De promessas vãs fez-se o desengano, por RICARDO NOBLAT

Publicado em 17/02/2015 14:17
(Ou como Dilma atravessou o samba), na edição desta 3a.-feira em O GLOBO

O Grêmio Escola de Samba "O Povo Unido Jamais Será Vencido" saúda este mui nobre e tropical ajuntamento e pede passagem.

Não esperem um desfile de luxo, não mesmo. Afinal, foi-se o tempo do carnaval patrocinado por bicheiros, empresas privadas e estatais.

Tem ditador africano capaz de meter a mão no bolso e financiar escola que cante as belezas do seu país. Mas isso é como acertar a megasena acumulada.

A vida transcorreu confortável até meados do ano passado. Destaques, figurantes, passistas e músicos acreditaram que tudo ficaria melhor caso reelegessem a diretoria da escola.

Deu no que sentem na pele. E já não mais escondem. Agora, a palavra de ordem é austeridade.

Menos purpurina.  Menos paetê.  Menos espelhos. Menos penas de pavão. De volta à realidade ingrata.

Quarta-feira de cinzas é todo dia.

Se o carro abre-alas apresentar algum defeito, relevem, por favor. Se a comissão de frente errar o passo, não pensem em sabotagem. Poderá ser descuido.

Se a certa altura do desfile o samba atravessar, paciência. Não cobrem perfeição de quem se sente enganado.

Se faltar harmonia, perdoem. O mal estar é geral. E para escapar de hostilidades, a presidente da escola saiu de férias.

Preferiu manter distância da muvuca. Que perigo correria se fosse reconhecida na rua... Pois já não conta com a confiança dos seus súditos.

Sabia de tudo, mas finge que não. É culpada pela maioria dos malfeitos que se sucederam. Mentiu sem pudor ao acenar com desfiles superiores aos mais recentes. Fez a Nação de boba.

Quando celebrou sua reeleição, prometeu que tudo faria para doravante ser uma pessoa melhor.

Quero ser “uma pessoa ainda melhor do que tenho me esforçado para ser”, prometeu solene e modesta, ora vejam.

E na hora se impacientou com o barulho daqueles que comemoravam felizes sua vitória. Falou em diálogo pelo menos meia dúzia de vezes. 

Uma delas: estou “disposta a abrir um grande espaço de diálogo com todos os setores da sociedade para encontrarmos as soluções mais rápidas para os nossos problemas”.

Papo furado! Desde então não se notou nenhuma mudança nela. Chegou a passar pouco mais de 30 dias sem dirigir uma única palavra ao seu vice. Nem mesmo por telefone.

Diz que manda na escola com a ajuda do resto da diretoria. Balela pura! Manda sozinha. Ou tenta.

Trata-se da mesma personalidade irascível de antes. Que devota um indisfarçável desprezo pelos aliados.

Entre relacionar-se com seus semelhantes, que não sabe e não gosta, e apelar para a propaganda, que vê como uma poção mágica, decidiu chamar o marqueteiro.

É postura arrogante de quem subestima a inteligência alheia. Não é a única pessoa a proceder assim. Seu antecessor na presidência também procede, embora seja simpático e bom de gogó.

Em caso de emergência, se faltar quem puxe o samba, ele puxa à vontade. Se deixarem, puxará em qualquer situação.

Na comunidade, só se comenta as broncas que ele costuma dar na sua sucessora. Comenta-se também a irritação da sucessora com a deslealdade do ex, que deixa vazar de propósito tudo o que sente e acha do comportamento dela.

O ex não engoliu o fato de ter perdido a chance de reocupar um lugar que era seu por merecimento. E teme que uma nova administração medíocre da sucessora possa aposentá-lo para sempre.

De resto, está em pânico com o risco de ser apontado como o chefe da gangue que tungou a escola em milhões de dólares. Sem que a sucessora tenha suado a camisa o bastante para defendê-lo.

Em VEJA: J. R. GUZZO: Dilma pôs em circulação a palavra “impeachment”

Governo Dilma: a poeira não baixa (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

A PALAVRA “I”

Artigo publicado em edição impressa de VEJA

Uma das complicações da política brasileira de hoje é que a poeira não baixa. Deveria baixar, pela lei da gravidade; “se subiu tem de descer”, dizia Raul Seixas numa de suas muitas observações notáveis.

Mas no Brasil da presidente Dilma Rousseff a lei da gravidade parece não estar funcionando. Seria mais uma dessas leis que não pegam?

O fato concreto é que a poeira em volta do governo, quase sempre levantada por ele mesmo, continua subindo – e o inconveniente disso é que deixou de existir a opção de esperar que a poeira baixe antes de tomar decisões, como recomenda a sempre tão prudente sabedoria popular.

Esperar como? Antes de se desmanchar uma nuvem já vem outra, e se alguém ficar esperando o ambiente clarear corre o risco de passar a vida sem fazer nada.

No momento, com a catástrofe que o Palácio do Planalto criou ao se deixar moer como picadinho na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, subiu um poeirão de estrada de terra em Mato Grosso em tempo de seca.

Vai ficar aí por tempo indeterminado – e o resultado é que a vida pública brasileira continuará no voo cego que vem fazendo nos últimos quatro anos.

Sempre há a esperança de que bata um vento capaz de limpar a atmosfera, mas a experiência informa que está rodando no governo Dilma um programa pelo qual os ventos, caprichosamente, não têm tido a bondade de produzir os efeitos esperados deles – a cada vez que venta, ao contrário, tudo o que se tem é mais poeira.

Mal começou o ano de 2015, e mal começou o segundo mandato da presidente, e já estamos em pleno breu.

Para ficar numa lista resumida, continua em perfeita forma a tempestade de areia levantada no ano passado pelo assalto sem precedentes, e sem limites, aos cofres da Petrobras – só possível, na vida real, pela colaboração prestada aos assaltantes durante doze anos seguidos por parte dos dois governos do PT; no melhor dos casos, é um espetáculo de inépcia, negligência e imperícia que respeitados juristas já acham vizinho da cumplicidade.

Do fim do ano para cá, a coisa só fez piorar. Seguiu-se, logo de cara, a nuvem de pó desse incompreensível novo ministério. Logo depois veio a revelação de que o Brasil corre o risco de um desastre no fornecimento de energia elétrica – ao contrário da afirmação pública da presidente, um ano atrás, de que graças ao seu governo o país tinha energia de sobra, barata e eterna.

As contas públicas de 2014 fecharam com um rombo inédito na história: o governo federal arrecadou por volta de 1,2 trilhão de reais, mas conseguiu gastar quase 350 bilhões de reais a mais do que isso.

Enfim, na eleição da Câmara, Dilma e seus grandes estrategistas políticos lançaram-se a uma aventura desesperada. Inventaram de declarar guerra a Eduardo Cunha, embora ele comande uma porção decisiva do PMDB, partido que há doze anos é o principal aliado do próprio governo, perderam e criaram uma nova liderança para a oposição, mais perigosa que todas as que já estavam aí.

A vitória de Cunha parece um desses casos clássicos em que a malícia é superada pela burrice.

Dilma queria derrotar o PMDB para pagar menos por seu apoio. Vai pagar mais, e não pode fazer nada contra a bizarra espécie de aliado-adversário que criou. Não pode, é claro, expulsar o PMDB do governo, como não podia desde o começo da briga; não pode retaliar nem os partidos anões que comprou com cargos e que a traíram votando em Cunha. Quem iria colocar em seus lugares?

Para piorar, o candidato da presidente ficou com pouco mais de 25% dos votos na eleição – uma soma ridícula, francamente, para quem pretende a “hegemonia” na vida política brasileira, como está escrito nos documentos oficiais do PT. A torcida do governo, agora, tenta se animar com a ajuda que imagina receber de gigantes do movimento de massas como Gilberto Kassab e Renan Calheiros – é a isso que está reduzida.

Mais que tudo, Dilma pôs em circulação, inteiramente de graça, a palavra “impeachment”. É um despropósito, levando-se em conta que não está provada até agora nenhuma conduta criminal em relação a ela. Só está provado que faz um governo horrível, mas a Constituição não diz que o governo tem de ser bom; diz apenas que tem de ser eleito. Se é ruim, o remédio prescrito pela lei são eleições de quatro em quatro anos.

Ao mesmo tempo, o Congresso não é obrigado a esperar decisões da Justiça para depor presidente algum; fez exatamente isso, por sinal, com Fernando Collor. Eis aí o que pode acabar sendo, para Dilma Rousseff, a mãe de todas as poeiras.

Dilma Rousseff (Imagem: Antônio Lucena)
 
em VEJA:

O campo minado de Dilma no Congresso

Presidente começa a colher as consequências da crônica falta de diálogo com parlamentares aliados, que ameaçam derrubar propostas vitais para o Planalto

Marcela Mattos e Gabriel Castro, de Brasília

DOR DE CABEÇA - Com Eduardo Cunha à frente, a Câmara impôs sucessivas derrotas ao governo em duas semanas(Divulgação)

Sem dar prioridade à articulação política ao longo de todo o primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff agora colhe os resultados da falta de diálogo com os parlamentares: sua segunda temporada à frente do Palácio do Planalto não completou dois meses e o Congresso Nacional já se tornou um campo minado. A nova Legislatura foi oficialmente aberta há duas semanas, tempo suficiente para que deputados e senadores, inclusive os que desembarcaram em Brasília como aliados, articulassem a rejeição a projetos caros ao governo. Mais: como apoio de siglas governistas, a criação de uma nova CPI da Petrobras avança.

A insatisfação de parlamentares com o estilo Dilma de governar não é novidade. Mas passou a ser uma preocupação real para os articuladores políticos do Planalto depois que deputados do PT engrossaram o movimento para alterar projetos prioritários enviados pelo governo ao Congresso Nacional. Agora, até mesmo a base aliada fala abertamente em descolar-se do Planalto. O caso mais latente é o do pacote que endurece as leis trabalhistas.

“Existe o apoio permanente da nossa bancada ao governo e ao nosso projeto. Isso não quer dizer que, em determinadas questões, o PT não tenha uma posição diferenciada e que não se possa buscar uma mudança. Vemos isso como uma melhoria aos compromissos históricos que nós representamos”, afirma o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

Para piorar, Dilma tem perdido sustentação em outro importante pilar: as centrais sindicais. Na última semana, sindicalistas estiveram com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para pedir que o Congresso altere as medidas anunciadas pelo governo na tentativa de enxugar gastos.

Diante de uma encruzilhada que pode ameaçar sua governabilidade, Dilma decidiu sair do isolamento e, enfim, negociar, um verbo com o qual não tem nenhuma familiaridade. Na semana passada, reuniu-se com centrais sindicais, formou uma tropa de choque de dez partidos na Câmara e ainda escalou um núcleo de cinco petistas para enquadrar sua base. A presidente já chegou a recorrer a medidas do tipo em outros momentos de aperto. Nunca, contudo, enfrentou uma crise política como a que atravessa agora. E, a julgar pelas bombas já armadas pelo Congresso, o futuro não parece fácil.

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Fonte: Blog Ricardo Noblat (em O Globo)

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