Um comunista no STF?, por RODRIGO CONSTANTINO

Publicado em 29/04/2015 19:51
+ FELIPE MOURA BRASIL, em veja.com

PT faz boneca russa de escândalos: um dentro do outro

“A descoberta pela Lava Jato do uso da gráfica Atitude para mascarar propina ao PT pode arrastar os fundos de pensão para dentro do escândalo do petrolão”, segundo a IstoÉ.

É a boneca russa de escândalos do PT: um dentro do outro, ligados por gráficas fantasmas.

A revista descobriu que Previ, Petros e Funcef usaram os serviços de outra gráfica ligada ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, a Bangraf.

“Ela foi contratada no governo Lula para imprimir os informativos das três maiores caixas de previdência pública do País. Estima-se que tenha embolsado mais de R$ 10 milhões com o negócio.”

Essa mesma Bangraf foi usada pelo PT para imprimir material eleitoral para campanhas do PT.

“Ou seja, o dinheiro que pagou a propaganda política petista se misturou com os recursos dos fundos de pensão destinados a bancar a impressão dos boletins oficiais.”

É a enésima prova de que os petistas misturam partido e Estado, ou melhor: tomam o Estado pelo partido.

“Como os esquemas do PT não param de surpreender, a Bangraf não tem CNPJ próprio. Ela usa o do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Na verdade, a Bangraf nunca existiu formalmente como pessoa jurídica, sendo apenas uma espécie de ‘departamento gráfico’ do sindicato. Isso quer dizer que os fundos de pensão contrataram, não a Bangraf, mas o próprio Sindicato dos Bancários.”

Sindicato – registro – ligado ao PT.

Pelas contas da campanha de 2014, “a Bangraf, ou melhor, o Sindicato dos Bancários embolsou R$ 2,8 milhões com a impressão de propaganda política, majoritariamente para os diretórios paulistas do PT e do Solidariedade (SD).”

E  a boneca russa não para por aí.

“No inquérito que investiga desvios da Bancoop, o laranja Helio Malheiro contou que João Vaccari Neto, quando dirigia a Bangraf, pressionou seu irmão Luis Eduardo Malheiro, então presidente da cooperativa, a ‘emprestar dinheiro da Bancoop para a Bangraf’”.

Ou melhor: para o Sindicato dos Bancários. Ou melhor: para o PT.

Bancoop é aquela Cooperativa dos Bancários que quebrou quando Vaccari a presidia, deixando milhares de cooperados sem ver a cor dos imóveis pelos quais passaram anos pagando. O prédio do triplex de Lula foi um dos poucos, claro, a serem concluídos pela OAS, que assumiu a obra a pedido do ex-presidente.

É um escândalo petista dentro do outro, do outro, do outro…

Lula visita empreendimento da Bancoop com Vaccari e Berzoini. Um dentro do outro, do outro, do outro…

Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil

 

 

Os fantasmas da gráfica estão no Globo. Você acredita em fantasmas?

O Globo traz hoje uma reportagem, com chamada de capa na edição impressa, sobre o caso da gráfica fantasma.

O título da matéria é: “Gráfica de campanhas eleitorais de 2014 fica em endereço desativado“.

Diz o jornal:

“Uma das principais fornecedoras de santinhos para campanhas eleitorais de 2014 não tinha estrutura para imprimir o material contratado e era paga para intermediar a prestação dos serviços. A VTPB Serviços Gráficos recebeu R$ 27,9 milhões no ano passado, a maior parte paga pela campanha pela reeleição de Dilma Rousseff (R$ 22,9 milhões).”

O Globo revela o tamanho da gráfica, suficiente apenas para imprimir notas:

“Desde o início do ano passado, ela está registrada em uma sala de 30 metros quadrados, alugada por R$ 600″.

Mais adiante:

“O dono da empresa é o empresário Beckembauer Rivelino de Alencar Braga, que afirma precisar manter um endereço formal para ‘comprar matéria prima e pagar os encargos’. Braga, que atualmente mora no interior de Minas Gerais, disse ter utilizado no ano passado a estrutura de gráficas parceiras para produzir e entregar o material encomendado pelas campanhas.

‘A empresa prestou efetivamente todos os serviços para os quais foi contratada, em representação e parceria com empresas do setor”, afirmou Braga em nota, argumentando que o material teria sido ‘auditado pelos partidos e aprovado pela Justiça Eleitoral’.”

O material da campanha de Dilma, então, foi auditado pelo PT. Estou muito mais tranquilo agora.

“O empresário disse trabalhar com a intermediação de serviços ‘desde os 16 anos de idade’ e afirmou não ter vinculação política com partidos.”

O Globo não disse que o empresário é irmão do jornalista governista Kennedy Alencar.

“Por meio de nota, o tesoureiro da campanha de Dilma, Edinho Silva, negou irregularidade na prestação de serviços pela VTPB.”

Edinho Silva também negou nesta semana que Dilma tenha amarelado para o pronunciamento de 1º de maio na TV por medo do panelaço.

“Afirmou que ‘todas as contas foram auditadas pelo TSE’ e que o trabalho de contratação de fornecedores teria seguido ‘parâmetros da Justiça Eleitoral’.”

O TSE é presidido pelo advogado de carreira no PT, Dias Toffoli, o mesmo que votou pela soltura de Ricardo Pessoa, o empreiteiro que ameaçou entregar a alta cúpula do partido caso permanecesse preso. O TSE ainda conta com os serviços de Admar Gonzaga, advogado da campanha presidencial de Dilma em 2010, e Luciana Lóssio, ex-assessora da petista.

O Globo listou os demais políticos que pagaram à VTPB, em quantias menores que Dilma:

“O restante do valor foi oriundo da campanha do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), com R$ 2 milhões; do governador da Bahia, Rui Costa (PT), com R$ 1,5 milhão; do candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB), com R$ 577 mil; e do senador José Serra (PSDB-SP), com R$ 521 mil. Outros nove candidatos pagaram valores entre R$ 800 e R$ 90 mil.”

Arlindo Chinaglia, Aécio Neves e José Serra, assim como Edinho Silva, negaram irregularidades, dizendo que os produtos foram efetivamente entregues pela gráfica que não é gráfica, contratada por quase 30 milhões de reais para executar o trabalho de uma gráfica.

O PSDB é mesmo o eterno testa-de-ferro voluntário do PT. Onde quer que os petistas cometam uma fraude imensa, há sempre tucanos baratos servindo de cúmplices.

Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil

 

 

Morre Antônio Abujamra, o ator e diretor que fez José Dirceu falar do Foro de São Paulo

O ator e diretor de teatro Antônio Abujamra, 82 anos, morreu na manhã de terça-feira (28), em São Paulo.

Todos os jornais darão conta de sua carreira artística, mas omitirão de sua biografia um episódio em particular de extrema importância política para o país, muitas vezes lembrado neste blog.

Foi para Abujamra, em seu programa “Provocações”, que José Dirceu confessou que “criamos” (ele, Lula e Fidel Castro) o Foro de São Paulo, com o objetivo de levar a esquerda ao poder na América Latina.

A confissão do mensaleiro desmoralizou de vez as acusações esquerdistas de “teoria da conspiração”.

Valeu por essa, Abujamra. Descanse em paz.

ANTÔNIO ABUJAMRA: Anos atrás, você podia prever uma América Latina assim: Fidel, Chávez, Morales, Bachelet, Correa… Quem mais? TODOS de esquerda na América do Sul! Você podia prever que isso ia acontecer?

JOSÉ DIRCEU: Prever, não. Mas nós já lutávamos por isso e já trabalhávamos por isso. Inclusive porque nós criamos o Foro de São Paulo, que lutava pra isso; depois criamos ainda o Grupo de Marbella, porque é o nome da cidade do hotel onde nós ficamos no Chile, que se reuniu, TODOS foram presi… Todos depois foram eleitos presidentes da República. Todos foram. TODOS. O Ciro Gomes, que participava, e o [mexicano] Cuauhtémoc Cárdenas ainda não foram. Mas o [Vicente] Fox foi [no México]. O [Ricardo] Lagos foi [no Chile]. Tabaré Vazquez foi [no Uruguai]. [Cita outro, inaudível.] O Lula foi. Então você vê que não é o Chávez, o Evo Morales…

ANTÔNIO ABUJAMRA [interrompendo]: Tabaré, Kirchner… Se essa turma se unir, o que é meio difícil, o que é que acontece com a América Latina?

JOSÉ DIRCEU: Não, a condição para a América Latina avançar é a união desses presidentes desses países. Por isso que a informação de que o Banco do Sul está avançando… e a consolidação do Mercosul, e a integração energética, o gasoduto, e mesmo a zona de livre-comércio entre os nossos países… Não há nada mais importante pra nós que a integração da América Latina. Hoje, o NAFTA, a União Europeia e o Pacto Asiático: 70% do comércio é intrabloco. Só 30[%] é exportado para fora do bloco. Aqui na América Latina ou do Sul, ainda é 20 ou 25%. Então nós temos muito para integrar. 

* Mais sobre o Foro de São Paulo no vídeo do meu discurso de 12 de abril:

* Saiba mais:
Conheça o Foro de São Paulo, o maior inimigo do Brasil
Petrolão expõe Foro de São Paulo: Construtora que pagou Dirceu arrematou contrato milionário com Chávez
Os louros do Foro de SP: “Dirceu me levou a Chávez e o dinheiro começou a sair”, diz empresário

Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil

 

Um comunista no STF?

Por João Luiz Mauad, publicado no Instituto Liberal

Muitos poderão pensar que a expressão *comunista* do título é uma metáfora ou uma hipérbole, como muitos liberais costumam referir-se aos esquerdistas.  Nesse caso, infelizmente, estou usando o termo no seu sentido literal para definir a ideologia do futuro ministro do Supremo Tribunal federal, Luiz Edson Fachin, recém indicado para o cargo pela presidente Dilma Rousseff.

Desde a indicação, tenho lido vários artigos do professor Fachin disponíveis na internet.  Foquei menos nos textos sobre direito de família e mais naqueles que falam de direito de propriedade, especialmente os voltados para a análise da famigerada “função social da propriedade”, que parece ser uma obsessão do ilustre jurista, não por acaso um dedicado advogado das causas do Movimento dos Sem terra, conhecido pelas indefectíveis invasões de propriedade.

Infelizmente, o que encontrei foram diversos textos de linguagem francamente marxista, malgrado muitas vezes rebuscados pelo português empolado que caracteriza muitos juristas pátrios.  Nesses textos, percebe-se claramente a preocupação preponderante do autor em tornar realidade, principalmente através da ação ativa do Poder Judiciário, o princípio constitucional que subordina o direito de propriedade privada à sua “função social”.  Fachin chega a defender, citando Cortiano, que a “função social da propriedade passa pelo redimensionamento mesmo do direito de propriedade, e não mais como um limite aposto aos poderes proprietários”.

O Dr. Fachin parece às vezes inconformado com a leitura diferente da dele que a maioria faz dos princípios constitucionais de 1988, notadamente aquele que se refere à função social da propriedade, que parece ser, pelo menos na sua visão, o princípio basilar daquela Carta.  Num artigo de 2011, por exemplo, ele lamenta que “no decorrer deste caminhar, o descompasso entre o projeto (aquilo que se versou) e a obra (aquilo que, a partir do discurso, se concretizou). Acabou-se por não superar, na vagarosa história brasileira, o antigo óbice relativo ao distanciamento entre a “proclamação discursiva das boas intenções e a efetivação da experiência” granjeada nestas duas décadas.

Do descompasso entre o prodigioso discurso principiológico e a realidade que o circunda, se extrai uma importante lição. Materializar a comunhão da teoria e da práxis na prospectiva efetivação de nossa Constituição é tarefa que ainda não se cumpriu”.

texto abaixo é parte de um artigo maior, publicado por Fachin em 2013, em co-autoria com outros dois autores, e encontra-se disponível na página do seu escritório de advocacia.  Os leitores poderão atestar, através da sua leitura, que não exagero ao chamá-lo de comunista.  Os grifos são meus.

O que se nota no cenário rural brasileiro (…) é que o modo de produção capitalista que se consagrou no século XX foi aquele baseado pela necessidade crescente de apropriação de bens e riquezas. Como bem assentou Carmem Lucia Silveira Ramos, “o exercício de direitos ficou vinculado à apropriação de bens, restando, à maioria da população, como direito único, o de obrigar-se, vendendo sua força de trabalho” . Deste modo, o direito se presta a possibilitar essa lógica de apropriação e acumulação.

Não é por outro motivo que as Cartas Constitucionais que se seguiram no Brasil, até a de 1988, respeitando o locus espaço-temporal em que se situam, abordaram a propriedade, incluindo-se aí a propriedade rural, como res acumulável, objeto que tem seu fim namercadorização.

O instrumental jurídico que respalda essa exacerbação da desigualdade, somente passa a ganhar novos contornos com o surgimento de uma nova perspectiva teórica do direito, que caminha pari passu com a tentativa (embora, a nosso ver frustrada, como tentaremos demonstrar adiante) de uma efetiva democratização da sociedade brasileira, tendo como alicerce a Constituição da República de 1988.

Esta nova Carta Constitucional traz em seu bojo a tentativa de produzir alterações estruturais, propondo uma reforma econômica e social de tendência nitidamente intervencionista e solidarista. Estas mutações refletem em todo o sistema jurídico pátrio, atingindo de maneira frontal o tratamento jurídico da propriedade.

Dentre os elementos presentes na carta constitucional que repercutem na seara da propriedade estão a sua funcionalização e repersonalização. Com o esboço desse novo modelo de Estado buscado pela Constituição, a propriedade passa a exibir uma real e definida função social, que tem como base a proteção dos socialmente excluídos. Neste sentido, apregoa Eroulths Cortiano Júnior:

A visão da função social da propriedade passa pelo redimensionamento do mesmo direito de propriedade, e não mais como um limite aposto aos poderes proprietários. A concepção de que a propriedade deve ser utilizada de forma solidarística incide sulla structura tradizionale della proprietà dall’interno, a tal ponto que se pode sustentar que a função social é a razão mesma pela qual o direito de propriedade é atribuído a um certo sujeito. Com a função social, a idéia de condicionamento de um direito a uma finalidade, geralmente adstrita ao direito público, ingressa no direito privado e conforma o direito de propriedade.

Traço fundante desse novo paradigma é o ideário de função social, que desloca da seara exclusivamente de ordem econômica, para o capítulo dos princípios e garantias constitucionais fundamentais.

Há, com a Constituição Federal de 1988, um rompimento teórico com o “standart” privado clássico, abrindo as portas para uma reforma que ainda não se realizou.

Neste novo paradigma imposto pela constituição é que se enquadra o chamado “Direito Civil Constitucional”. A (re)leitura constitucional do Direito Privado mostrou-se e ainda mostra-se importante para a compreensão da superação do sistema clássico introjetado no tripé clássico do direito civil. A ascensão do “ser” em relação ao “ter” flui para a construção teórica do Direito Civil, atingindo também a tutela jurídica da propriedade.

O que se percebe, na realidade, é que parte importante da doutrina passa a pensar em possibilidades para a construção de um direito que liberte. Na descrição crítica da edificação do Direito Civil nucleado, tradicionalmente, em torno do patrimônio, e na busca de uma nova concepção de patrimônio que coloque no centro das relações jurídicas e pessoal e seus respectivos valores personalíssimos, especialmente, dentre eles, aquele jungido de uma existência digna.

Este giro subjetivo do fenômeno jurídico, aqui tratado a partir da perspectiva do direito à propriedade, importa as noções de despatrimonialização, pluralismo e solidariedade.

Na perspectiva jurídica, é para as pessoas que o direito foi feito. Surge assim, como destaca Eduardo Novoa Moreal, “(…) a imagem do homem coletivo, pertencente a uma coletividade viva e integrada, conforme uma ordem socialmente orientada, na qual se tende a nivelar os indivíduos em um plano que permita, nas melhores condições possíveis, o maior desenvolvimento de todos eles.”Compreendem-se, assim, como fundamentais as palavras de Jesús Antonio de la Torre Rangel:

El tema Del derecho de la propriedad está, como decíamos, em relacíon com los pólos Del “ser” t el “tener”, muy especialmente em el de la propriedad de los medios de producción. La explicación que nos proporciona Antoncich (1088:8) es clara: El trabajo supone instrumentos, materia prima, productos; es una cadena del ‘tener’ cosas a fin de satisfacer lãs necessidades del ser. Pero lo importante no es el tener de las cosas, sino el ser de las personas. De ahí la esencial perversión humana de sobrevalorar la propriedad y el tener de las cosas, más que la vida e el ser de las personas. La más triste expresión de este desorden es la sociedad que antepone el capital al trabajo, lo que equivale a decir, el tener sobre el ser.

Neste influxo, faz-se mister olhar o direito e, conseqüentemente, a propriedade, sob a ótica do sujeito concreto, ser humano reconhecido em sua concepção ética e digna como valor supremo a ser protegido.

[…]

Ancorados nesses pressupostos que lançamo-nos à caminhada jurídica de afirmação da vida no campo, com a certeza de que as mudanças necessárias são possíveis desde que ousemos sonhar com um outro porvir, constitucionalmente mais adequado. Subscreve-se, por fim, lição necessária para seguir em frente:

As mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, e todos sabemos também que o voluntarismo e as boas intenções nunca foram o motor da história. Mas, a consciência disto mesmo não tem que matar nosso direito à utopia e nosso direito ao sonho. Porque a utopia ajuda a fazer o caminho. Porque sonhar é preciso, porque o sonho comanda a vida.

A doença do Brasil: o centralismo tribal

Até quando vamos tolerar esses caciques?

Qual a grande vantagem do sistema capitalista de livre mercado? Sua descentralização impessoal, em síntese. Milhões de indivíduos, movidos por seus próprios interesses e guiados por uma “mão invisível” acabam produzindo um resultado mais eficiente e benéfico para a imensa maioria. Esse sistema de trocas é impessoal, ou seja, não compramos ou vendemos para o outro olhando cara e coração, suas intenções, cor da pele, credo religioso, mas sim o mérito, o valor subjetivo.

É justamente tal impessoalidade que incomoda muita gente, em especial dos “intelectuais” românticos. Eles gostariam de ver a boa intenção nas trocas, o altruísmo, a camaradagem. Não entendem que isso seria matar a galinha dos ovos de ouro, voltar para um tribalismo onde o conhecimento pessoal limitava sobremaneira as trocas. Não dou crédito com base na confiança das regras impessoais do jogo, e sim na afetividade. Ora, só dou crédito, então, para poucos amigos!

Essa mentalidade tribal leva ao escambo, contra o lucro impessoal do capitalismo. É muito mais limitado, restringindo as trocas possíveis na economia. E está por trás do patrimonialismo também, pois a coisa pública (república) acaba vista como “cosa nostra”, e a patota no poder como uma grandefamiglia. Eu só favoreço os “meus”, e daí surge o privilégio (de prive leges, leis privadas). É um sistema condenado à ineficiência e à corrupção, pois calcado na camaradagem, não na confiança no próprio sistema impessoal.

Esse tem sido um dos temas mais presentes nos trabalhos do antropólogo Roberto DaMatta, e, com base em fala de Mujica, foi também o assunto de sua coluna de hoje. Abaixo, alguns trechos interessantes:

O Brasil é doente, diagnosticou o insuspeito ex-presidentre do Uruguai José Mujica, numa entrevista à BBC que O GLOBO repercutiu na sua edição do dia 24 do corrente. Para Mujica, com 80 anos e muitos quilômetros rodados na vereda política e tendo como norte a irmandade esquerdista latino-americana, a patologia nacional brasileira tem como centro o “tráfico de influência” que seria uma “tradição” do nosso sistema político. Concordo em gênero, número e grau com Mujica.

[...]

A lógica do dar e receber (ou do dar para receber) é o coração do “favor”. Se eu te faço um favor, se eu te devo favores, esses favores nem sempre se encaixam nas divisões ideológicas e jurídicas que regem o Brasil como país.

[...]

Num nível tudo parece muito simples: gastamos muito, erramos muito mas, acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída para todos os problemas nacionais, esquecendo a força dos velhos costumes, os quais têm o poder das velhas tecelagens, como revela Mujica.

Tanto no plano econômico quanto no político, as regras são claras e formais. Mas o mundo das “influências” advindas da casa, uma ética da reciprocidade interfere com a do Estado e distorce o chamado “espirito do capitalismo”. Nessa tecelagem, a empresa não visa ao lucro, mas ao emprego para os amigos e recursos para o partido.

[...]

É impossível resistir aos amigos, mas é muito mais difícil liquidar essas sobras aristocráticas que são, a meu ver, a marca mais forte e permanente do nosso republicanismo: cargos que impedem punição, crimes que prescrevem, responsabilidades que não são cobradas. Num certo sentido, não temos noção da tal “coisa pública” — esse conceito imprescindível para uma vida igualitária e democrática — republicana.

Em suma, precisamos deixar de ser uma grande tribo controlada por “caciques e amigos” e nos transformar, de fato, numa República com regras impessoais, válidas igualmente para todos, com ampla liberdade individual e um sistema dominado pelas trocas voluntárias.

Rodrigo Constantino

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Fonte: Blogs de veja.com.

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