Lula na mira... o fantasma de Celso Daniel... Somos 160 milhões de vítimas
Lula na mira
Por BERNARDO MELLO FRANCO, da FOLHA DE S. PAULO
A 22ª fase da Lava Jato teve um alvo claro, embora não declarado. Os investigadores deram mais um passo na direção do ex-presidente Lula, que se descreveu na semana passada como a "viva alma mais honesta" do país.
A nova operação foi batizada de Triplo X, em referência explícita ao tríplex visitado pela família do petista em um edifício no Guarujá. O empreendimento pertence à construtora OAS, enrolada no petrolão.
Em relatório, a Polícia Federal apontou "alto grau de suspeita" sobre a titularidade de imóveis no prédio. "Há indicativos que um tríplex pertence a ele [Lula], mas temos de avançar na investigação", disse o delegado Igor Romário de Paula.
"Se houver um apartamento lá que esteja em seu nome [de Lula] ou que ele tenha negociado, vai ser investigado como todos os outros", emendou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.
A posse do tríplex já era investigada pelo Ministério Público de São Paulo, que parece apostar corrida com a força-tarefa de Curitiba. Na semana passada, o promotor paulista Cássio Conserino anunciou que denunciará Lula por ocultação de patrimônio, embora ele ainda não tenha sido ouvido sobre o caso.
A defesa do ex-presidente diz que ele não é dono do tríplex. Afirma que sua mulher comprou uma cota do edifício, declarada à Receita, mas desistiu do negócio.
Aliados alegam que Lula é vítima de perseguição, em complô para afastá-lo da sucessão de 2018. A oposição sonha em vê-lo com roupa de presidiário, como o boneco inflável das manifestações contra o PT.
A ofensiva jurídica fez o ex-presidente perder a imagem de intocável. Nos últimos meses, ele suspendeu as palestras e teve que prestar depoimentos sobre três escândalos diferentes: o petrolão, a suposta compra de medidas provisórias e a teia política da Odebrecht. Pode ser que nenhuma acusação seja provada, mas o estrago político já está feito.
O fantasma Celso Daniel, por ROGÉRIO GENTILE
Celso Daniel foi sequestrado no dia 18 de janeiro de 2002 quando voltava de um restaurante em carro blindado. O corpo do prefeito de Santo André foi achado cerca de 32 horas depois.
À época, Lula disse que o assassino queria "amedrontar" o PT. "Você [Daniel] não foi vítima do acaso. Possivelmente tem gente grossa por detrás disso", afirmou. Três anos depois, na Presidência, citando investigações policiais, Lula afirmou que o crime foi comum. "Não acredito em crime político em hipótese alguma."
O caso voltou a ser notícia com Marcos Valério, que, tentando reduzir as penas do mensalão, disse que o PT pediu em 2004 sua intermediação em um empréstimo. O dinheiro seria repassado ao empresário Ronan Maria Pinto, que estaria chantageando Lula e Gilberto Carvalho com dados que ligariam o PT à morte do prefeito, o que Ronan nega. Valério disse ter recusado o pedido, mas que o pecuarista José Carlos Bumlai topou.
Preso pela Lava Jato, Bumlai confirmou que conseguiu um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin em 2004 e que o valor foi destinado ao caixa dois do PT. Posteriormente, disse ter sabido que R$ 6 milhões seriam usados para calar um suposto chantagista.
Salim Schahin, um dos acionistas do banco, por sua vez, afirmou aos investigadores que perdoou a dívida em troca de um contrato bilionário com a Petrobras. Contrato que, disse, foi obtido com aval de Lula.
Já o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, disse que Lula deu-lhe um novo cargo, em 2008, na diretoria financeira da BR Distribuidora em reconhecimento pela ajuda que prestou ao contratar o Banco Schahin, quitando o empréstimo para o PT.
Lula tem razão ao reclamar das delações. Se é verdade o que ele diz, é vítima de um complô incrível, tantos são os testemunhos e os detalhes que se complementam. Se é verdade o que eles dizem, está numa enrascada. Nas duas situações, Lula não pode mesmo gostar da Lava Jato.
José Nêumanne: Somos mais de 160 milhões de vítimas
Publicado no Estadão
Há nove anos chegam a meu computador denúncias de um golpe típico de vigarista: quase 3 mil famílias de associados entraram na Justiça contra a administração da Cooperativa dos Bancários (Bancoop), fundada por Ricardo Berzoini, secretário da presidente Dilma Rousseff. Eles se queixam de ter pago prestações de apartamentos em que não puderam morar. O acusado é o ex-presidente da instituição João Vaccari Neto, suspeito de haver desviado o dinheiro dos cooperados para beneficiar o Partido dos Trabalhadores (PT), de que foi tesoureiro.
Do grupo que mandou no Sindicato dos Bancários de São Paulo sob a égide de Luiz Gushiken, absolvido no mensalão pelo Supremo Tribunal Federal e saudado como herói, quase santo, pelo revisor do processo, Ricardo Lewandowski, Vaccari ficou livre, leve e solto até cair na rede da Operação Lava Jato. E, aí, ser recolhido à prisão em Curitiba, onde cumpre penas. Aplaudido de pé em reuniões do partido, tratado pelo presidente nacional petista, Rui Falcão, e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como companheiro prestimoso, Vaccari vê agora ressuscitarem nas mãos do promotor José Carlos Blat as queixas das vítimas da Bancoop, que têm complicado sua situação.
Nos processos há evidências que desfazem a aura de santidade que Lula se outorgou ao falar a blogueiros fiéis: sem ter dado um dia de expediente em agência bancária na vida, o ex-presidente é acusado de ter adquirido a preço de banana um triplex de 294 metros quadrados com elevador privativo na praia do Guarujá. A revista VEJA circula com reportagem de capa que reproduz trechos de depoimentos ao Ministério Público de São Paulo com testemunhos de que o imóvel, cuja propriedade o ex nega, não pertence à empreiteira OAS, acusada de participar do propinoduto da Petrobras, mas à família Lula da Silva. Outro promotor, Cássio Conserino, informou que “Lula e Marisa serão denunciados” pelo crime de ocultação de patrimônio, que caracteriza lavagem de dinheiro.
A bomba revelada pelo semanário causou controvérsias. O promotor não podia ter dado a entrevista e a revista não devia ter noticiado a perspectiva de denúncia não concretizada? Desde que Guttenberg decidiu imprimir sua Bíblia até nossos dias de internet, o debate sobre o direito à privacidade de homens públicos e o dever dos meios de comunicação de noticiar o que lhes cai nas mãos foi aberto, repetido e dificilmente um dia se resolverá.
Mas há algo mais grave omitido na polêmica: os quase 3 mil chefes de família cuja poupança virou pó de calcário não têm direito a ver punidos o mau gestor que levou a cooperativa à falência e os que o protegeram tanto nela quanto no partido que dela tirou proveito?
Esse episódio pungente e revoltante retrata apenas um tijolo do muro das lamentações a cujas proximidades as vítimas da desumana rapacidade das castas dirigentes sindical, política e burocrática nacionais nunca tiveram sequer acesso. É o caso do camponês diante da lei na fábula de Kafka que Orson Welles usou como prólogo do filme O Processo, lançado em DVD pela Versátil.
Outra evidência de que as vítimas de ignomínias similares são tratadas no Brasil como párias destinadas à danação é a chicana mal disfarçada no desabafo de famosos causídicos na tentativa esdrúxula de configurar a ação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz federal do Paraná Sergio Moro, que devassam as petrorroubalheiras, como caudatária de métodos neoinquisitoriais da ditadura militar. Em defesa de seus polpudos proventos, os “profissionais da lei” não invocaram um único fato para execrar o trabalho honesto e competente dos agentes do Estado, que cometem o pecado de introduzir na história penal do país condenações de milionários e meliantes de colarinho branco flagrados em delito. A mistura cavilosa de alhos com bugalhos chega a ser um escárnio, de tão cínica.
Ao tratar acusados de rapina do patrimônio público como se fossem vítimas desse saque, os signatários escarram nos rostos honrados dos mais de 160 milhões de brasileiros que sabem que são espoliados sem dó por um desgoverno de desmandos, um Congresso com muitos representantes venais deles próprios e um Judiciário cuja lerdeza é uma forma de opressão. O número citado não é aleatório, consta do furo de José Roberto de Toledo publicado neste jornal: segundo o Ibope, 82% dos entrevistados sabem que nunca podem contar com a gestão federal do PT, PMDB e aliados para nada.
Difícil é encontrar alguma razão para 14% ainda alimentarem a vã ilusão de que Dilma Rousseff e seus asseclas estejam levando o Brasil para um rumo qualquer. Na semana passada, Tania Monteiro, da sucursal do Estadão em Brasília, informou que a presidente ainda não demitiu o ministro da Saúde, Marcelo de Castro, por não querer desagradar a seu candidato a líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, e assim evitar transtornos à condução de seu único projeto de governo: evitar o próprio impeachment.
Cem anos após Oswaldo Cruz ter combatido a febre amarela expulsando o mosquito Aedes aegypti do Brasil, esse senhor cometeu a insânia de dizer, entre risos de mofa, em entrevista, que torce para as mulheres contraírem o vírus da zika antes da fertilidade, ficarem imunes e assim seu desgoverno sem caixa não ter de comprar vacinas caras. Dois séculos depois de José Bonifácio de Andrada e Silva ter articulado a nossa independência, contamos com um líder do pré-sal do baixíssimo clero da Câmara para garantir no posto um ministro que atua como se sua missão fosse disseminar a doença, e não proteger a saúde das vítimas de sua incúria.
O pior é que combate essa súcia uma oposição que, limitada a atuar para pôr fim a um desgoverno desastrado, em vez de apresentar alternativa decente de poder, só propõe patacoadas como a extinção do partido adversário. Pobres de nós, vítimas dessa vil politicagem!
Muda do gelo para a água
Por VINICIUS TORRES FREIRE
O governo deve "liberar" R$ 50 bilhões em empréstimos, dizem as notícias. Quer dizer, quer fazer com que os bancos públicos emprestem R$ 50 bilhões.
O que significa isso? Não dá para saber. São R$ 50 bilhões de aumento do total de crédito? São R$ 50 bilhões em um ano?
O governo começaria a dar safanões na banca estatal a partir de hoje, quando reúne as cortes, digamos assim, seus consultores do Conselhão. Trata-se do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, empresários, banqueiros, sindicalistas e outros representantes da sociedade convidados a dar sugestões que raramente dão em algo mais do que nada.
Suspenda-se, por um instante, a descrença em um pacote de crédito. Deixe-se de pensar por um momento no fato de não haver política econômica, no sentido maior da coisa.
O que são R$ 50 bilhões? Equivalem, por exemplo, a uns 30% do rendimento mensal das pessoas empregadas no Brasil (segundo a pesquisa do IBGE em 3.500 municípios do país). Talvez seja o equivalente à queda real da massa nacional de rendimentos em 2016.
Numa comparação menos exótica: em 2015, o total de dinheiro emprestado no país (estoque de crédito) caiu quase R$ 123 bilhões, por exemplo. O total de crédito baixou 3,7% em 2015, em termos reais. Não se tinha notícia de tombo desse tamanho desde as crises de 1998 a 2003. Na pequena recessão de 2009, o estoque de crédito ainda crescia a 10% anuais, no seu ritmo mais vagaroso.
É fácil perceber a quão baixo descemos, até porque as leis e o sistema de crédito melhoraram bastante neste século, dadas as reformas de meados dos anos 2000.
Na crise de 2009, o aumento do crédito compensou a queda dos rendimentos do trabalho. Os bancos ainda se dispunham a emprestar (embora o grosso dos empréstimos adicionais viessem dos bancos estatais). Consumidores e empresas se dispunham a tomar empréstimos. O país se recuperou rapidamente de um colapso da confiança econômica.
Agora, há depressão. O total dos empréstimos dos bancos privados encolhe ainda mais rápido do que a média. A procura de financiamentos novos caiu, pois a confiança de empresários e consumidores faz tempo está em colapso; a banca joga na retranca, por temer calotes.
Os bancos públicos vão, pois, emprestar para clientes rejeitados pela banca privada, assumindo risco maior de calote? Pode ser que esses bancos privados estejam receosos demais. Pode ser que haja nichos em que o crédito não funcione bem. O governo entraria para resolver esse excesso de medo e defeitos do mercado (como no financiamento do capital de giro de pequenas e médias empresas). O governo vai demonstrar que é esse o problema?
Pode ser que o dinheiro remende a ruína da construção civil, estimule um tico de exportações, evite a asfixia de empresas menores que nem mais conseguem se manter o dia a dia das operações. O fato de o governo concentrar seus esforços em remendos, sem plano maior algum, vai no, entanto, reforçar os fatores da crise que pretende combater.
O desemprego será maior neste ano, os indicadores macroeconômicos maiores (dívida pública, inflação) estão fora de controle, a confiança e o crédito estão no chão. Se sair do papel, o plano vai enxugar algum gelo.
“O país do futuro que se foi” e outras quatro notas de Carlos Brickmann
Publicado na Coluna de Carlos Brickmann
Um notável escritor, Stefan Zweig, publicou em 1941 o livro “Brasil, País do Futuro”. Zweig, austríaco (seu país tinha sido anexado pela Alemanha nazista) e judeu (que precisou fugir do nazismo), se maravilhou com um país mestiço, pacífico, lindo, cheio de recursos naturais, com Carnaval e um povo feliz a cantar.
A presidente Dilma Rousseff também aposta, a partir de amanhã, num país do futuro. Reúne o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e apresenta as novas diretrizes econômicas de seu governo ─ elaboradas, aliás, por Nelson Barbosa, o ministro que elaborou as velhas diretrizes que não deram certo. É uma reunião chique, com boa parte do PIB nacional, no Palácio do Planalto. E a primeira das quatro que, segundo Dilma, se realizarão neste ano. O Conselho funciona, no caso, como representante de todos os setores econômicos: industriais, banqueiros, sindicalistas, produtores agrícolas, políticos. Nem todos, claro: bom número de políticos e empresários integrantes do Conselhão em seu último encontro, em 2014, está impedido de comparecer, por compromissos inadiáveis em Curitiba ou em casa, com dificuldades para retirar a tornozeleira. Presidentes e executivos de empreiteiras, empresários agrícolas como José Carlos Bumlai e tantos outros ficam privados de dar sua colaboração à presidente.
Enfim, essa história de país do futuro já é passado. Não deu certo nem com o ótimo livro de Stefan Zweig. Em fevereiro de 1942, convencido de que o mundo era como era e o Brasil também era como era, ele se matou ao lado da esposa.
Os donos do Friboi
O Ministério Público Federal de São Paulo acaba de denunciar sócios e executivos do grupo JBS (controlador da Friboi) e do Banco Rural, por crime contra o sistema financeiro. Nove pessoas fazem parte da lista, entre elas Joesley Batista, sócio do JBS, e a banqueira Kátia Rabelo, do grupo Rural (que cumpre pena, condenada no processo do Mensalão). De acordo com a denúncia, houve operações ilegais de empréstimo conhecidas no mercado como “troca de chumbo”, envolvendo R$ 80 milhões.
A denúncia foi aceita pela Justiça Federal
O Brasil de hoje
Crise econômica? Falta de dinheiro para internações nos hospitais públicos? Besteira: o BNDES aprovou verba de R$ 10 milhões, que não precisam ser devolvidos, para criar o Memorial da Anistia Política do Brasil, em Belo Horizonte. O Museu funcionará no antigo prédio do Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
O Brasil de amanhã
Os governadores do Espírito Santo, Paulo Hartung, PMDB, e Minas Gerais, Fernando Pimentel, PT, acertaram com a presidente Dilma a criação do Fundo de Recuperação do Rio Doce, com recursos das multas à Samarco (cuja represa cedeu, destruindo a região) e outras envolvidas nos danos ambientais.
Só há um problema: até hoje, enormes multas são cobradas de empresas que cometem irregularidades, mas pagá-las é outro assunto. Fica para depois, um dia desses.
Quem sabe não sabe
De Fred Monteiro, do “Jornal da Besta Fubana” (https://www.luizberto.com/) a respeito da viva alma mais honrada que já surgiu em toda a história do mundo:
“Não tem santo, nem beato de igreja/ não tem virgem tão pura, nem tão casta; Uma vestal na minha frente é uma nefasta/ Prostituta, fim de rua, que sobeja, a imundícia de quem sua boca beija/ Pois eu sou o homem mais puro que nasceu; neste vasto país sou o apogeu/ da pureza, do bem, da honestidade/ E duvido que em toda a humanidade/ HAJA ALMA MAIS HONESTA DO QUE EU”.
Tags: Carlos Brickmann, Conselhão, Dilma Rousseff, JBS, Mário Covas, Stefan Zweig