"Se o senador, que era pouco mais do que um Zé-Mané, levou US$ 1,5 milhão em propina, quanto se pagou a quem realmente decidia?"
Nós, da imprensa, estamos dando pouco destaque a uma questão da maior relevância. Querem ver?
Por que é que um senador então respeitado, como Delcídio do Amaral, com trânsito no PT e na oposição, líder do governo no Senado, paparicado pela imprensa — e, de fato, ele sempre foi um homem cordial — se mete a planejar uma operação da pesada, criminosa (e não é coisa leve), arriscando-se a ser, como foi, desmoralizado?
Bem, é a lógica dos apostadores, não é? Jogou alto porque o prêmio era grande. Ou, vá lá, é a lógica dos apostadores no lado escuro da sorte: jogou alto porque, a verdade vindo à tona, ele teria muito a perder.
O que pesava contra Delcídio, então? A acusação de Fernando Baiano, segundo a qual ele levara entre US$ 1 milhão e US$ 1,5 milhão de propina na compra, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena.
Era só Fernando Baiano falando? Pois é… Ocorre que Nestor Cerveró, o homem que comandou a compra da sucata de Pasadena, estava fechando o seu acordo de delação premiada. E Delcídio viu o perigo crescer à sua frente — daí a necessidade de tirar do Brasil o “Nestor”, como ele chama, cheio de intimidade, o ex-diretor da Petrobras.
Vamos ser claros? Se alguém ainda tinha alguma dúvida de que a compra da refinaria de Pasadena foi, independentemente de qualquer outra coisa, um escândalo monumental, agora não precisa ter mais. Vamos ser ainda mais claros? Vocês acham que Delcídio iria se meter nesse pântano se Baiano estivesse mentindo?
E agora entro na segunda questão relevante. Ora, quem era Delcídio, na ordem das coisas, quando a primeira metade de Pasadena foi comprada, em 2006? Um mero senador em busca de expressão. Disputou o governo do Mato Grosso do Sul naquele ano e perdeu. A propina teria servido para financiar sua campanha, diga-se.
Se Delcídio, que era quase nada, recebeu US$ 1,5 milhão de propina, quanto terá recebido quem realmente comandava a sem-vergonhice? Só para lembrar números: em 2005, os belgas da Astra Oil compraram a refinaria inteira por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte, venderam 50% à Petrobras por US$ 360 milhões — US$ 170 milhões diziam respeito a estoque de petróleo. Mesmo assim, os belgas transformaram, então, em um ano, US$ 21,25 milhões em US$ 190 milhões.
Petrobras e Astra Oil se desentenderam. Dadas as cláusulas do contrato, numa negociação conduzida por Cerveró, a estatal brasileira foi obrigada a comprar os outros 50% da refinaria. Tentou resistir e recorreu à Justiça americana. Perdeu. Em 2012, teve de pagar mais US$ 820,5 milhões pelos 50% restantes da sucata. A presidente do Conselho, em 2006, era a senhora Dilma Rousseff. Em 2012, ela já presidia a República.
Os números são tão chocantes, tão estupefacientes, tão absurdos que parecia mesmo impossível não ter havido safadeza da pesada. Mesmo assim, um petista que ainda flana por aí, como José Sérgio Gabrielli, então presidente da Petrobras quando se fez o negócio, defende a compr. Aqui e ali se dizia: “Só pode ter havido corrupção…”
Pois e… O que o caso Delcídio demonstra? Que foi corrupção da pesada! Se até ele, que não passava à época de um quase Zé-Mané, levou entre US$ 1 milhão e US$ 1,5 milhão em propina, a gente pode imaginar o que foi aquilo.
“Ah, quem diz que ele levou foi Fernando Baiano… Dá para acreditar?” Bem, ainda que eu tivesse um fio de desconfiança, ele teria acabado. Afinal, a gravação flagra um Delcídio Amaral tentando organizar o roteiro de fuga de um prisioneiro para tentar se livrar de um homem que também o incriminava e que comandou a compra da refinaria.
Essa é ainda uma história muito mal contada.
Conversa de Delcídio sugere que senador quer um pouco mais de ética na sacanagem!
Diálogo revela a intimidade do petista com Nestor Cerveró e Fernando Baiano e fala em “oportunidades”
Para quem se delicia prestando atenção a detalhes da linguagem, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), antes a Vovó Mafalda, é mesmo um banquete quando se manifesta como Vovó Metralha, quando solta o verbo.
Naquela conversa em que planeja a rota de fuga de Nestor Cerveró, em companhia de Edson Ribeiro, o advogado, o petista lamenta o comportamento de Fernando Baiano, nestes termos:
“É uma vergonha o que ele fez! Bicho! Para as oportunidades que o Nestor deu, porra! Fernando fazer uma calhordice dessa, uma canalhice dessas”.
Ah…
Notem o tratamento das personagens pelo prenome: “Fernando, Nestor…” Isso, não tenhamos dúvida, é intimidade.
Também acho encantador que se recorra ao que me parece ser uma espécie de ética da bandidagem, certo? Afinal de contas, qual era o trabalho de “Fernando”? Fazer lobby criminoso, tráfico de influência, pagar e receber propina…
E quem lhe dava as “oportunidades”? Ora, “o Nestor”. O que Delcídio está dizendo aí, parece, é que é preciso haver ética na sacanagem, “bicho”! Como pode?
Edson Ribeiro, o advogado ainda foragido, procurado pela Interpol, comenta, na conversa gravada, que Sérgio Riera, que defende Baiano, “traiu” — sugerindo que algum acordo fora rompido. Depois, emenda sobre Alberto Youssef, ainda preso: “A cada delação que faz, ele melhora a situação dele lá dentro”.
O intuito, como se nota, é demonstrar que existe uma espécie de conspiração contra Cerveró, evidenciando a necessidade da fuga — o que , obviamente, é do interesse de Delcídio, que queria evitar que o ex-diretor confirmasse as denúncias do próprio Baiano, segundo as quais o senador recebera US$ 1,5 milhão de propina na compra da refinaria de Pasadena. Ainda volto a esse tema.
Ah, sim: no depoimento prestado nesta sexta, Delcídio diz ter recebido Bernardo Cerveró, o filho de Nestor, por uma questão de humanidade. Ah, bom… Leiam o que afirmou seu advogado, Maurício Silva Leite: “O senador disse que [a reunião] foi um pedido que o advogado e o filho do Cerveró fizeram para ele, e ele disse que iria encaminhar o assunto, que ia interceder, sim, e ele explicou que era uma questão humanitária, que era dar uma palavra de conforto e esperança, e que iria fazer isso para diminuir a dor, o sofrimento, talvez. Ele mencionou que conhecia a família [de anos antes]”.
Entendi. Vai ver foi por humanidade que Delcídio sugeriu até o tipo de avião que deveria ser usado na fuga.
Advogados têm o direito e o dever de defender seus clientes. É um primado da democracia. Mas precisam tomar cuidado com o ridículo.
Instituto nega que Lula tenha dito que ação de Delcídio é “coisa de imbecil”. Bem, coisa de gênio, com efeito, não foi, certo?
O governo não quer confusão com o senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Diz que é por não saber o que ele pode dizer se ficar magoado. A minha tese é outra: acho que o silêncio se deve ao fato de que o Planalto sabe o que ele pode dizer.
Parece que Lula também quer evitar conflitos. Nesta quinta, o Instituto que leva o nome do ex-presidente divulgou esta nota:
NOTA À IMPRENSA
Folha de S.Paulo volta a inventar declarações de Lula
São completamente falsas as declarações atribuídas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o senador Delcidio do Amaral publicadas nesta quinta-feira (26) pela Folha de S.Paulo. Mais uma vez, com base em supostas fontes anônimas, este jornal atribui ao ex-presidente frases que nunca foram ditas por ele.
Assessoria de Imprensa do Instituto Lula
Comento
Em encontro do Instituto Lula realizado na CUT (eita mistureba!!!!), reportagem da Folha informou que o ex-presidente classificou as ações de Delcídio como “coisa de imbecil” e “burrada”.
Bem, convenham, muito inteligente não foi, não é mesmo? Como já escrevi aqui, Lula parece menos irritado com a coisa em si do que com o amadorismo. Ah, sim: a Folha não retira a informação. A reportagem ouviu de distintos interlocutores a mesma narrativa.
Negócios unem investigados em operações da PF, (por VERA MAGALHÃES, coluna RADAR de VEJA.COM)
Além de ter comprado uma fazenda de José Carlos Bumlai, também preso na Operação Lava Jato, o banqueiro André Esteves é sócio de Eduardo Souza Ramos, indiciado nesta quinta-feira pela Polícia Federal, na Mitsubishi Motors do Brasil.
Souza Ramos foi indiciado na Operação Zelotes, que investiga um esquema de corrupção no Carf, tribunal responsável por julgar recursos de débitos fiscais.
Em 2010, quando a Mitsubishi ia mal das pernas, o BTG Pactual comprou uma fatia minoritária do negócio de Souza Ramos, de quem Esteves é amigo
Valentina de Botas: Aqui ainda há um país
VALENTINA DE BOTAS
Cadê o Brasil? A sombra dele esteve na decisão do Congresso para manter Delcídio Amaral no lugar certo. Chocada, eu? Não. Experimento a repulsa serena, sedimentada, resoluta, curável apenas com o banimento do PT da vida pública, com a prisão do jeca mentor da inédita degeneração – pública e a olhos vistos, privada e íntima com família e amante no meio, pessoal com a história vitoriosa arruinada pelo caráter miserável – e o impeachment de Dilma Rousseff, a mulher honrada que já escolheu o substituto de Delcídio na liderança do governo: Wellington Fagundes, que responde no STF por peculato e está envolvido no escândalo dos Sanguessugas.
Carlos Alberto Sardenberg: Viva a Lava Jato
Publicado no Globo
Dizem que as crises políticas e econômicas, num dado momento, geram os líderes necessários para sua solução. Dizem também que é muito difícil antecipar quando esse momento está se aproximando, mas que a gente percebe quando chegou. Pois no Brasil de hoje, parece o contrário. O momento já está passando. O senador Delcídio Amaral e o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, foram presos, por determinação do Supremo Tribunal Federal, sob a acusação de obstrução da Justiça. Mas as peças do processo mostram que essa denúncia, embora muito grave, é até menor diante dos casos que são ali mencionados.
Marco Antonio Villa com Augusto Nunes no Sem Edição: ‘Delcídio não vai ficar sozinho’