2015, o ano em que ampliamos a expressão “fundo do poço”, por LEANDRO NARLOCH

Publicado em 22/12/2015 04:15
Atingimos o pré-sal das notícias ruins. Fecharemos um ano tenebroso com a sensação de que ainda pode piorar (em VEJA.COM).

Houve em 2015 uma ampliação do termo “fundo do poço”. Perfuramos tanto que atingimos uma camada pré-sal; descobrimos uma fonte inesgotável de notícias negras e viscosas na macroeconomia.

Fechamos 2014 sabendo que o ano seguinte seria ruim, mas não tão ruim. Em janeiro, o grosso dos economistas previa uma alta do PIB de 0,4% e inflação de 7% em 2015. Como éramos ingenuamente otimistas há 11 meses!

Muita gente chamou de catastrofistas aqueles que, quando o ano começava, previram o dólar a 4 reais, a perda do grau de investimento, a queda de 3% da economia, a inflação em dois dígitos e a incapacidade do ministro Joaquim Levy de equilibrar a contas do governo.

O pior não é 2015 ter sido mais difícil do que esperávamos, mas fechar o ano com a sensação de que o sofrimento foi em vão. Começamos o ano sabendo que a dificuldade era necessária para arrumar a casa e reconquistar a confiança. Mas depois de um ano tenebroso a casa está mais revirada que antes; há pratos e copos quebrados espalhados pela sala; o governo, de ressaca, mal sabe o que é uma vassoura.

Em setembro, o economista Mansueto Almeida ouviu de investidores: “o Brasil ficou muito barato. Mas pode ficar ainda mais barato. Vou esperar”. A situação piorou um bocado desde então, mas a opinião dos investidores continua a mesma. Mesmo depois das previsões pessimistas terem se confirmado, ainda tem o que piorar.

Tiririca foi o deputado mais votado em 2010 ao dizer que “pior que tá não fica”. Que ingênuo otimismo, Tiririca! Seria melhor termos seguindo o conselho de Bastiat: “nunca desconfie da capacidade do governo de piorar o que já é ruim”.

(por LEANDRO NARLOCH, @lnarloch)

 

“Zero fora, zero” e outras cinco notas de Carlos Brickmann

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

Levy saiu? Para o país, não há diferença: não se discute o saber, mas o efeito da presença do ministro. Levy, Guido Mantega ou Vagner Love, tanto faz (ou não faz): quem aceita ser ministro de Dilma já sabe mesmo que não vai mandar.

E o rebaixamento da nota do Brasil por mais uma agência internacional? Também não fez diferença: os grandes fundos não ficam parados esperando que a agência retire o grau de investimento. Sacam o dinheiro bem antes. E os juros mais altos que o Brasil terá de pagar? Também já tinham subido: na segunda-feira, o Brasil pagava 4,7% acima do rendimento dos títulos americanos; na terça, foi rebaixado e perdeu o grau de investimento; na quarta, pagava os mesmos 4,7% acima dos títulos americanos.

Para o mercado internacional, que observa a situação do ponto de vista da rentabilidade, sem paixões políticas, o que quer que se faça no Brasil é mais do mesmo. As providências defensivas foram tomadas há tempos pelos investidores internacionais. Eles podem não ter coração, mas têm cabeça, e precisam prestar contas a quem lhes entrega dinheiro para investir.

Quer dizer que não adianta mexer, porque ninguém influente vai dar bola para isso? Também não é assim: se Dilma entregar a economia a alguém respeitado, e deixar claro que não vai interferir no trabalho, a situação pode melhorar (não na hora, mas quando o mercado se convencer de que ela desistiu de inventar moda).

E se, conforme se comentou, Dilma colocasse Jaques Wagner na Fazenda, o problema já não seria estar no fundo do poço, mas sim que iriam jogar terra em cima.

A sábia voz

Após o rebaixamento do status brasileiro, após a despedida do ministro Joaquim Levy, no momento em que se comentava Jaques Wagner para o Ministério da Fazenda, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que os títulos brasileiros são um excelente negócio.

Como não disse Tonto a Zorro, quando foram cercados pelos índios, “excelente negócio para quem, cara-pálida?”

De Brahma a Budweiser

Que mundo pequeno! E, veja só, tão cheio de coincidências!

1 - A Budweiser, empresa cervejeira pertencente à multinacional InBev (que reúne Brahma, Antarctica, Stella Artois, Skol, Corona, e domina um terço do mercado mundial de cerveja), inicia grande campanha publicitária para promover o futebol americano no Brasil, com amplo uso de propaganda pelo smartphone. A Budweiser, Bud para os íntimos, é a cerveja oficial da Liga Nacional de Futebol Americano, NFL. Hoje, o futebol americano é pouco difundido no Brasil.

2 - O empresário Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, é diretor-geral e sócio da empresa Touchdown, que se dedica a promover o futebol americano no Brasil. Luís Cláudio também faz captação de recursos para o Torneio Touchdown, com 16 clubes e sete patrocinadores, o principal do país.

E a coincidência curiosa: o pai do promotor do esporte patrocinado principalmente pela Budweiser é, em certos setores, conhecido pelo apelido Brahma.

Trabalhar cansa 1

Há presos aguardando o julgamento de habeas corpus (que, se concedidos, lhes permitiriam passar o Natal e o Ano Novo com a família). Há gente que aguarda o julgamento de ações cíveis e o pagamento a que forem condenados seus adversários. Há pessoas detidas para interrogatório e o interrogatório não sai. Mas as férias do Judiciário são intocáveis: começaram na sexta e terminam em fevereiro, que ninguém é de ferro. Fica um plantão no Supremo para os casos mais graves, e só. E não se diga que os juízes precisam tirar férias: isso é óbvio, claro que precisam. Mas por que tirá-las todos ao mesmo tempo?

Numa grande empresa multinacional, todos os funcionários tiram férias, e a empresa não para por causa disso. As férias são escalonadas e todos se beneficiam.

Trabalhar cansa 2

O Senado entrou de férias no final da sessão de quinta-feira. Deveria haver sessões na segunda e na terça (às quais, é certo, o comparecimento seria mínimo), nas o presidente do Senado, Renan Calheiros, explicou que a Casa não poderia funcionar, porque “haverá obras de recuperação” no banheiro feminino. Enquanto isso, o impeachment, que mantém o governo e o país paralisados, fica para quando os nobres parlamentares já tiverem repousado o suficiente.

Quem sabe depois do Carnaval haja uma decisão? Ou, talvez, da Semana Santa?

E parar de trabalhar? 

O trabalho, dizem, enobrece. Mas há gente que prefere aposentar-se, desde que bem. Como Valéria Perillo, esposa do governador goiano Marconi Perillo, do PSDB. A aposentadoria de Valéria Perillo foi aprovada por unanimidade pelo Tribunal de Contas do Estado: R$ 15.206,43 mensais, remuneração integral.

Valéria Perillo foi funcionária da Assembleia na década de 1980 e desde 1998 não exerce o cargo. Para que a aposentadoria fosse aprovada, o Tribunal de Contas do Estado considerou o período de serviços prestados à Organização das Voluntárias de Goiás. Como uma das funções da primeira-dama goiana é dirigir a OVG (trabalho voluntário, sem pagamento), Valéria Perillo recebeu esta missão.

Mas inovou: de graça, nem trabalho social. E continuou a receber da Assembleia.

 

 Direto ao Ponto (por AUGUSTO NUNES):
 

Os inventores da Ditadura do Latinório vão logo aprender que toga não é japona

A maioria dos integrantes do Supremo Tribunal Federal aproveitou a sessão convocada para deliberar sobre o processo de impeachment para revogar o equilíbrio entre os Poderes. Na cabeça de oito dos 11 bacharéis em Direito indicados pela Presidência da República e aprovados pelo Senado depois de uma sabatina com cara de chá de senhoras, os três Poderes são independentes, mas só o Judiciário não é dependente de outro. Já o Executivo e o Legislativo dependem do que dá na telha do Poder que manda nos dois e não obedece a nenhum.

Declamando criativas interpretações de normas constitucionais, verbetes de dicionário e citações em Latim, o bloco majoritário fez o diabo. Prorrogou por tempo indeterminado a sobrevida da presidente agonizante, redesenhou o Congresso para subordinar a Câmara do renegado Eduardo Cunha ao Senado do patriota Renan Calheiros, rebaixou 513 representantes do povo a capinhas de 81 representantes das 27 unidades federativas e deixou claro que, sem o endosso dos senadores, decisões dos deputados valem tanto quanto palpites da mulher do cafezinho. Fora o resto.

Não faz tanto tempo assim que os ministros eram escolhidos entre os melhores e mais brilhantes, e efetivamente compunham o corpo de elite do universo jurídico brasileiro. Também assolado pela Era da Mediocridade, o STF foi ficando parecido com os vizinhos de praça. Com o advento da Era da Canalhice, o estrago foi consumado pela aplicação ostensiva do parágrafo único adotado pela seita lulopetista para preencher vagas no STF: a escolha deve atender aos interesses do Planalto. Ponto.

Só podia dar no que deu. Ainda que se disfarçassem de turista em dia de visitação pública ao prédio em Washington, certos juízes seriam barrados na portaria da Corte Suprema americana. Lá o esquema de segurança é severo com figuras esquisitas, e isso é o que não falta na similar brasileira. Essa gente de toga fala muito, e fala coisas estranhas. Escreve demais. e escreve coisas tão difíceis que nem sobra tempo para pensar, conversar com gente normal, saber o que vai pelo Brasil de verdade, em tudo diferente da Pasárgada onde moram e decidem o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado.

Um ministro do STF não precisa afligir-se com o desemprego em expansão nem com a inflação descontrolada. Não sucumbe a surtos de indignação quando confrontado com as cifras da roubalheira ou com os devastadores efeitos da incompetência. Não chega a perder o sono com a desfaçatez da seita que pariu a maior crise da história republicana. Nunca tem pressa: entre o começo e o fim da sessão, por exemplo, mais 5 mil trabalhadores foram demitidos, mas os sábios supremos seguiram escandindo sílabas como quem está desvendando o mistério da Santíssima Trindade. Eles ignoram que a paciência da plateia acabou.

“Japona não é toga”, lembrou em outubro de 1964 o então presidente do Senado, Auro Moura Andrade, para barrar a investida autoritária de chefes militares dispostos a violentar a Constituição. Com quatro palavras, Auro ensinou que cabia ao Supremo Tribunal Federal, não às Forças Armadas, lidar com questões constitucionais ─ pela simples e boa razão de que general não é juiz. É hora de  inverter a ordem dos substantivos para adaptar a frase aos tempos modernos ─ e transformá-la em advertência aos oniscientes de araque.

Antes que tentem proclamar a Ditadura do Latinório, os superdoutores precisam aprender que toga não é japona. A lição será assimilada em poucos segundos se for ministrada durante as manifestações que a portentosa oposição real está devendo a si mesma. A voz das ruas também cura surdez seletiva.

(por AUGUSTO NUNES)

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Fonte: veja.com

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