Resultado do PIB é ainda pior do que parece. Ou: É estagflação sim!
Resultado do PIB é ainda pior do que parece. Ou: É estagflação sim!
A economia brasileira ficou oficialmente estagnada em 2014, tendo “crescido” apenas 0,1%, segundo o IBGE. No período que comporta o primeiro mandato de Dilma, o crescimento foi de medíocres 2,1% ao ano, a taxa mais baixa desde Collor, e a terceira pior da história de nossa República. Quase que Dilma teve a oportunidade de efetivamente usar o bordão de Lula, seu criador: “Nunca antes na história deste país…”
Se o dado por si só já é péssimo, ele fica ainda pior quando abrimos por seus diferentes componentes. A indústria, por exemplo, que costuma gerar empregos de maior valor agregado, teve queda de 1,2% em 2014. E o mais assustador: os investimentos sofreram redução de 4,4%. Do lado positivo, puxando o PIB para cima, tivemos o governo, com aumento de 1,3%, e as famílias, cujo consumo se expandiu 0,9%.
Peço licença ao leitor não familiarizado com o “economês” para entrar um pouco em teoria aqui. A obsessão com o resultado final do PIB ignora que há enorme diferença de qualidade quando um país cresce puxado por indústria e investimento ou quando “cresce” puxado por gastos de consumo das famílias e do governo. Para o PIB final, tanto faz. Mas para a sustentabilidade e qualidade desse crescimento, faz toda a diferença do mundo.
Como o governo não pode dar nada sem tirar do setor privado, pois suas fontes de recursos são os impostos, a inflação (que não passa de um imposto disfarçado) e o endividamento (que terá que ser pago eventualmente), claro que o aumento dos gastos públicos terá como contrapartida, inevitavelmente, a redução ou dos investimentos privados ou do consumo privado. Mas o foco demasiado no curto prazo, fruto de uma visão míope, faz com que os keynesianos negligenciem esses impactos negativos ao longo do tempo. Se o governo quer estimular o crescimento econômico e, portanto, a criação de empregos, basta ele expandir seus gastos.
Keynes argumentava que em períodos de insuficiente demanda agregada, caberia ao governo compensar esta queda com o aumento dos gastos. É a famosa política anticíclica. Foi a justificativa teórica perfeita para políticos ansiosos para torrar o dinheiro da “viúva” e conquistar votos pelas vias populistas. Claro que na época da bonança e do forte crescimento econômico, o termo “anticíclico” era ignorado. A política acabava unidirecional, como se feita por economistas manetas. Mas o próprio conceito de demanda agregada insuficiente é falacioso. Parece que o rabo é que balança o cachorro, e não o contrário.
A lógica, de forma simplificada, funciona assim: a crise econômica ocorre como reação a uma queda da demanda agregada, sabe-se lá por qual motivo. Os empreendedores perderam seu “espírito animal” de repente. E cabe ao governo estimular a economia com aumento de gastos. Isso fará a demanda agregada subir, empregos serão criados e o consumo poderá retomar sua trajetória. Com mais consumo, as empresas produzem mais, empregando mais gente. Os salários podem aumentar, gerando um ciclo virtuoso. Parece tão simples que toda a miséria do mundo fica parecendo apenas resultado da falta de “vontade política”.
Isso é uma grande falácia. Se alguém questiona quais fatores permitem o aumento da “renda nacional”, a resposta deverá ser: a melhoria dos equipamentos, das ferramentas e máquinas empregadas na produção, por um lado, e o avanço na utilização dos equipamentos disponíveis para a melhor satisfação possível das demandas individuais, por outro lado. O primeiro caso depende da poupança e da acumulação de capital, o segundo das habilidades tecnológicas e das atividades empresariais. Se o aumento da renda nacional em termos reais é chamado de progresso, devemos aceitar que este é fruto das conquistas dos poupadores, investidores e empreendedores.
Os gastos do governo costumam desviar recursos destes fins mais produtivos. Keynes chegou ao ponto absurdo de defender que seria justificável o governo, durante uma crise, contratar gente para cavar buracos e mais gente para tampá-los. Evidentemente que o fantástico desta proposta não passou despercebida na época. Questionado sobre o efeito de tais medidas no longo prazo, Keynes cunhou sua famosa frase: “No longo prazo estaremos todos mortos”. O longo prazo, porém, um dia chega. O de Dilma chegou.
O consumo das famílias cresceu pelo décimo-primeiro ano consecutivo, e os gastos públicos só crescem sob o lulopetismo. Isso pode impactar positivamente o PIB, salvando-o de um resultado ainda pior, mas nada diz sobre sua qualidade. As famílias e o governo estão gastando mais em um cenário de queda dos investimentos e da produtividade, ou seja, esse gasto maior é insustentável. O que permite mais consumo é justamente mais investimento produtivo. E isso o Brasil não tem tido.
Outra forma mais acurada de analisar o PIB é observando o crescimento per capita. Afinal, crescer apenas pela maior quantidade de gente não quer dizer muito. O que importa é quanto está crescendo por brasileiro. Pois bem: o PIB per capita caiu pela primeira vez desde 2009: recuo de 0,7%, para R$ 27.229. Estamos ficando mais pobres, e isso sem levar em conta o resto do mundo. Se analisarmos em dólar, o resultado é muito pior!
Outra forma de analisar melhor o dado, para deixar claro como ele precisa melhorar muito para ser apenas medíocre, é compará-lo ao resto do mundo. A desculpa esfarrapada usada por Dilma de que estamos vivendo os efeitos de uma crise internacional não se sustenta por um segundo. Na América Latina mesmo, o Brasil só “cresce” mais do que a Venezuela, mergulhada em severa crise causada pelo bolivarianismo. Em geral, o Brasil teve o terceiro pior crescimento do G20. Crise internacional uma ova!
Como se não bastasse toda essa visão terrível pelo retrovisor, a expectativa em relação ao futuro não é nada melhor. Ao contrário: a situação deve piorar bastante. O próprio ministro Joaquim Levy reconhece que a economia verá “forte desaceleração” neste começo de ano. Ora, o que entender como “forte desaceleração” quando já estamos estagnados? O ministro acha que os investimentos já voltam a subir no segundo semestre, mas será mesmo? Com esse ambiente político e econômico?
O que parece mais certo de prever é a queda no consumo das famílias. Justamente a parte que era insustentável naquele “crescimento” de 2014. E, com isso, teremos uma redução mais acentuada no PIB, provavelmente entre 1% e 2% este ano. Isso, nunca é demais lembrar, com uma inflação de 8%. E ainda há economistas que negam o uso do termo estagflação para definir nossa situação atual. É estagflação sim! O Brasil tem uma economia estagnada na melhor das hipóteses, e uma inflação de quase dois dígitos. Se isso não é estagflação, não sei o que é…
Rodrigo Constantino
O crescimento do PIB e os falsos defensores dos pobres
Por que nenhum blogueiro progressista, nenhum colunista que se diz a favor dos pobres repercute e lamenta o crescimento mixuruca do PIB?
Sempre que o IBGE divulga os números, eu fico atento para ver se eles comentam, mas nada: tratam como se o dado fosse relevante somente para economistas, e não a pior notícia que os pobres poderiam ouvir.
PIB patinando ou em queda significa menos vagas de trabalho e menor concorrência entre patrões por empregados. O camarada que se sente explorado pelo patrão fica sem a possibilidade de encontrar um emprego melhor e dar adeus ao chefe. O garçom e o vendedor de carros vão para casa com menos comissões do bolso, pois ninguém vai ao restaurante, ninguém compra carros.
Do contrário, PIB em alta é uma festa. Patrões concorrem entre si por empregados, oferecendo salário melhor, carteira assinada, menor carga horária e até alguns mimos (em 2010, construtoras ofereciam massagista para os pedreiros).
Por que, então, os blogueiros progressistas não lamentam a tragédia do PIB em baixa?
Minha razão preferida é esta: intelectuais de esquerda gostam de explicar a pobreza de uns pela riqueza de outros. A mensagem que mais lhes rende adeptos é a que culpa os ricos pela miséria do país.
Defender a alta do PIB não se encaixa nessa visão de luta de classes. Significa admitir que pobres e ricos estão no mesmo barco: todos se beneficiam com o crescimento da economia. O número de milionários dá um salto enquanto massas de miseráveis chegam à classe média.
Concordar com a importância do PIB também significa admitir que a melhor ajuda que se pode dar aos pobres é desimpedir o crescimento da economia: diminuir a burocracia nas contratações e na abertura de empresas. E intelectuais de esquerda jamais vão admitir que estar do lado dos pobres equivale a estar do lado dos homens de negócio.
(por LEANDRO NARLOCH @lnarloch)
Regressão patente (EDITORIAL DA FOLHA)
Se a necessidade é a mãe da invenção, o Brasil parece ter graves problemas de fecundidade.
Não faltam problemas para resolver no país. O que lhe falta é uma cultura empreendedora nas universidades e uma indústria que busque suas fontes de lucro na produtividade e na tecnologia, não nas cercanias do Estado.
Compare-se o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), entidade privada, com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O segundo, admirado por seu papel na criação de uma indústria nacional de aviões, nasceu à sombra do braço militar do governo federal.
O primeiro reitor do ITA, Richard Harbert Smith, foi recrutado em 1945 no MIT. Setenta anos depois, o atual reitor do instituto americano, L. Rafael Reif, visita o Brasil em busca de parcerias. Na sua avaliação, são ainda poucos os brasileiros no MIT --76, entre 11 mil alunos.
O Brasil tem suas instituições de excelência. Já se foi o tempo, ademais, em que predominava a falsa oposição entre pesquisa básica e aplicada. Tecnologia e inovação são hoje missões incorporadas em qualquer universidade pública.
Os resultados, porém, são tímidos. A produção de pesquisas com aplicações tem seu melhor indicador no volume de patentes. De 3.138 pedidos concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 2012, apenas 654 (21%) eram de residentes no país.
Na esfera internacional, o Brasil contou 659 pedidos em 2011, contra 48.213 dos EUA; em 2014, o MIT sozinho buscou registro para 743 invenções de professores e alunos.
Não basta reconhecer a importância da inovação. A ação das instituições de pesquisa, para alcançar o mercado, precisa de terreno fértil no mundo empresarial --onde o Brasil tropeça ou anda para trás.
De 2000 a 2010, o contingente de pesquisadores atuantes em empresas caiu de 41% do total para 26% (os demais estão no ensino superior e no governo). Na China, a proporção evoluiu de 51% para 61%.
A razão disso pode ser encontrada no que Nelson Marconi, da FGV, chama de "regressão produtiva", segundo reportagem do jornal "Valor Econômico": a perda de espaço da indústria no PIB é ainda mais acentuada nos setores tecnológicos, em que cresce o suprimento por produtos importados.
Em paralelo, amplia-se a participação no PIB do setor terciário tradicional, como serviços pessoais --e não software, design ou logística, mais ligados à indústria.
Esse é, provavelmente, o pior legado de um modelo de crescimento da economia baseado mais em consumo do que em produtividade.
BERNARDO MELLO FRANCO
A madrasta da crise
BRASÍLIA - Alguém se lembra do PAC? Somadas, essas três letrinhas formavam o Programa de Aceleração do Crescimento. Turbinaram o segundo mandato de Lula e o ajudaram a vestir a faixa presidencial na pupila Dilma Rousseff.
Há sete anos, em março de 2008, Lula chamou sua então ministra de "mãe do PAC". "É ela que cuida, acompanha, que vai cobrar junto com o Márcio Fortes [então ministro das Cidades] se as obras estão andando ou não estão", disse, em visita a uma favela do Rio.
Dilma seguiu o script à risca. Para aparecer nas ruas, viajou o país e tirou fotos com chapéu de operário. Para aparecer nos jornais, apagou as luzes do palácio e pilotou sonolentas apresentações de PowerPoint, cheias de tabelas com números e cronogramas de obras.
A oposição dizia que o PAC era um slogan eleitoreiro e que a ministra fazia campanha antes da hora. A imprensa mostrava que as obras estouravam prazos e orçamentos. Não tinha importância. A economia estava crescendo. Os empreiteiros estavam felizes ""naquele tempo, lava jato era só o lugar onde alguém lavava seus carros. A mãe do PAC, que nunca havia disputado uma eleição, virou presidente da República.
Desde que Dilma assumiu, a economia patina. Os números divulgados na sexta-feira mostram que o PIB médio de seu primeiro mandato foi o menor desde a catástrofe do governo Collor. O ano passado, com crescimento de 0,1%, foi o pior de todos. O ministro Joaquim Levy avisou que 2015 será ainda pior. Nas palavras dele, o país deu uma "desacelerada forte". Se o trem estava parado, isso significa que começou a andar de marcha a ré.
O arrocho não poupa nem o programa-símbolo de Dilma, que teve suas verbas cortadas em fevereiro. A mãe do PAC virou madrasta da crise. A sorte dela é saber que não será mais candidata em 2018. O azar pode ter passado para Lula, que contava os dias até a próxima eleição.
SAMUEL PESSÔA
A conta do estelionato
Não é bom ganhar perdendo, nem para o governo nem para o país; a conta do estelionato ficou cara demais
A forte queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff neste primeiro trimestre deve-se à percepção pela população de que foi enganada. A presidente teve que desfazer cada uma das promessas feitas ao longo da campanha e tomar o caminho que falara que seria tomado pelos seus adversários.
Como argumentei há algumas semanas, o estelionato eleitoral de Dilma é qualitativamente diferente da alteração do regime cambial na virada de 1998 para 1999.
Do ponto de vista das regras de funcionamento da democracia, não há problemas. Estelionato faz parte do jogo. Se houver retomada da economia, haverá tempo suficiente para a recuperação da popularidade. O forte crescimento já em 2000 promoveu a recuperação da popularidade de FHC e, provavelmente, Serra somente não foi eleito em 2002 em razão da forte desaceleração da economia em 2001, fruto do racionamento energético.
No entanto, as implicações para o jogo da política no Congresso Nacional de tal estratégia não tinham sido previstas pelo comando de campanha petista ao definir o estelionato como o recurso maior da estratégia de campanha.
No início do mês, o presidente do Senado, Renan Calheiros, devolveu a MP (medida provisória) que aumentava para diversos setores a alíquota da contribuição sobre o faturamento para o financiamento da Previdência Social.
O objetivo da MP é desfazer um erro que foi cometido no governo anterior. A troca, para financiar a Previdência, da contribuição sobre a folha de salários por contribuição sobre o faturamento com alíquota menor gerou enorme perda de receita. Não há nem havia espaço fiscal para avançarmos nas desonerações.
De fato, trabalho recente publi- cado no quarto fascículo do ano passado da "Revista Brasileira de Economia", a mais conceituada pu- blicação acadêmica brasileira, in- titulado "A Substituição da Con- tribuição Patronal para o Fatu- ramento: Efeitos Macroeconômicos, sobre a Progressividade e Distri- buição de Renda no Brasil", documenta que não há efeitos econômicos positivos da política. Em par- ticular, a política não reduz as distorções de nosso complexo sistema tributário. Faz todo o sentido desfazer a desoneração.
O problema é que o Senado havia aprovado no dia 29 de outubro do ano passado a medida provisória que o ministro Mantega enviara ao Congresso Nacional em julho, tornando permanente a desoneração da folha. Evidentemente a aprovação da MP envolveu algum tipo de negociação política.
O que exatamente ocorreu entre o fim de outubro e fevereiro que justifique desfazer o que foi feito?
O mesmo ocorre com a aprovação na Câmara, na terça-feira passada, do projeto de lei que obriga a União em um mês a assinar aditivos contratuais de alteração do indexador das dívidas dos Estados e municípios.
A alteração do indexador foi aprovada no início de novembro no Senado e foi sancionada pela presidente em 26 de novembro. A presidente poderia ter vetado. O que ocorreu entre 26 de novembro de 2014 e agora que justifique a não regulamentação da lei complementar aprovada no fim do ano?
A menos que acreditemos que a presidente não conhecia a real situação das contas públicas do país, talvez encantada pelas mágicas do secretário do Tesouro Arno Augustin, não houve alteração apreciável da situação fiscal de lá para cá.
O jogo do Executivo de "agora vota A" e quatro meses depois "agora vota o oposto de A" é tratar o Congresso como marionete. A presidente terá que fazer mais política para explicar aos congressistas os motivos que explicam "A" seguido do "oposto de A".
João Santana, em entrevista ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho no livro "João Santana -- Um Marqueteiro no Poder", da editora Record, afirma que não é possível traçar linha clara entre manipulação e informação política. De fato, é difícil haver critérios objetivos que permitam essa distinção.
O que talvez não constasse do cálculo do marqueteiro é a conta que fica para o dia seguinte de estelionato dessa dimensão.
Como afirmava Marina Silva, não é bom ganhar perdendo. Não é bom para o governo e não é bom para o país. A conta do estelionato ficou cara demais.
O indivíduo comum como o único agente da história
“A ideia do herói revolucionário não é, de forma alguma, nova. Na realidade, é um dos mais interessantes paradoxos do marxismo que este tenha combinado uma teoria da história que nega a eficácia da liderança com uma prática revolucionária que depende inteiramente da liderança para seu sucesso, e que foi capaz de consolidar-se no poder somente por estabelecer hábitos de adoração ao herói revolucionário”.
A passagem, de Roger Scruton sobre Gramsci, traz um ponto muito interessante sobre uma das maiores – entre tantas – contradições do marxismo: a crença no determinismo histórico concomitante ao culto do líder revolucionário. As “forças históricas” são produzidas pela luta de classes, segundo os marxistas, e do feudalismo passamos ao capitalismo que, inexoravelmente, chegará ao socialismo.
A crença em qualquer fatalismo deveria levar à inação. Ora, se tais acontecimentos independem da volição das pessoas, até mesmo da ação de indivíduos, então por que lutar tanto? Para “acelerar” o processo histórico inevitável? Claro que não faz o menor sentido, e o classismo marxista, esse abjeto coletivismo que só enxerga classes abstratas e nunca indivíduos de carne e osso como os protagonistas da história, não passa de uma forma de tornar o violento revolucionário mais insensível ao dano que causa às pessoas.
Somente quando a “burguesia” é o alvo, o grande inimigo, que revolucionários podem dar vazão à sede de violência eliminando os kulaks, os pequenos proprietários russos de terras. Somente quando os seguidores de Pol-Pot enxergam nada além de “classes dominantes” é que um terço da população do Camboja pode ser exterminada sem tanto peso na consciência dos revolucionários. Não matavam pessoas, pais e mães, gente de carne e osso, mas uma “classe”. O mesmo com os nacional-socialistas na Alemanha, exterminando “ratos judeus”, e não seres humanos como você e eu.
Não perceber que são indivíduos os verdadeiros agentes da história, cuja trajetória é sempre indefinida, é um equívoco primário que o marxismo comete, e que possibilita todo tipo de prática nefasta por parte dos revolucionários – eles mesmos indivíduos também, seguindo seus instintos mais do que sua razão, e agindo impunemente e com paz na consciência, pois se sentem agindo como uma “classe” oprimida, nunca como pessoas responsáveis por seus atos.
Toda essa longa explanação foi para chegar na realidade brasileira atual. Os petistas, herdeiros tupiniquins do marxismo, julgavam-se os “protagonistas da história” como representantes da “classe oprimida”, enquanto os demais, mesmo os esquerdistas tucanos, eram da “elite”, da “classe opressora”, e portanto “reacionários”. A mobilização das massas nas ruas era monopólio do PT, pois somente ele agia em prol do avanço da história rumo ao seu destino inevitável: o socialismo.
Muitos realmente acreditaram e acreditam nessa baboseira. É por isso que olham perplexos, com um sentimento doloroso de dissonância cognitiva, para milhões nas ruas contra o PT. Precisam ser acusados de “classe golpista”, de “elite”, mesmo que sejam pessoas comuns, da classe média, um misto de tudo, de trabalhadores, de profissionais liberais, de aposentados, de jovens estudantes, de empresários grandes, médios ou pequenos. Todos viram um monolítico grupo de “reacionários golpistas”, pois se colocam contra o “progressismo” petista, aquele que fala em nome dos pobres e de seu futuro brilhante.
Reinaldo Azevedo falou algo similar em sua coluna de hoje na Folha, mostrando, com o próprio Marx, como alguns podem ser vítimas de sua própria visão de mundo. O PT está em crise grave, definhando, murchando, e antigos aliados pulam fora do barco que afunda. O partido pode até mesmo ser totalmente destruído. Mas esquerdistas históricos se recusam a ver o que acontece. Escreve Reinaldo, usando o petista Andre Singer como exemplo:
Tentei achar nos seus textos onde estão os sujeitos que fazem história fora das hostes da esquerda. Não há. Ou os homens que disputam as narrativas estão engajados num movimento que traz em si o germe da mudança necessária ou estão articulando as forças da reação, o que levaria o mundo a andar pra trás.
É impressionante que mesmo os esquerdistas que leram mais de três livros ignorem que os valores do homem médio –que, no fim das contas, asseguram a estabilidade disso que entendemos como civilização– também podem ser afirmativos, não apenas reativos ou derivados da mobilização esquerdista. Bakunin, numa crítica pela esquerda, apontava “a falta de simpatia” de Marx pela raça humana. A crítica era pertinente. O furunculoso nunca se interessou pelo homem que há, aquele que realmente faz história, mas sempre pelo homem a haver, que existe como projeto.
O petismo perdeu o bonde. Também perdeu a rua, como ficará claro, de novo!, no dia 12 de abril. O petismo já morreu. Tornou-se vítima de sua própria concepção de mundo.
Amém! Mas não chega a ser uma declaração de fé, e sim uma conclusão lógica derivada da análise fria dos fatos, algo que os petistas jamais foram capazes de fazer. Eles eram o “motor da história”, e isso era tudo que bastava para sua arrogância e seu ataque virulento aos opositores, tratados por eles como inimigos, como obstáculos ao futuro radiante de sua utopia.
É o que dá essa mania de enxergar somente coletivos abstratos, e nunca o indivíduo de carne e osso, o único agente verdadeiro da história, sempre imprevista. Para os liberais, o indivíduo sempre faz a diferença – para o bem e para o mal.
Rodrigo Constantino
Cortella, a esquerda e a demofobia
Escutava a CBN, programa “Fim de expediente”, quando quase bati de carro. É que a fala do filósofo Mario Sergio Cortella, o entrevistado, fez eu levar automática e incoscientemente a mão à barriga, procurando o estômago. Quando lembro que sua especialidade é falar sobre ética, bate uma tristeza ainda maior. Nossa esquerda não tem jeito mesmo!
E o que foi dito de tão assustador? Bem, após tecer loas ao mestre Paulo Freire, pintado não como um homem, mas quase como um santo e um gênio, basicamente pelos títulos conquistados (apelo à autoridade*), pois o reconhecimento oficial de “patrono da educação brasileira”, convenhamos, não deveria ser tão honroso num país com esse ensino lamentável que ocupa a rabeira dos rankings internacionais, Cortella resolveu falar sobre a esquerda e a direita.
Sua definição “histórica” dos termos foi a seguinte: esquerda é tudo aquilo que não tem “demofobia”, enquanto direita é tudo que tem “demofobia”. E lá vamos nós para o monopólio das virtudes uma vez mais, a velha e surrada tática de se apropriar dos fins nobres e demonizar os oponentes pelas supostas intenções terríveis. Mesmo que o partido se diga de esquerda, alega Cortella, ele será de direita se não quiser o bem do povo, se não desejar melhorar a vida dos pobres.
Esquerda, para ele, é um sentimento bom, uma alegada intenção nobre, um “amor” por tudo que é popular. Como Rousseau, que “amava” a Humanidade, especialmente o “bom selvagem”, mesmo tendo abandonado todos os filhos e criado problema com todos os amigos, chegando a ser visto como um “poço de vileza” por Voltaire. Detalhes bobos. Ser de esquerda, nos diz Cortella, é apreciar o povo, enquanto ser de direita é detestá-lo, torcer para que os pobres não possam frequentar os aeroportos.
O que dizer de tanta estupidez ou desonestidade? Só posso dizer que o discípulo teve o mestre que merecia. Quem sabe Cortella não possa ser o novo patrono de nossa educação? Até porque está cotado para o ministério, não é mesmo? (assim que o texto foi publicado, saiu a notícia de que Renato Janine é o novo ministro, ou seja, outro puxa-saco do petismo) Nada mais adequado do que um especialista em ética aceitar um cargo no governo do PT, não é verdade? Será apenas mais um a levar a mentalidade marxista de oprimidos e opressores para dentro da sala de aula, colaborando com afinco para o declínio ainda maior de nosso ensino público.
Cortella, em seguida, passou a minimizar nossos escândalos de corrupção com base na juventude nacional. Ou seja, o Brasil é um país com apenas 500 anos. Como podemos nos comparar com países milenares? Ele citou a China e a Índia como exemplos. Como é? Qual a lição aprendida pela China ao longo de tanto tempo? Um país sem democracia e ultra corrupto, vai ensinar o que exatamente? E a Índia, uma miséria total, de que serviu tantos milênios de idade? Já os Estados Unidos…
Mas ficamos assim: devemos ser menos exigentes com nossos políticos pois o Brasil é um país jovem ainda. Disse o entendido sobre ética, e que talvez vá para o governo do PT. Não é tudo incrível? Acho que tenho um pouco de “petistofobia”, admito, pois quando vejo o que esses petistas fazem com o nosso povo que tanto “amam”, a revolta é inevitável…
* Acho incrível como os “intelectuais” de esquerda apelam para os títulos acadêmicos, na incapacidade de focar em argumentos. Não importa quantos doutorados honoris causa Paulo Freire recebeu, isso não diz nada sobre suas ideias serem boas ou ruins. Outros acadêmicos renomados e repletos de títulos também defenderam baboseiras. Aliás, vários marxistas são doutores, e isso não salva o marxismo, um retumbante fracasso, de nada. Podemos pensar em Chomsky, respeitado na área linguística, mas um rematado idiota político, chegando a afirmar que os Estados Unidos representam a maior ditadura do mundo, enquanto defende as tiranias assassinas de esquerda. O certo não é se respaldar em títulos acadêmicos, mas nos argumentos e nos fatos, algo que a esquerda nunca faz.
PS: Certa vez o jornalista Elio Gaspari também apelou para a tal “demofobia” para blindar o PT de críticas, como se estas fossem derivadas de um suposto ódio ao povo. Uma piada! Comentei o absurdo aqui.
Rodrigo Constantino