Dilma volta a confundir ditadura com democracia, por REINALDO AZEVEDO
Dilma volta a confundir ditadura com democracia e mistifica de novo o seu passado. Não! Ela não sabe o que é construir a democracia
Não sou uma besta sanguinolenta. E quem me conhece bem sabe disso. Não cultivo ódios e, se querem saber, convivo mal com quem os cultiva. Não são pessoas da minha predileção. O ódio devora quem odeia e o transforma numa pessoa amarga, desagradável, inferior. O ódio emburrece, envenena a alma, apequena as inteligências. Alguém com a capacidade de odiar será sempre menor do que poderia ser.
Por que isso? Compadeço-me, em certo sentido, da situação de Dilma Rousseff. Não deve ser fácil. Esforço-me para compreender a dimensão humana da personagem, sua solidão, o ambiente em vive, cercada de traições, de mesquinharias. Sim, sei que ela escolheu esse mundo e que tem de arcar com o peso de suas opções. Nem por isso deixo de reconhecer nela a humana condição que nos une a todos.
Mas é claro que Dilma não ajuda. Ao contrário: ela atrapalha a própria Dilma com suas tacanhices ideológicas e sua soberba intelectual sem lastro. Nesta terça, concedeu uma entrevista e, certamente, referindo-se aos movimentos em favor do impeachment, afirmou: “Nós faremos tudo para impedir que processos não democráticos cresçam e se fortaleçam”.
Eu não gosto quando alguém fala, assim, dessas coisas conspiratórios, que vêm sei lá de onde. A que processos “não democráticos” ela se refere? Quem está empenhado neles? Quem os articula? O que quer dizer “fazer de tudo”? Lembro que, em campanha eleitoral, a própria Dilma admitiu que, quando se disputa uma eleição, pode-se fazer “o diabo” para vencer, mas que, depois, é preciso governar.
Sim, ela disse “fazer o diabo”. E não tenho dúvida de que ela fez, não é mesmo? Em 2010 e em 2014. Aliás, foi por ter se associado em demasia ao capeta que está nessa situação difícil, ora essa! Não fosse tanto diabo — das pedaladas às mentiras —, talvez até tivesse sido reeleita sem ter agora de proceder a tantas correções que minam o apoio da população e fazem dois terços dos brasileiros cobrarem o impeachment. Será que temos dois terços de golpistas no país, presidente?
Mais uma vez, referindo-se de forma oblíqua e imprópria a seu passado, afirmou:
“O Brasil conquistou uma democracia a duras penas, eu sei o que estou dizendo, quantas penas duras foi para conquistar a democracia!”. E aí, então, veio o tal fazer de tudo: “Nós não vamos, em momento algum, concordar, ou, faremos tudo para impedir que processos não democráticos cresçam e se fortaleçam”.
Aí não dá! Não vou condescender com farsas, especialmente quando ditas por alguém em proveito próprio. Não! A Dilma pode saber o quando custou ter lutado contra uma ditadura em nome de outra ditadura. Foi presa e torturada. Não deveriam ter tocado num fio de cabelo dela, é claro! Os bandidos que a torturaram achavam que esse era um meio eficaz de combater o banditismo do grupo terrorista ao qual ela pertencia.
Ninguém ali queria democracia: nem torturados nem torturadores. Mas, claro!, há diferenças objetivas entre uns e outros. E a sociedade as reconheceu. Tanto é assim que os torturadores foram para a lata do lixo, e Dilma, para a Presidência.
Para quem pertenceu a dois grupos terroristas, a historia não foi justa com a agora presidente. Foi é generosa, não é mesmo? Até porque ela jamais abjurou as ideias malévolas que a animavam.
Os torturadores de Dilma eram e são lixo. Mas não venha ela querer dizer que sabe o quanto custou a construção da democracia porque ela não sabe. O que ela conhece é o peso de combater um totalitarismo com outro. Isso é coisa diferente. Quem conheceu o peso de construir a democracia foram Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Paulo Brossard, Fernando Henrique Cardoso. Até Lula conheceu um pouco. Dilma não!
E como faz, então, confusão entre ditadura e democracia no passado, Dilma confunde no presente a legitimidade democrática dos que cobram o seu impeachment com golpe.
E eu continuo curioso, presidente. Que diabo quer dizer “fazer tudo”. É sinônimo de “fazer o diabo”? Cuidado! O PT sabe muito bem o que é fazer pacto com o chifrudo. Essas coisas já levaram pessoas do Palácio do Planalto para o Palácio da Papuda.
Por Reinaldo Azevedo
Levy mete os pés pelas mãos em reunião com congressistas; encontro foi contraproducente
A presidente Dilma Rousseff reuniu nesta terça líderes e presidentes de partido da base aliada para debater o seu pacote de medidas para eliminar o déficit de 2016 e ainda fazer um superávit de 0,7% do PIB. O encontro não foi bom, e Joaquim Levy, ministro da Fazenda, acabou metendo os pés pelas mãos e dizendo uma grande inverdade no encontro. E isso, definitivamente, não o ajuda na relação com o Congresso.
Note-se, à margem, que, para quem tinha enviado aquela patuscada
com déficit de R$ 30,5 bilhões, uma semana a mais ou a menos não faria diferença para propor a alteração. Por que digo isso? Não deixa de ser simbólico que se tenha envido a proposta enquanto o vice, Michel Temer, presidente do PMDB, está em viagem. Ele chega nesta sexta. Dava para esperar, claro! Esta é uma nota à margem, sim, mas que está no centro do problema. O que falta hoje a Dilma é apoio político, o que decorre de todas as bobagens que ela fez no primeiro mandato. Adiante.
Está tudo muito atrapalhado, e os números do mercado não tardaram a evidenciá-lo. Se, nesta segunda, o dólar havia caído 1,63%, voltou a subir nesta terça quase outro tanto: 1,28%. Ficou evidente que o tal pacote de salvação nacional não traz o esperado corte de gastos do governo — não na dimensão que a crise exige — e se ancora, principalmente, na criação da CPMF e em receitas que são incertas.
Os líderes da base aliada deixaram claro à presidente que um novo imposto dificilmente passará no Congresso. Serão necessários três quintos de deputados (308) e senadores (49) para aprovar a medida. Como o que resta de governistas se descolou da realidade, petistas debatiam, nesta terça, já tratei aqui do assunto, a elevação da alíquota de 0,2% para 0,38%. Essa gente endoidou.
Joaquim Levy estava presente à reunião. Numa hora em que Dilma se ausentou por alguns instantes, numa fala algo exasperada, voltou a dizer uma tolice que já havia afirmado em entrevista do “Jornal da Globo”. Segundo ele, o Congresso é, em parte, culpado pela situação fiscal. Lamento dizer, mas o ministro está errado. Falta com a verdade ao fazer tal afirmação, e eu proponho aqui um desafio.
Que ele diga, então, que medida a presidente Dilma, neste mandato ou no anterior, ou, entã0, Lula nos dois precedentes, adotaram de contenção de despesas que o Congresso decidiu vetar. Vamos, ministro, diga aí. Sim, há propostas irresponsáveis, como o fim do fator previdenciário, que contaram com o apoio do PT e de Lula? Há, sim. Mas isso não tem impacto nenhum nas contas de 2014, de 2015 e de 2016. Nota: fabricou-se déficit fiscal no ano passado (mascarado pelas pedaladas), fabrica-se neste e ano e se tenta o diabo para não fabricar no próximo.
A política de salário mínimo adotada, com impacto óbvio na Previdência, nasceu no Congresso ou no Executivo? Os programas ditos sociais, com desembolsos obrigatórios, nasceram no Congresso ou no Executivo? A expansão da máquina pública, envolvendo a contratação e remuneração do funcionalismo, nasceu no Congresso ou no Executivo? As desonerações e incentivos fiscais nasceram no Congresso ou no Executivo? A decisão de torrar R$ 13,75 bilhões num único ano com o Fies (em 2014), correspondentes ao que se gastou nos quatro anos anteriores, para citar um exemplo, nasceu no Congresso ou no Executivo?
Bem, é evidente, então, que não foi o Congresso, não é?, ministro Levy, e que a acusação é improcedente. Durante a reunião, o ministro teve um quase bate-boca com o deputado Rogério Rosso (DF), líder do PSD, partido do ministro Gilberto Kassab (Cidades). Rosso chegou a sugerir, depois de Levy culpar o Congresso, que este tirasse umas férias e pusesse um desenvolvimentista em seu lugar por um tempo. Bem, é claro que não funcionaria, a depender do que se entenda por isso. Foi, em certa medida, o “desenvolvimentismo” troncho da dupla Guido Mantega-Dilma que levou o país ao buraco.
Maurício Quintella (AL), líder do PR, disse não estar disposto a levar a sua bancada para o precipício. Leonardo Picciani (RJ), que comanda a bancada do PMDB na Câmara, reclamou do atrelamento das emendas parlamentares a programas do PAC, o que, é evidente, diminui a arbitragem que tem um deputado ou senador para destinar verbas para suas respectivas bases eleitorais. Que se lembre: Dilma esteve com Eduardo Cunha, presidente da Câmara, um dia antes do anúncio do pacote e não tratou do assunto. Aí fica difícil.
“Ah, mas, ao menos, os petistas e suas franjas ficaram com Dilma, né, Reinaldo?” Não, não ficaram, não! E essa é matéria para outro post.
Por Reinaldo Azevedo
CPMF: Baixa no governo a Síndrome de Maria Antonieta, e senador governista fala até em elevar a alíquota!
Sei lá que diabo se passa com o governo — além de não saber para onde vai. Afinal de contas, Dilma Rousseff tinha um plano só para ganhar a eleição, como a gente vê. Não tinha um programa de governo. Aliás, entre a irresponsabilidade e a alienação da realidade, parece que ela escolheu as duas. Daí a impressionante lambança oficial do governo com o Orçamento deste ano e com o do ano que vem.
A propósito, não custa lembrar: estamos vivendo em pleno déficit fiscal, certo? Todo o debate que remete à recriação da CPMF diz respeito a 2016, amiguinhos. Neste ano, passamos de um superávit anunciado de 1,15% para 0,15% do PÌB — e ele não será feito. O buraco anda pela casa dos R$ 10 bilhões. E déficit foi o que se produziu no ano passado também, escamoteado pelas pedaladas. Tenham a santa paciência!
É preciso que se tenha claro o que foi o discurso de Dilma na eleição de 2014: uma grande mentira sobre o passado, sobre o presente e sobre o futuro. Ainda que não houvesse razões legais para o impeachment — e as há em penca! —, haveria as razões morais e éticas. É certo que esse terreno é mais gelatinoso, mais escorregadio, menos objetivo. Mas podemos nos dar por seguros: ninguém precisa apelar a ele para justificar a saída de Dilma, embora a traição, tanto quanto ou mais do que a roubalheira, indigne amplas camadas dos brasileiros.
O governo perdeu o eixo, perdeu o norte. Vive em plena Síndrome de Maria Antonieta. A rainha, coitadinha, que era muito menos abestada do que acusava a corte francesa, hostil àquela austríaca, oriunda de uma linhagem de inimigos históricos da França. Mas entrou para a história a frase que ela nunca disse, emblema da alienação política. Segundo a versão, alguém lhe disse que o povo pedia pão, e ela então teria disparado: “Ora, se não tem pão, que coma brioches”. A frase, dada a estupidez, tem cara de uma típica difamação jacobina. Mas aproveito o simbolismo.
A Maria Antonieta do dia foi Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado. De modo muito realista, ele advertiu para as dificuldades de aprovar a CPMF no Congresso. Hoje, ele sabe que não existem votos para isso. Eis uma maioria que o governo tem de construir. O senador foi claro: “Precisamos trabalhar muito, ainda não podemos falar em aprovação, pelo menos nas atuais circunstâncias”.
Certo! Mas aí baixou em Delcídio aquela Maria Antonieta que nunca houve, e ele teve uma ideia para ver se amplia o leque de apoios ao imposto: AUMENTAR A ALÍQUOTA. É, isso mesmo! Vocês entenderam direito. Na forma atualmente proposta, com um 0,2% sobre qualquer transação financeira, o que já não passaria no Congresso, o dinheiro iria todo para a esfera federal — no caso, para a Previdência. O governo acena com a possibilidade de repassar uma parcela para Estados e municípios — nesse caso, então, seria preciso arrecadar mais.
Sim, Dilma jantou ontem à noite com 17 governadores e dois vices da chamada “base aliada”. O Planalto insiste na tolice de que os chefes dos Executivos estaduais têm influência relevante sobre as respectivas bancadas federais de cada Estado, o que é outro mito. Isso nunca funcionou. E não vai funcionar agora.
Eu fico cá a me perguntar que espírito anima uma tropa que, dada a dificuldade de aprovar um imposto com alíquota de 0,2%, imagina, para sair da dificuldade, que a saída talvez seja aumentar essa alíquota. Eis aí a evidência de um governo que está impossibilitado de encontrar um eixo porque está assentado numa mentira.
E outra dificuldade se anuncia, não é? Em momentos difíceis, no passado, o governo petista sempre se safou oferecendo prebendas à base aliada. Essa sempre foi a tônica da negociação. O PT nunca precisou negociar nada com base em princípios, tendo como mediação uma pauta. Se precisava de uma maioria no Congresso, mandava comprar com cargos.
Mas, agora, essa moeda de troca também não existe. O momento pede que se cortem cargos, em vez de proceder a uma farta distribuição. Nunca, como agora, foi necessário alguém capaz de falar a língua da articulação política. E, até agora, não se descobriu o nome dessa pessoa.
Não tem jeito. Não vai ser um plano de ajuste fiscal, riscado no joelho, elaborado por quem não tem alternativa, que vai abrir a vereda da salvação para Dilma.
Por Reinaldo Azevedo
Vagner Freitas, da CUT, meu projeto de guerrilheiro pançudo, me decepciona muito!
Ah, Vagner de Freitas, presidente da CUT, me é uma grande decepção! Estou chateado com ele. Eu estava curioso para ver como alguém com o seu “physique du rôle”, mais para Mussolini do que para Che Guevara, se comporta como guerrilheiro. Afinal, foi ele quem disse, em solenidade no Palácio do Planalto, que, se preciso, vai se entrincheirar, armado, para defender Dilma e Lula caso tenham de prestar contas à Justiça ou ao Congresso.
Eu esperava vê-lo, nesta segunda, com aquela sua pança típica de um burguês bem-sucedido, de pistola na cinta e faca nos dentes, a defender o pacote baixado pela “presidenta”, como eles chamam Dilma. Em vez, disso, o homem desceu o sarrafo nas medidas propostas pelo Planalto. Aí não vale.
Pô! Que jeito estranho de apoiar, né? Ou melhor: que jeito mais covarde de defender um governo! Onde já se viu? Então Freitas quer que Dilma fique no poder, acha que qualquer um que a ameace, ainda que segundo os rigores da lei, com o impeachment está propondo golpe, mas não aceita as medidas que sua protegida considera essenciais para o país? Ou por outra: o sindicalista pançudo só topa se identificar com o governo quando as ações são positivas.
Freitas liderou uma manifestação de algumas poucas dezenas de gatos pingados na manha desta terça, na Avenida Paulista. Eu sempre me encanto quando sedizentes trabalhadores promovem manifestações d protestos em dia útil, durante o expediente. Trabalham em quê, mesmo? Mas sigamos.
Vagner, o pançudo que não parece disposto a pegar em armadas pelo ajuste fiscal, reclamou da falta de diálogo. E deixou claro que a CUT é contra o pacote do governo, mas ele voltou a reiterar que considera “golpe” o impeachment de Dilma. O homem, em suma, vê como golpistas a Lei 1.079 e a Constituição da República Federativa do Brasil. Que talento! Que pensador! Que formulador de políticas públicas! Seria mesmo um desperdício tê-lo entrincheirado em alguma casamata, liderando uma guerrilha pela recondução de Dilma ao poder.
Não que isso fosse possível, acho. Sabem como é… Casamatas são lugares estreitos, onde os guerrilheiros se locomovem com grande dificuldade. Freitas iria entalar, com a sua garruchinha enferrujada… A CUT comanda ainda boa parte dos sindicatos de servidores. Vêm greves em penca por aí.
Outras centrais sindicais também protestaram contra o pacote. Nem poderia ser diferente, claro! Se cutuco a pança de Vagner Freitas é porque só ele se ofereceu para pegar em armas. Depois daquela fala, ele recorreu ao Twitter para dizer que era tudo metáfora. Logo vi. Metáforas não entalam em casamatas.
A manifestação tinha como lema a defesa “da democracia, do emprego e do salário”. É mesmo? Posso entender por que emprego e salário estão sob risco. Mas quem ameaça a democracia? Só se for Freitas, que, em pleno Palácio do Planalto, sob o silêncio cúmplice de Dilma Rousseff, prometeu se armar e se entrincheirar.
A concentração marca o início de uma tal campanha salarial unificada (!?) de categorias com data-base de reajuste no segundo semestre: metalúrgicos, bancários, químicos, petroleiros da FUP, enfermeiros, aeronautas, aeroviários, comerciários, serviços, médicos e psicólogos…
Uau! Psicólogos também! Imagino o estrago para a sociedade se psicólogos se unirem aos petroleiros. A mistura pode resultar na combustão do superego, que é aquela noção de limite que nos deve ser transmitida, sobretudo, pela figura paterna, né?
Digam-me: exceção feita a psicólogos que trabalham em empresas ou no serviço público, de quem um professional dessa área deve cobrar reajuste, com o punho cerrado e uma bandeira vermelha na mão? Do paciente? “Ou você repõe a inflação com ganho de produtividade de 3%. Afinal, só neste mês, descobri três atos falhos seus, e você teve dois insights!!! Ou é isso, ou eu o deixo sozinho com suas neuroses! Vá reclamar com outro da superproteção da sua mãe e da desatenção do seu pai! Quer saber mais? Eles estavam certos!”
Psicólogo, quando se entrincheira com petroleiro, é fogo!
Por Reinaldo Azevedo
RICARDO PESSOA – A diferença entre “cartel” e “extorsão” não alivia a situação das empreiteiras, mas ajuda a livrar a cara do PT
A gente pode fazer de conta que a contradição não existe e mesmo que as versões são compatíveis, mas não são. Tenho insistido aqui, já faz tempo, que a tese do cartel de empreiteiras afronta evidências que a própria Operação Lava Jato trouxe à luz, além de espancar o conceito elementar do que sejam empresas cartelizadas.
“Cartel” não se presta a subjetividades, não é o que alguns querem que seja; não é nem mesmo o que um réu confesso de cartel diz ser. Cartel é uma prática objetiva: um grupo de empresas se une e impõe um preço a consumidores ou usuários de um serviço, de sorte que estes são vítimas daquela organização, não tendo chance de se defender dela. Não é assim porque eu quero. É assim porque é a isso que se chama cartel. Se for outra coisa, então o nome também é outro. A questão pode ser explicada pelas lentes do direito ou da filosofia da linguagem, entre outros saberes.
Negar que tenha havido cartel livra a cara das empreiteiras? Só na mente perturbada de imbecis. As empresas investigadas na Lava-Jato cometeram uma penca de outros crimes. Há várias transgressões que lhes podem ser imputadas previstas na Lei 1.521/51, de crimes contra a economia popular; na Lei 8.137 (crimes contra as ordens tributária e econômica e relações de consumo); na Lei 12.529, de defesa da concorrência — especialmente de seu Artigo 36. Isso para citar dispositivos legais ligados à atividade empresarial propriamente. Há os outros todos, já conhecidos: corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha etc.
Assim, inferir que se está advogando alguma espécie de impunidade ao negar formação de cartel é matéria ou de ignorância ou de má-fé — com alguma frequência, das duas coisas, porque não são raros os que põem a má-fé a serviço da ignorância e a ignorância, da má-fé.
Ao ponto. Ao depor da CPI da Petrobras, o empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC e da Constran, que confessa seus crimes e deixa claro não querer posar de herói, afirma que ou pagava propina ou arruinava a empresa; ou pagava propina ou ficava fora dos negócios da Petrobras (e de onde mais?).
Restaria ainda, dirá alguém, a denúncia do esquema de extorsão. Pois é… Com que provas, com que elementos, com que evidências? Peguem o caso da doação de R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma. Pessoa diz tê-lo feito sob pressão de Edinho Silva, então tesoureiro da campanha de Dilma, o que o agora ministro nega. Ainda o empresário fale a verdade, o dinheiro foi transferido segundo as exigências da lei.
Quando sustento que afirmar a existência de um cartel distorce a natureza monstruosa do crime, estou a destacar o óbvio: ainda que as empreiteiras se refestelassem, então, na falta de concorrência e no arranjo, os homens que se ocupavam das funções de estado — e os diretores da Petrobras lá estavam porque nomeados pelo poder político — é que detinham os instrumentos para fazer perdedores e vencedores.
Ora, caramba! Não eram as empreiteiras que impunham um preço à Petrobras. Era a Petrobras, por intermédio de larápios, que impunha a disciplina a quem quisesse negociar com ela. Chamar isso de “cartel” é não mais do que uma licença poética e… jurídica!
Sim, meus caros, a questão de fundo, já tratei disso muitas vezes aqui, é o tamanho do estado; é a sua onipresença. Aí está o mal. Mas não me ocuparei disso agora. Chamo atenção de vocês para o fato de que, quando se sustenta a existência de um cartel, desloca-se para as empresas o centro organizador da bandalheira. E isso é apenas uma mentira. Partícipes, sim; protagonistas também, sim; felizes convivas da safadeza, sim. Tudo isso pode ser verdade. Mas núcleo da sem-vergonhice? Ah, isso não!
A roubalheira que estava em curso na Petrobras — e que deve ser idêntica em qualquer área do estado brasileiro que se queira investigar, decorre de haver um grupo político que transformou aquelas práticas nefastas num método.
Ora, não por acaso temos tantos empresários enrolados, que passaram ou ainda estão na cadeia, mas sejam tão poucos os políticos realmente enrolados até agora — e, curiosamente, não há nenhuma figura de proa do Poder Executivo.
Com ou sem cartel, a situação dos empreiteiros enrolados muda muito pouco. Mas ter havido ou não cartel faz toda a diferença quando se analisa o papel que teve nessa história toda o PT, a organização, afinal de contas, que conferia — e confere — essa particular forma de “racionalidade” que tomou conta do estado brasileiro.
Por Reinaldo Azevedo
José Dirceu vira réu na Lava Jato por corrupção e lavagem
Por Laryssa Borges, na VEJA.com:
O juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância, aceitou denúncia do Ministério Público nesta terça-feira contra o ex-ministro José Dirceu pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa. Outras 14 pessoas, entre elas o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, também foram formalmente acusadas, todas denunciadas na 17ª fase da Lava Jato, batizada de Pixuleco – em alusão à forma como os petistas tratavam o dinheiro usado para pagar propina.
Esta é a primeira ação criminal contra Dirceu no escândalo do petrolão, mas os próprios investigadores não descartam que o ex-homem forte do governo Lula possa ter praticado outros crimes no esquema que movimentou pelo menos 6 bilhões de reais e sangrou os cofres da Petrobras. O petista volta ao banco dos réus quase três anos depois de ter sido condenado por corrupção ativa no julgamento do mensalão.
As suspeitas são de que Dirceu atuava em um dos núcleos do esquema de corrupção na Petrobras para arrecadar propina de empreiteiras por meio de contratos simulados de consultoria com a empresa dele, a JD Consultoria e Assessoria. Os indícios nas investigações apontam que o petista recebeu 11,8 milhões de reais em dinheiro sujo, tendo lavado parte dos recursos não só em contratos fictícios de consultoria, mas também na compra e reforma de imóveis para familiares e na simulação de alugueis de jatinhos. De acordo com as investigações, o esquema do ex-chefe da Casa Civil na Lava Jato movimentou cerca de 60 milhões de reais em corrupção e 64 milhões de reais em lavagem de dinheiro. Ao todo, o Ministério Público, que apresentou acusação formal contra Dirceu na última semana, calcula que houve 129 atos de corrupção ativa e 31 atos de corrupção passiva entre 2004 e 2011, além de 684 atos de lavagem de dinheiro entre 2005 e 2014.
Enquanto José Dirceu fazia uma “vaquinha” para pagar 970.000 reais de multa imposta no julgamento do mensalão, ele amealhou 39 milhões de reais com um trabalho de consultoria que a acusação diz ser majoritariamente fruto de lavagem de dinheiro. Entre 2009 e 2014, período em que Dirceu foi julgado, condenado e em que começou a cumprir a pena do mensalão, a JD Consultoria movimentou mais de 34 milhões de reais.
“José Dirceu teria recebido, no esquema criminoso da Petrobras, pelo menos 11.884.205 reais, considerando apenas a Engevix Engenharia. Segundo a denúncia, nenhum dos repasses teria causa, sendo simulados os contratos de prestação de serviços entre Engevix, Jamp e JD Consultoria, ou no mínimo teriam sido superfaturados para embutir propinas”, destaca o juiz Sergio Moro.
Outros réus
Também se tornaram réus os lobistas Fernando e Olavo Moura; o lobista Julio Camargo; o irmão de Dirceu, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva; o ex-assessor Roberto “Bob” Marques; Júlio César dos Santos; o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque; o ex-gerente Pedro Barusco; os executivos da Engeviz Gerson Almada, Cristiano Kok e José Antunes Sobrinho; e os lobistas Milton Pascowitch e José Adolfo Pascowitch. O juiz rejeitou a denúncia contra a filha de Dirceu, Camila, e contra a arquiteta Daniela Facchini.
De acordo com a acusação, a montagem da organização criminosa começou em 2003, quando Renato Duque buscou apoio político do grupo de Dirceu para ser nomeado diretor de Serviços da Petrobras. Já no cargo, também segundo a peça acusatória, o então dirigente atuou em favor do cartel de empreiteiras que fraudava contratos na Petrobras, recebeu propina de operadores e repassou propina a Dirceu, Fernando Moura e Vaccari.
“A lavagem dos valores ilícitos auferidos pelos agentes criminosos em detrimento da Petrobras ocorreu em parte mediante a celebração de contratos de consultoria ideologicamente falsos com empresas controladas pelos operadores financeiros, em parte mediante transferências de altos valores em espécie entre os envolvidos, em parte mediante depósitos em contas bancárias abertas em nome de offshores no exterior e, finalmente, em parte mediante a realização de doações eleitorais ao Partido dos Trabalhadores, com participação de Vaccari, ex-tesoureiro do partido, que atuou como ‘coletor’ de fatia da propina direcionada a agremiação política que sustentava Duque na importante diretoria de Serviços da Petrobras”, relata o MP.
Por Reinaldo Azevedo