás só restam o espólio da conquista e o epitáfio: “Cometemos erros.”
O que dirá Lula a Moro quando for interrogado?
De mansinho, como quem não quer nada, Sérgio Moro vai encostando a Lava Jato na jugular de Lula. Primeiro, o juiz avalizou a inclusão do triplex 164-A, que a OAS reservara para a família Silva no célebre prédio do Guarujá, no rol de imóveis investigados na Operação Triplo X. Na sequência, Moro liberou a Polícia Federal para abrir, na mega-investigação do assalto à Petrobras, um inquérito específico sobre o sítio de Atibaia, cuja utilização foi terceirizada a Lula —livre de ônus e sem prazo— por dois sócios do primogênito Fábio Luiz da Silva, o Lulinha.
O que parecia impensável vai ganhando contornos de inevitável. Se 10% dos indícios colecionados pela PF se confirmarem, Lula será intimado a prestar esclarecimentos. Primeiro à força-tarefa da Lava Jato. Depois, ao próprio Sérgio Moro. Nessa hora, a conversa fiada do complô de direita e o lero-lero da perseguição política terão pouca serventia. O depoente terá de pular o cercadinho das notas oficiais do Instituto Lula, que tratam qualquer investigação como coisa de estraga-festas infiltrados no aparato estatal e hereges a serviço da mídia golpista.
Cercados pelos fatos, Lula e o petismo vivem uma realidade nova. Partidos costumam proteger seus investigados. No caso do PT, mesmo os mais evidentemente culpados, como os mensaleiros, que arrastam as correntes de condenações irreversíveis, são homenageados como “guerreiros do povo brasileiro.” Para Lula, o PT concede um deixa-pra-lá preventivo. Quando o escândalo é tão escancarado que fica impossível não reagir, o partido oferece toda sua conivência e cumplicidade. O juiz Moro tem se revelado bem menos compreensivo.
Em último caso, faltando-lhe melhor explicação, Lula poderá alegar que cometeu o crime da desatenção. Já admitiu ter visitado o triplex do Guarujá na companhia do amigo Léo Pinheiro, dono da OAS. Reconheceu também que Marisa e Lulinha estiveram no imóvel sob reformas. Mas a falta de atenção impediu Lula de reparar que pisava, junto com seus familiares, a hipotética cena de crimes mais graves do que o descuido. Quando a ficha lhe caiu, o triplex já estava nas manchetes.
No sítio de Atibaia, Lula tornou-se um reincidente. Visitou tantas vezes a propriedade que não reparou nas melhorias providenciadas pela Odebrecht e pelo amigo José Carlos Bumlai. Tampouco se deu conta de que a OAS mandara instalar uma cozinha nova e requintada. Que diabos, ninguém cobrou nada! Como diz o amigo Gilberto Carvalho, presente de empreiteiros para um ex-presidente da República “é a coisa mais normal do mundo”.
Uma das vítimas dos novos tempos vividos por Lula e o PT é a semântica. Quando chamam de normal as relações de um ex-presidente da República com salteadores do Estado você sabe que está no meio de uma crise de significado ou numa roda de cínicos. A alternativa ao cinismo seria uma confissão à moda de José Dirceu. Espremido por Moro, Dirceu admitiu que cruzou o país no jatinho de um lobista encrencado na Lava Jato. Também confessou que um outro lobista pagou a reforma de uma de suas casas, em Vinhedo. Lula talvez se sinta mais confortável confessando a Sérgio Moro sua condição de cínico descuidado.