Descontruindo mitos: FHC nos jogou à esquerda.. ou "O legado de FHC foi mesmo liberal?"

Publicado em 25/03/2015 10:01
por Paulo Figueiredo Filho, do Instituto Liberal, no blog de Rodrigo Constantino, de VEJA (+ blogs)

Sobre hienas e lobos. Ou: O legado de FHC foi mesmo “neoliberal”?

Por Paulo Figueiredo Filho,

publicado no Instituto Liberal

Esta semana, o presidente do Instituto Liberal (e meu amigo, acrescento) Rodrigo Constantino escreveu em seu blog um belo artigo intitulado “FHC Representa A Esquerda Mais Civilizada e Democrática”. Considero oportuno o ensejo para trazer de volta à tona recordações importantes para a nação que, creio eu, apontem o leitor em uma direção ligeiramente diversa. Para isto, tentarei recordar brevemente como o período tucano foi responsável por uma guinada à esquerda de uma ousadia sem precedentes e com medidas que antes seriam impensáveis no Brasil.

Comecemos com uma métrica bastante simples, porém eficaz, para medirmos o tamanho do Estado: a quantidade de dinheiro que ele retira do setor produtivo da nação, ou seja, a famosa Carga Tributária. Outros autores já mostraram a evolução da carga tributária no Brasil, mas podemos resumir a história dizendo que ela manteve-se estável durante 30 anos, com flutuações, mas sempre em torno dos 25% do Produto Interno Bruto. Bastaram, no entanto, apenas 8 anos de um governo tucano faminto, para a mesma alcançar um patamar entre 35 e 40% do PIB.

Um genuíno liberal só conseguiria imaginar três razões possíveis para tamanha necessidade de recursos: uma redução do endividamento público; um maciço programa de investimentos em infraestrutura; ou uma melhoria substancial dos serviços governamentais.

Não foi o caso de redução do endividamento. Na verdade, apesar, há de se dizer, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o período FHC foi responsável por um endividamento público superior à soma de todos os governantes da história do Brasil, de Dom Pedro I até Itamar Franco. Mais do que isso, ele o quadruplicou. Em valores nominais, herdou uma Dívida Líquida do Setor Público de R$ 208 bilhões. Ao fim de seus dois mandatos, a devolveu em estrondosos R$ 892 bilhões. Se o leitor preferir uma análise da relação DLSP/PIB, esta dobrou de 29,5% em 1995 para impressionantes 60,4% em 2002.

Se não foi o caso de uma redução do endividamento, talvez tivesse sido o de uma melhoria substancial dos serviços públicos. Eu me pergunto se teria esta acontecido na área da educação, onde os desempenho dos brasileiros em testes internacionais já despencava. Ou na saúde, com o maravilhoso SUS, motivo de orgulho posterior de Lula. Ou talvez na segurança, onde, em 8 anos, o número de homicídios passou de 20 mil para mais de 40 mil por ano. Ou, quem sabe, na defesa, com a extinção dos ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica e sucateamento patente das três forças, que se viram obrigadas até a reduzir seus turnos por falta de orçamento para a ração da tropa.

Um leitor desavisado poderia imaginar talvez que tais recursos tenham sido usados em um amplo programa de investimento em infraestrutura. Este faria então um rápido exame na situação dos aeroportos, portos, ferrovias, estradas e redes de transporte público do país à época, somente para constatar que àquela altura já estávamos “chupando o bagaço” do que havia sido investido pelos famigerados governos militares. Mas, ainda mais avassaladora, é a lembrança de que o país chegou ao ponto de parar por falta de energia, com direito ao maior blackout da história em março de 1999 e posterior racionamento que forçou a atividade econômica a entrar em uma dolorosa recessão, jogando o ônus da falta de planejamento governamental nas costas do empresariado.

É uma pena que diante da abundância de recursos que acabo de relatar, o governo tenha optado por realizar o comemorado controle da inflação, não através de uma política fiscal austera, mas utilizando-se de um garrote monetário que exigiu taxas de juros básicos que estiveram em médias próximas a 30%, mas que chegaram a 45% ao ano em 1997, paralisando completamente os investimentos privados. Não é necessário dizer que um verdadeiro apego às práticas liberais teria implicado em um crescimento muito mais modesto no estoque de moeda, que certamente permitiria taxas bem menos dolorosas à nação.

Também, completamente contrária a qualquer noção liberal, foi a política de câmbio durante todo o seu primeiro mandato. Neste campo, é digno de nota especial o episódio que pode ser considerado o precursor do “estelionato eleitoral” do qual Aécio Neves acusa Dilma Rousseff  (com razão, diga-se). Relembro: após uma campanha presidencial inteira defendendo a estabilidade do Real, o governo FHC conseguiu detonar, apenas no ano de 1998, US$ 35 bilhões de dólares – então metade das reservas internacionais do país – apenas para manter um câmbio fictício durante o ano das eleições. Ato contínuo à sua nova posse, foi obrigado adotar finalmente o regime flutuante, em um processo vergonhoso que culminou em um discurso melancólico em rede nacional de que “A âncora do Real é o povo Brasileiro”.  Resultado: a âncora não era grandes coisas, e até o final de 1999 o dólar subiria mais de 60% frente ao Real.

Na verdade, não importa para onde o leitor liberal aponte suas lentes, o governo FHC foi um grande tormento. Seja pela inação e o engavetamento das reformas (política, tributária, trabalhista, previdenciária); ou pelo desastre nas relações comerciais que fecharam o país às importações, afundaram a ALCA e ainda deixaram o Brasil preso a um Mercosul moribundo, por pura balela ideológica; ou pelo ambiente de negócios e burocracia desastrosas que nos mantiveram como um dos mais inóspitos países do mundo para empreendedores; ou pela tolerância ao crescente desrespeito à iniciativa privada e o crescimento de movimentos como o MST e MTST; ou pela elaboração (e posterior apoio) ao Estatuto do Desarmamento; ou pela implementação do sistema de cotas raciais nas universidades; ou pelas cartilhas do MEC e criação do ENEM; ou pelas agênciasdesreguladoras; ou pelos cartões de crédito corporativos da presidência; ou pelo desrespeito às patentes nos programas dos genéricos; ou pela farra da publicidade governamental;  ou pela implementação do sistema de votação eletrônica com apuração secreta; ou, é claro, pelos “programas de distribuição de renda” que acabaram por se tornar, sob a égide do PT, o Bolsa Família.

Ao final de seus dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso conseguiu a proeza de não só, realizar o pesadelo de qualquer liberal como, apesar deste horrendo conjunto de obra, receber a fama de ser liberal, colocando nestes a responsabilidade por todos as mazelas do Brasil para sempre e pavimentando de vez o caminho para o governo socialista do PT.

Sim, Constantino tem razão quando diz que há uma grande diferença moral e intelectual entre FHC, Lula e Dilma. Aquele, ao menos, não parecia ter como objetivo primário a implantação de um Estado Comunista no país. Mas foi nesta dicotomia perversa que o Brasil, infelizmente, se fiou nos últimos anos: a discussão entre o ruim e o pior. E como dizem, para quem está sendo devorado por uma hiena, um lobo pode parecer um dócil cãozinho.

Nota do blog: nada como o contraditório e um bom debate! Dito isso, meu caro amigo Paulo acerta em tudo, mas não chega a divergir exatamente do meu ponto. Jamais diria que FHC fez um bom governo, muito menos um governo liberal. Paulo está certo ao apontar o esquerdismo do tucano, seus erros evidentes (alguns eu mesmo já tinha citado). No final, o autor entende perfeitamente meu ponto, ao comparar uma hiena com um lobo. Minha análise foi relativa. FHC fez um governo ruim, esquerdista, plantou várias sementes do populismo petista. Mas perto do PT… E não podemos esquecer dos acertos também, ainda que a contragosto. Privatizaram, aprovaram a Lei de Responsabilidade Fiscal, adotaram a meta de inflação com autonomia operacional do Banco Central. Tais conquistas já são suficientes para olharmos com alguma condescendência para o ex-presidente tucano, ainda mais quando avaliamos o que veio em seguida…

(Blog Rodrigo Constantino, de veja.com)
 
 
Arnaldo Jabor: ‘O lado bom da crise’

Publicado no Globo

ARNALDO JABOR

A crise é boa. Nada melhor do que uma crise para nos dar a sensação de que a vida muda, que a História anda, que a barra pesa. A crise nos tira o sono e nos faz alertas. A crise nos faz importantes, nós, a opinião pública, nós, o “povo”, nós, os ex-babacas que viviam na sombra, na modorra e que de repente saíram batendo panelas nas ruas. Na crise no Brasil, a política fica visível para a população. A crise nos lembra a maldição chinesa: “que você viva em tempos interessantes” — por “tempos interessantes” se entenderia uma época de calamidade, guerras e instabilidade. A crise é boa porque acabaram as antigas crises cegas, radiofônicas, anos 1950. Hoje as crises são on-line, na internet, nos celulares com todos as roubalheiras ao vivo, imediatas, na velocidade da luz. A crise é uma aula, quase um videogame. A crise é um thriller em nossas vidas. A crise nos permite ver a verdade. Mas como — se todos mentem o tempo todo? A crise nos ensina a ver a verdade de cabeça para baixo, nos ensina que a verdade é o contrário de tudo o que dizem os depoentes, testemunhas e réus. A verdade está em tudo o que os políticos negam.

A crise é boa para conhecer tipos humanos. Temos de tudo — uma galeria de personas, de máscaras, de bonecos de engonço, temos um reality show sobre o Brasil, temos o desfile de caras, de bocas, de mãos trêmulas, temos as vaidades na fogueira, os clamores de honradez, os falsos testemunhos, a lama debaixo das dignidades, temos os intestinos, os nós nas tripas, os miasmas que nos envenenam, sujeiras escorrendo pelas frestas da lei.

E tudo vai diplomando o povo em Ciência Política. A crise é boa para acabar com a crença de que um operário tem uma aura de santidade e mostra que para ser presidente tem, sim, que estudar e ter competência. E nos mostra também o mal que um sujeito egoísta e deslumbrado pode fazer a um país.

A crise nos mostra que o crime político não é um defeito, mas uma instituição. A crise nos espanta: como um partido consegue esquecer qualquer resquício de grandeza e contaminar as instituições? A crise nos ensina o horror do narcisismo totalitário. A crise nos ensina que os velhos “revolucionários” ficaram iguais aos piores políticos oligárquicos — ambos trabalham na sombra, na dissimulação, no cabresto dos militantes. A crise nos lembra que a burrice é uma “força da natureza’, como os ciclones e terremotos. Crise também é cultura. A crise é Brecht, Shakespeare e revista “Caras”. A crise acabou com a mistificação de que o PT era o partido dos “puros”, como muitos intelectuais acreditaram e continuam acreditando, com a fé inquebrantável do “mesmo assim”— quebraram a Petrobras e o país, mas “mesmo assim”, continuam acreditando, como religiosos: “Credo quia absurdum” (Creio mesmo sendo absurdo). A crise nos mostra que o petismo maculou as ideias de uma verdadeira esquerda no país, sequestraram as palavras, a linguagem romântica d’antanho. A crise prova que a velha esquerda ancorada no petismo não tem programa, nem projeto; tem um sonho que vira pesadelo. A crise acaba com os fins justificando os meios. A crise acaba com o “futuro” e nos traz o doce, o essencial presente. A crise nos ensina que ninguém se define apenas como “companheiros”, “comandantes”, “aventureiros”, “guerreiros do povo brasileiro”, pois as pessoas são compulsivas, agressivas, invejosas, narcisistas, fracassadas e com problemas sexuais. A crise nos ensina mais Freud do que Marx. A crise ensina que revolução no país tem de ser administrativa e não de ruptura e utopia.

A “contemporaneidade”, esse “faz-tudo” do novo vocabulário, inventou a “utopia da distopia”. Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. A crise ensina que não adianta mostrar apenas os horrores da miséria dos desvalidos; a verdadeira miséria está nos intestinos da própria política.

A crise nos mostra que existem fascistas de direita e de esquerda, que a verdadeira esquerda está em tudo o que é profundo e que a direita está em tudo o que é superficial — logo, o PT é de direita.

A crise nos revela que o país (e a vida) é mais complexo do que a divisão “opressores e oprimidos” e que o capitalismo não é uma pessoa malvada para conscientemente nos destruir; capitalismo não é um regime político — é um modo de produção.

A crise nos ensinou que a corrupção de hoje não é um pecado contra a lei de Deus — é um sistema, uma ferramenta de trabalho. A crise nos mostra que não há mais inocentes em Brasília — todos são cúmplices. E aprendemos que mesmo com terríveis expectativas para 2015, as ruas provaram que a história é intempestiva (Nietzsche) e marcha no escuro, quando nós dormimos. A crise nos lembra a frase de Baudrillard tão citada por mim: “O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de disfuncionamento e de desestruturação da vida social”, vide o estrago do PT e o novo eixo do mal da América Latina. A crise está abrindo nossos olhos.

Ouso dizer que por vielas escuras e mal frequentadas a crise fará bem ao Brasil. A crise também é útil porque nos dá uma porrada na cara para deixarmos de ser bestas.

(por Arnaldo Jabor)

 

Editorial do Estadão: ‘O PT e a imprensa ‘simpática”

É sabido que a proposta do PT para “regulamentar a mídia” nada mais é do que a intenção de submeter a imprensa ao governo petista e ao próprio partido. Os petistas douram a pílula para convencer a opinião pública de que não se trata de uma forma de censura e, eventualmente, podem confundir os incautos. No entanto, quem ainda tiver alguma dúvida sobre qual é realmente o espírito que preside esse projeto do partido basta prestar atenção ao que disse o presidente da agremiação, Rui Falcão, em recente reunião com parlamentares do PT na Câmara: o caminho, sugeriu ele, é asfixiar os veículos de comunicação que ousarem portar-se com independência e espírito crítico em relação ao governo petista.

 

Segundo relatos de participantes do encontro, Falcão defendeu que o governo corte a verba de publicidade destinada a veículos de comunicação que, no seu entender, “apoiaram” e “convocaram” as manifestações populares do último dia 15. Para o presidente do PT, é necessária “uma nova política de anúncios para os veículos da grande mídia”. Pode-se depreender que essa “nova política” seja, simplesmente, colocar anúncios do governo somente em jornais e emissoras de TV que sejam camaradas.

Para demonstrar a urgência de uma nova política de distribuição das verbas publicitárias, Falcão argumentou que o clima beligerante contra Dilma e o PT levou até mesmo a TV Record, segundo ele um veículo “simpático” ao governo, a participar da suposta mobilização nacional por parte da imprensa para incitar os protestos de rua – mas isso, disse Falcão, ocorreu somente em razão da “briga por audiência”. O importante a se observar é que, ao mencionar a suposta existência de veículos “simpáticos”, Falcão demarca o território em que o PT julga disputar a guerra da comunicação: há os amigos e os inimigos. Aos primeiros, tudo; aos segundos, a danação.

Falcão sugeriu que a estratégia usada até agora para enfrentar o que julga ser uma campanha orquestrada pela grande imprensa para desacreditar o partido e o governo não tem dado resultado. “Não se enganem. O monopólio da mídia não será quebrado apenas nas redes sociais. Isso é uma ilusão”, disse o presidente petista, referindo-se à comunidade de blogueiros e ativistas digitais montada para defender o PT e agredir sistematicamente a imprensa livre.

Por um momento, os estrategistas do partido julgaram que a guerra da comunicação seria ganha no ambiente virtual. No entanto, como reconheceu um documento da Secretaria de Comunicação Social que criticou a política oficial de comunicação, “o governo e o PT passaram a só falar para si mesmos”.

Mas o PT não perdeu espaço apenas nas redes sociais; parece ter perdido também as ruas, lugar onde reinava. Isso explica a aflição de Falcão e de seus companheiros. Como sempre acontece com aqueles que interpretam o mundo exclusivamente por meio da ideologia, e não da razão, os petistas atribuem esses reveses não aos erros que o partido e a presidente Dilma Rousseff cometeram, mas a uma grande conspiração das “elites” para derrubar o “governo popular”.

Em flagrante estado de negação, Falcão atribuiu o enorme sucesso das manifestações do dia 15 “exclusivamente” ao suposto trabalho da “grande mídia” – responsável, segundo ele, por tirar as pessoas de casa e por inflar o número de participantes.

Com isso, o presidente do PT, bem como a maioria de seus pares, parece ter se convencido de que nada há de errado no País, que tudo vai às mil maravilhas e que, se não fosse a imprensa “golpista” a conclamar os brasileiros a se manifestar, a população não teria ido às ruas.

A receita petista para resolver esse problema é simples: tratar as verbas de publicidade do governo como se fossem do PT. O princípio da impessoalidade, que deve nortear qualquer administração pública – e está explicitamente inscrito na Constituição -, é estranho a um partido que se acredita proprietário do poder. Por enquanto, Dilma tem resistido aos insistentes apelos do PT para que submeta a imprensa aos desígnios autoritários do partido. Espera-se que seu enfraquecimento político não a faça capitular.

VOTEM NA NOVA ENQUETE:

Dilma sai desta crise e consegue governar? Entrega os pontos e deixa o PMDB tocar o barco na prática? Renuncia? Sofre impeachment? Dêem sua opinião e seu voto

A presidente conseguirá sair da crise, ou deixará o poder? (Foto: AP)

Publicado originalmente a 21 de março de 2015

Está no ar a nossa nova enquete: a presidente Dilma pode sair da atual e enorme crise política e econômica?

Ela conseguirá se recuperar e continuar governando?

Vai procurar a oposição e pedir água?

Vai entregar os pontos e deixar o PMDB tomar conta do poder?

Sofrerá impeachment?

Vai renunciar?

São algumas das possibilidades que colocamos para sua votação, no local tradicional das enquetes, ao lado direito desta coluna.

Conto com a participação maciça dos leitores!

Obrigado.

(por Ricardo Setti, de VEJA)

 

Ajuste fiscal sobe no telhado. Ou: Quem tem mais poder: Dilma, Levy, o Congresso ou o mercado?

A agência de risco Standard & Poor’s decidiu manter o grau de investimento do Brasil nesta terça. Os investidores comemoraram, mas por pouco tempo. Afinal, a decisão da S&P teve como justificativa a aposta na capacidade de Joaquim Levy de mudar os rumos da política econômica. Mas não é tão simples assim. As coisas não dependem somente dele. Há uma disputa de forças em jogo, e não ficou claro ainda quem detém mais poder.

O PT, por exemplo, partido da presidente Dilma, encontra-se dividido em relação ao ajuste fiscal. O senador Paulo Paim, aquele que tem tanto projeto populista que não caberia no PIB, já ameaça sair do partido. Alguns querem dar um voto de confiança à Dilma, mas a verdade é que não é natural para petistas aceitar o sacrifício imposto pelo populismo; seu natural é o próprio populismo, como se a vida se resumisse a um eterno palanque eleitoral.

Logo, a presidente não goza do sólido apoio nem mesmo de seu partido. Fora isso, há evidentes dúvidas sobre o real comprometimento da presidente com o ajuste. Todos sabem que ela engole Levy muito a contragosto e por extrema necessidade, não por convicção. Se trouxe um fiscalista ortodoxo de Chicago para a Fazenda, por outro lado resolveu manter Alexandre Tombini no Banco Central e Luciano Coutinho no BNDES.

São sinais contraditórios, e os investidores não sabem até quando Dilma consegue preservar a nova personagem, até porque a sombra do estelionato eleitoral paira sobre sua cabeça e lhe retira qualquer credibilidade. Dilma é uma presidente com míseros 7,5% de aprovação, o que a torna uma espécie de “pato manco” logo no começo do novo mandato, sem força para negociar com o Congresso, algo que nunca soube fazer (quando era forte simplesmente impunha sua vontade).

Isso nos remete ao poder do próprio Congresso, cada vez mais forte. É uma guinada rumo ao parlamentarismo de facto, sob um governo presidencialista. Fosse um regime parlamentarista mesmo, Dilma teria simplesmente caído. Não sendo, ela fica lá, tentando “governar”, lutando sem muita convicção pelo necessário ajuste fiscal. Mas os deputados e senadores não seguem mais sua agenda. Eduardo Cunha, o presidente da Câmara e uma espécie de Frank Underwood tupiniquim, passou a dar cada vez mais as cartas.

Isso ficou muito claro com algumas derrotas importantes que o governo sofreu, a começar pela de ontem, em voto relâmpago, quando o Congresso aprovou medida que obriga o governo a cumprir a renegociação das dívidas com estados e municípios. Comentei aqui que essa confusão toda é resultado do populismo da própria presidente, que aprovou a mudança de indexador quando era candidata, permitindo o maior endividamento dos estados e municípios e rasgando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora é hora da fatura.

Até o prefeito Fernando Haddad, do PT, está contra a presidente. Disse que antes de ser de um partido, é o representante de um município e precisa zelar pelos seus interesses. Dilma parece um tanto acuada, isolada, perdendo a cada dia qualquer capacidade de governar. Se em condições normais de temperatura e pressão ela já não apresentava os “requisitos mínimos necessários” para ocupar o cargo, como disse de forma elegante Bolivar Lamounier em uma entrevista na GloboNews, agora, então, sua falta de habilidade e inteligência política será fatal.

Esse cabo de guerra entre diferentes grupos complica ainda mais o ajuste fiscal. Vale notar que boa parte do ajuste de Levy se dá via aumento de impostos, e isso encontra ainda mais resistência no Congresso e, principalmente, na sociedade, que não aguenta mais pagar a conta das trapalhadas do governo. O caminho do corte de gastos públicos, por outro lado, tem a reação dos políticos, como agora no caso da renegociação das dívidas municipais e estaduais.

Somente um líder forte, habilidoso e com clara convicção na premente necessidade do ajuste, teria condições de negociar com o Congresso e extrair dele reformas desejáveis. Faria isso com o apoio de uma base aliada por trás, e também da sociedade. E contaria com a credibilidade dos investidores. Talvez Aécio Neves fosse esse líder. Mas Aécio foi derrotado nas urnas eletrônicas. Em seu lugar temos Dilma, reeleita graças ao estelionato eleitoral e ao uso da máquina estatal de forma desavergonhada.

Já sai nesse segundo mandato sem um pingo de credibilidade, sem apoio da sociedade, revoltada com suas mentiras, e sem o apoio sequer de seu partido, pois historicamente sempre lutou contra qualquer tipo de responsabilidade fiscal. No mais, foi a criadora do problema todo, com sua ideologia equivocada, com seu populismo demagógico, com sua visível incompetência. Como esperar que seu próprio governo faça os ajustes agora? Dilma não tem condições de governar e deveria pedir para sair, renunciar em prol do Brasil.

Dificilmente terá tal dignidade. Então o jeito é ficar nessa disputa de forças em que cada hora alguém consegue puxar mais a corda para seu lado, sem que o país saia realmente do lugar. A S&P manteve o grau de investimento com base numa promessa de um ministro, mas logo depois ficou claro que ele não tem esse poder todo, que precisa “baixar a bola”, pois há um Congresso um tanto hostil à frente. O ajuste fiscal subiu no telhado.

Mas a força mais poderosa de todas, cuja punição aos descaminhos irresponsáveis nunca falha, aguarda sua vez. Os mercados punem, como aprendeu Eike Batista the hard way. Ou Dilma, o PT, Levy e o Congresso se entendem de alguma forma para aprovarem um ajuste fiscal decente que recoloque nossa economia nos eixos, ou a punição dos investidores será implacável, severa, cruel, não por maldade ou insensibilidade (como “pensam” as esquerdas), mas porque o dinheiro não atura tanto desaforo assim.

Rodrigo Constantino

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Fonte: Blogs de veja.com

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