"O que houve em Bento Rodrigues não foi um acidente. Foi crime". (por REYNALDO ROCHA)
Reynaldo Rocha: O que houve em Bento Rodrigues não foi um acidente. Foi crime
REYNALDO ROCHA
Minas Gerais. O nome diz tudo. Existem 200 minas espalhadas pelo território.
Décadas atrás, criou-se uma campanha: “Olhe bem as montanhas!” Elas estavam desaparecendo. Mesmo a Serra do Curral – moldura de Belo Horizonte – parece continuar existindo quando vista da cidade. Mas do outro lado, na face invisível da montanha, vales e campos foram tragados por imensas crateras.
Em 2001, uma barragem se rompeu no município de Nova Lima, a 5 quilômetros de Belo Horizonte. É uma área ambiental, com distritos como Macacos e Rio Acima e dezenas de condomínios horizontais cujos moradores lutam para manter o que o poder público ignora.
Foram cinco mortos, mais de um ano de acessos interrompidos e um imenso mar de lama – hoje seco e estéril – que deveria servir de exemplo e advertência.
Em 2014, outra barragem foi rompida em Itabirito. Três trabalhadores morreram em mais um acidente ecológico irreparável. Foram inúmeros os “pequenos” acidentes que devastam a natureza e matam muitos.
Neste novembro. ainda contamos os mortos em meio a poucas certezas. Uma delas: Bento Rodrigues morreu. Outra: não houve um acidente.
Não chovia. Não houve inundação. Mesmo um sismo de 2.9 graus (a desculpa a que se agarram os defensores do indefensável) jamais provocaria o rompimento da barragem. Foi crime. A negligência – para ficar na tipificação mais leve – está comprovada.
Em 2013, o Instituto Pristino – grupo ambientalista sem fins lucrativos, composto por professores da UFMG – produziu a pedido do Ministério Público um estudo detalhado sobre as barragens de Minas Gerais, especialmente as de Mariana que se mostravam especialmente perigosas.
Segundo a SAMARCO, a empresa nunca recebeu eo estudo que lhe foi entregue em mãos. Uma cópia foi encaminhada ao governo estadual. Em julho deste ano, já na gestão de Fernando Pimentel, uma “auditoria independente” foi contratada. O veredito informou que não havia nada de errado. Tudo normal, tudo estável. Como em 2013, a licença foi renovada.
Entre 2014 e 2015, a produção aumentou 15% e chegou a 25 milhões de toneladas de minério de ferro. O colosso de rejeitos somou 22 milhões de toneladas. Para armazená-los existem as barragens assassinas. A meta da VALE e da BHP era era atingir 35 milhões de toneladas até o fim do ano.
Em vez de construir uma nova barragem de contenção, a Samarco optou por “reforçar” as paredes das existentes. As que se romperam. Fatalidade? É claro que não.
Os governos de Minas se contentam com qualquer lucro resultante da mineração. O governo federal se dispensa de qualquer ação além de arrecadar o que puder. Tira-se de Minas o que não é renovável. As mineradoras são historicamente donas do solo mineiro. A fiscalização é pouca ou nenhuma.
Afinal, o que vale Bento para quem fatura bilhões de dólares por ano? Que força pode ter uma comunidade de pequenos sitiantes que sobrevivem do trabalho e ganham quantias insuficientes para pagar o salário mensal de alguns engenheiros da Samarco ou de burocratas do governo?
As discussões sobre mineração se concentram em royalties e impostos. A vida humana é algo secundário. Os donos do dinheiro não têm tempo a perder com a cultura de vilarejos centenários ou a preservação do meio ambiente.
O governo estadual suspendeu a licença da Samarco. Não era necessário. As correias transportadoras foram afetadas. Não serão recuperadas tão cedo, para retomarem o despejo da lama que inunda Bento e se espalha por Minas e pelo Espírito Santo.
A BHP está revendo previsões de lucros para 2016. E já comunicou aos mercados internacionais que estuda “medidas alternativas” para impedir a queda da produção. Os moradores de Bento não têm nada a rever.
Quem conhecia Bento dividia o medo com a gente de lá. Uma imensa lagoa fétida recebia uma carga diária de rejeitos produzidos pelo minério destinado à exportação. Os impostos sempre passaram longe do lugarejo marcado para morrer.
Para quem não conheceu Bento, é difícil avaliar a extensão da tragédia. Vidas, histórias, lembranças, vivências, tudo se foi. Tudo isso jaz sob a lama. Há responsáveis com nome e sobrenome. Não foi fatalidade. Foi crime.
Em nome de Bento, o vilarejo enterrado na lama, há que se ter JUSTIÇA.
A lama de Bento não é somente rejeito criminoso. É a lama do descaso histórico com uma nação. Mesmo que seja com a menor comunidade que insistia em ser digna. Ou até mais por ela.
São cada vez mais raros os sinais de vida inteligente no planeta dos vigaristas
ATUALIZADO ÀS 20H08
Nenhum planeta está tão longe do Brasil real quanto a Praça dos Três Poderes, e a distância aumenta quando se alinha com a sua Lua destrambelhada conhecida como Instituto Lula. A julgar pelo que andam tramando os seres que agem nessas lonjuras, é impossível enxergar de lá o que ocorre aqui.
Eles não conseguem ver, por exemplo, os bem-vindos e pedagógicos estragos causados pela Operação Lava Jato. Gente que se julgava condenada à eterna impunidade está (e continuará) engaiolada. Presidentes de empreiteiras, dois tesoureiros do PT, ex-diretores da Petrobras, José Dirceu pela segunda vez — há celas para todos os delinquentes que chapinharam na lama do Petrolão.
Os habitantes daquelas paragens remotas tampouco enxergam as devastadoras dimensões da crise econômica parida pelo lulopetismo. Não veem a imensidão de desempregados, não veem a inflação sem freios rompendo a barreira dos 10%. Muito menos a crescente indignação das vítimas de 13 anos de ladroagem e incompetência.
Fora da cegueira decorrente da distância sideral, não há como explicar a conspiração que, para manter no emprego por mais três anos a presidente perplexa, tenta juntar numa contra-ofensiva suicida o que há de pior no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.
Trocas suspeitíssimas de juízes, manobras malandras forjadas para protelar decisões urgentes, acordos ditados pelo sonho da impunidade para todos, alianças obscenas entre inimigos recentes unidos no esforço para afastar do camburão chefôes e filhotes ─ nada disso vai funcionar. É tarde demais.
O projeto criminoso de poder, na definição perfeita do ministro Celso de Mello, está em acelerada decomposição. Oito em cada 10 brasileiros exigem o fim da era da canalhice. A ideia da pizza que os brasileiros não vão engolir avisa que o estoque de espertezas está reduzido a um punhado de velhacarias com prazo de validade vencido.
Também confirma que são cada vez mais raros os sinais de vida inteligente no planeta dos vigaristas.
Marco Antonio Villa: A crise tem nome: Lula
Publicado no Globo
Marco Antonio Villa
Lula voltou a ser o principal protagonista da cena política brasileira. No último mês, não teve um dia sequer em que não ocupasse as manchetes da imprensa. Viajou pelo Brasil — sempre de jatinho particular, pago não se sabe por quem — e falou, falou e falou. Impôs uma reforma ministerial à presidente, que obedeceu passivamente, como de hábito, ao seu criador. Colocou no centro do poder um homem seu, Jaques Wagner, para controlar a presidente, reestruturar o pacto lulista — essencialmente antirrepublicano — com o Congresso e o grande capital e, principalmente, para ser um escudo contra as graves acusações que pesam sobre ele, sua família e amigos.
Como de hábito, não teve nenhum compromisso com a verdade. Vociferou contra as investigações. Atacou a Polícia Federal, como se uma instituição de Estado não pudesse investigá-lo. Ou seja, ele estaria acima das leis, um cidadão — sempre — acima de qualquer suspeita, intocável. Apontou sua ira contra o ministro da Justiça e tentou retirá-lo do cargo — e vai conseguir, cedo ou tarde, pois sabe quão importante foi Márcio Thomaz Bastos em 2005, quando transformou o ministro em seu advogado de defesa.
O ex-presidente, em exercício informal e eventual da Presidência, declarou que o Brasil vive quase um Estado de exceção, simplesmente porque a imprensa divulgou documentos sobre seus ganhos milionários nas palestras e apresentou como dois filhos vivem em apartamentos em áreas nobres de São Paulo sem pagar aluguel — uma espécie de Minha Casa Minha Vida platinum, reservado exclusivamente à família Lula da Silva — e teriam recebido quantias vultuosas sem a devida comprovação do serviço prestado. Não deve ser esquecido que o Coaf justificou a investigação da sua movimentação financeira como “incompatível com o patrimônio, a atividade econômica e a capacidade financeira do cliente.”
Lula passou ao ataque. Falou em maré conservadora, que não admite ser chamado de corrupto e que — sinal dos tempos — não teme ser preso. A presidente da República, demonstrando subserviência, se deslocou em um dia útil de trabalho, de Brasília para São Paulo, simplesmente para participar da festa de aniversário do seu criador. Coisa típica de República bananeira. Ninguém perguntou sobre os gastos de viagem de uma atividade privada paga com dinheiro público. O país recebeu a notícia naturalmente. E alguns ingênuos ainda imaginam que a criatura possa romper com o criador, repetindo a ladainha de 2011.
Mesmo após as aterradoras revelações do petrolão, Lula finge que não tem qualquer relação com o escândalo e posa de perseguido, de injustiçado. Como se não fosse ele o presidente da República no momento da construção e operação do maior desvio de recursos públicos da história do mundo. Nas andanças pelo país, para evitar perguntas constrangedoras, escolhe auditórios amestrados. Mente, mente, sem nenhum pudor. Chegou a confessar cometeu estelionato eleitoral, em 2014, como se fosse algo banal.
O protagonismo de Lula impede uma solução para a crise. Ele aposta no impasse como único meio de sobrevivência, da sua sobrevivência política. Pouco importa que o Brasil viva o pior momento econômico dos últimos 25 anos e que a recessão vá se estender, no mínimo, até o ano que vem. Pouco importam os milhões de desempregados, a disparada da inflação, o desgoverno das contas públicas. Em 1980, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo não pensou duas vezes em prorrogar a greve, mesmo levando-a à derrota — e aos milhares de operários que tiveram os dias parados descontados nos salários —, simplesmente para reabilitar sua imagem frente à base sindical, isto porque, no ano anterior fechou acordo com a Fiesp sem que o mesmo fosse aprovado pela assembleia, daí que passou a ser chamado pelos operários de pelego e traidor.
Em setembro, Dilma chegou a balançar quando o PMDB insinuou que poderia apoiar o impeachment. Lula entrou em campo e, se não virou o jogo, conseguiu ao menos equilibrar a partida — isto na esfera da política, não da gestão econômica. Tanto que a possibilidade de a Câmara dos Deputados aprovar, neste ano, a abertura de um processo de impeachment é nula. Por outro lado, o Congresso Nacional não aprovou as medidas que o governo considera como essenciais para o ajuste fiscal. É um jogo cruel e que vai continuar até o agravamento da crise econômica a um ponto que as ruas voltarem a ser ocupadas pelos manifestantes.
As vitórias de Lula são pontuais, superficiais e com prazo de validade. As pesquisas mostram que ele, hoje, é uma liderança decadente e com alto grau de rejeição, assim como o PT. Mantém uma influência no centro de poder que é absolutamente desproporcional ao seu real peso político. Tem medo das consequências advindas das operações Lava-Jato e Zelotes. Mas no seu delírio quer arrastar o país à pior crise da história republicana. E está conseguindo. Tudo porque sabe que o impeachment de Dilma é o dobre de finados dele e do PT.
As ações de Lula desmoralizam o Estado Democrático de Direito. Ele despreza a democracia. Sempre desprezou. Entende o Estado como instrumento da sua vontade pessoal. Mas, para sorte do Brasil, caminha para o ocaso. Só não foi completamente derrotado porque ainda mantém apoio de boa parte da elite empresarial, que, por sua vez, exerce forte influência no Congresso e nas cortes superiores de Brasília. O grande capital não sabe o que virá depois do PT. Na dúvida, prefere manter apoio ao “seu” partido e ao “seu” homem de confiança, Lula.
Fernando Gabeira: Cedo demais para esquecer
Publicado no Globo
Circulou nas redes sociais um texto atribuído ao milionário Beto Sicupira no qual ele pedia aos empresários que não se discutisse mais a crise, nem se falasse de Dilma e Cunha. É preciso tocar os negócios, Dilma e Cunha não trabalham na empresa. Ouvido pela imprensa, Sucupira não confirmou nem desmentiu seu texto. Escrito por um milionário ou alguém mais pobre, o conselho para ignorar esta camada da realidade lembrou-me o caso dos nativos da Tasmânia, contado por John Gray em seu livro “Cachorros de palha”.
Os nativos da Tasmânia viviam mais simplesmente que os aborígenes da Austrália, dos quais se isolaram com a elevação do nível do mar cerca de 10 mil anos atrás.
Perderam a habilidade de tecer, pescar e fazer fogo. E quando os navios de colonos europeus chegaram, em 1772, incapazes de processar uma imagem para a qual nada os havia preparado, voltaram às suas vidas, como se nada tivesse acontecido.
Eles foram dizimados. Sua pele era vendida, e as mulheres eram obrigadas a carregar a cabeça cortada de seus maridos amarradas em seu pescoço.
“Quando morreu o último macho tasmaniano, a sepultura foi aberta pelo Dr. George Stockell, um membro da Sociedade Real da Tasmânia, que fez uma bolsa para fumo com sua pele”, conta John Gray.
Não corremos riscos tão dramáticos, se optarmos pelo distanciamento. No entanto, corremos risco. Nesse início de crise, o desemprego cresceu, três milhões de famílias foram ejetadas da classe média, e cresce a violência nas cidades.
Numa única semana ficamos sabendo que quatro estrelas do PT movimentaram R$ 300 milhões em suas contas, que o líder proletário sozinho recebeu uma fortuna em suas viagens, nas quais exigia um menu de travesseiros.
Estamos sendo investigados em, pelo menos três países. No Peru, José Dirceu teria comprado autoridades; em Portugal o PT teria levado € 50 milhões em propinas, e no Paraguai realizamos uma obra superfaturada ligada à Usina de Itaipu.
Entregue à máfia político-burocrática, o Brasil não vai apenas ser sugado até o último vintém. O país pode se tornar uma imensa plataforma para assaltos no exterior.
Sobreviveremos como as favelas dominadas pelo tráfico ou pela milícia. Deixaremos de ser conhecidos pelo futebol e o carnaval. A picaretagem será nossa modalidade, na olimpíada universal do crime.
Quem trabalha muito tem pouco tempo para se informar ou protestar. Nesse aspecto, o texto atribuído ao milionário até que faz sentido: é preciso continuar trabalhando, apesar de Dilma e Cunha.
No entanto, vivemos uma situação de emergência. Saquearam o país, arruinaram a Petrobras, vendem medidas provisórias no Planalto, vendem-se jabutis para medidas provisórias na Câmara, venderão, se puderem, a última árvore de nossa floresta, a última gota de nossas nascentes.
Não importa para eles que o país entre em parafuso. Muitos têm contas na Suíça, outros, como um deputado do PT, ganham apartamentos em Miami.
Para as grandes fortunas, esse vendaval é apenas uma brisa. No entanto, é devastador para os todos que vivem, modestamente, de seu trabalho.
Como deixar Dilma de lado, depois de utilizar o dinheiro público como quis, pedalando em nome dos pobres e canalizando o dinheiro para as grandes empresas? Como esquecer o maior escândalo da História e não relacioná-lo à milionária campanha do PT? Como acordar todas as manhãs sabendo que a Câmara é uma piscina cheia de ratos, cujo presidente é um gângster com contas na Suíça?
Assim como as pessoas, os países precisam de vez em quando se olhar no espelho. No momento, o Brasil não consegue fazer esse gesto. Quando há perigo de vida, como nas favelas dominadas por tráfico ou milícia, é prudente seguir trabalhando, conversar o mínimo possível, esperar que a mudança venha de cima.
Francamente, não há grande perigo em resistir à quadrilha política que domina o Brasil. Uma burocrata saiu espetando manifestantes com uma agulha, um professor ameaça levar os reacionários ao paredão e fuzilá-los com uma espingarda. Claro, sempre podem nos chamar de reacionários, vendidos, elite branca, fascistas. Quando criança, a gente simplesmente cruzava os dedos e isolava: tudo o que você falar está me ajudando. Uma agulha pelas costas, uma espingarda velha não são forte elementos de dissuasão. O obstáculo real está nas dúvidas sobre o futuro? O que virá depois? Se aparecer uma simples fresta no horizonte, a multidão passará por ela.
Os nativos da Tasmânia não tinham informações, sequer conseguiam processá-las. Nós sabemos de tudo, consumimos notícias instantâneas. De uma certa maneira, nossa pele está em jogo.
Seria um prazer deixar de pensar em Dilma e Cunha, concentrar no árduo trabalho cotidiano. Não enquanto estiverem lá, dando as cartas. Ainda que falsas, são as cartas do poder.
Tags: Beto Sicupira, corrupção, Dilma Rousseff, Eduardo Cunha, Fernando Gabeira, Tasmânia