Ao lançar sua campanha à Presidência da República, o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), não poupou críticas indiretas a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em várias áreas e voltou a repetir seu slogan de que o "Brasil pode mais", que tem sido rejeitado por petistas.
Em seu discurso, Serra criticou a divisão do país em classes e regiões e ainda provocou seus adversários ao dizer que" o Brasil não tem dono" e que a oposição está preparada para "quanto mais mentiras disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles".
Segundo Serra, é "deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil".
José Serra, pré-candidato à Presidência da República por uma frente de partidos que reúne, até agora, PSDB, DEM e PPS, fez um discurso sereno, mas vigoroso; duro, mas não hostil; severo ao marcar diferenças, mas inclusivo ao pregar a união de todos. Ao lema já conhecido — “O Brasil pode mais” —, o pré-candidato tucano juntou um outro, e, tudo indica, ambos serão os pilares de sua candidatura: “O Brasil é um só”.
José Serra fez questão de lembrar sua origem humilde e destacar cada parte de sua trajetória política, desde a luta contra o regime militar até o exílio no exterior, além de suas realizações como político já no país redemocratizado. “Sou sobrevivente do Estádio Nacional de Santiago, onde muitos morreram. Por algum motivo, Deus permitiu que eu saísse de lá com vida”. O tucano disse estar pronto para a disputa eleitoral. “Uma caminhada que vai ser longa e difícil, mas que com a ajuda de Deus e com a força do povo brasileiro será com certeza vitoriosa”.
José Serra destacou as melhorias do país nos últimos 25 anos. “Com o Plano Real, o Brasil transformou sua economia a favor do povo, controlou a inflação, melhorou a renda e a vida dos mais pobres, inaugurou uma nova Era no Brasil”. No entanto, fez questão de dizer que as mudanças não foram responsabilidade de “um único homem, ou um único governo. Mas, se avançamos, também devemos admitir que ainda falta muito por fazer”.
O candidato, porém, disse que não aceita o raciocínio “nós contra eles”, em referência às comparações entre governos tucano e petista, e disse que isso não cabe na vida de uma nação. “Somos todos irmãos na pátria. Lutamos pela união dos brasileiros e não pela sua divisão”.
Educação, segurança e saúde também foram temas abordados no discurso de José Serra, que repetiu diversas passagens de sua fala no evento em São Paulo, no Palácio dos Bandeirantes, há algumas semanas. Sobre segurança, afirmou que o maior problema do Brasil é a “certeza da impunidade” e voltou a dizer que na segurança e na Justiça do Brasil “também se pode mais”. “Saúde é vida, Segurança também. Por isso, o governo federal deve assumir mais responsabilidades face à gravidade da situação. E não tirar o corpo fora porque a Constituição atribui aos governos estaduais a competência principal nessa área”.
Indiretamente, Serra fez uma crítica ao governo Lula, quando disse que “democracias não têm operários morrendo por greve de fome quando discordam do regime”. E completou, “quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles”.
Já no fim do discurso, Serra citou o escritor Guimarães Rosa, que escreveu: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. ”Concordo”, disse o tucano. “É da coragem que a vida quer que nós precisamos agora. Coragem para fazer um projeto de país, com sonhos, convicções e com o apoio da maioria. Juntos, vamos construir o Brasil que queremos, mais justo e mais generoso. Eleição é uma escolha sobre o futuro. Olhando pra frente, sem picuinhas, sem mesquinharias, eu me coloco diante do Brasil, hoje, com minha biografia, minha história política e com esperança no nosso futuro. E determinado a fazer a minha parte para construir um Brasil melhor. Quero ser o presidente da união. Vamos juntos, brasileiros e brasileiras, porque o Brasil pode mais”.
Trecho do discurso em que Serra trata da segurança pública e da impunidade:
“Qual pai ou mãe de família não se sente ameaçado pela violência, pelo tráfico e pela difusão do uso das drogas? As drogas são hoje uma praga nacional. E aqui também o Governo tem de investir em clínicas e programas de recuperação para quem precisa e não pode ser tolerante com traficantes da morte. Mais ainda se o narcotráfico se esconde atrás da ideologia ou da política. Os jovens são as grandes vítimas. Por isso mesmo, ações preventivas, educativas, repressivas e de assistência precisam ser combinadas com a expansão da qualificação profissional e a oferta de empregos.
Uma coisa que precisa acabar é a falsa oposição entre construir escolas e construir presídios. Muitas vezes, essa é a conversa de quem não faz nem uma coisa nem outra. É verdade que nossos jovens necessitam de boas escolas e de bons empregos, mas se o indivíduo comete um crime ele deve ser punido. Existem propostas de impor penas mais duras aos criminosos. Não sou contra, mas talvez mais importante do que isso seja a garantia da punição. O problema principal no Brasil não são as penas supostamente leves. É a quase certeza da impunidade. Um país só tem mais chance de conseguir a paz quando existe a garantia de que a atitude criminosa não vai ficar sem castigo.
Eu quero que meus netos cresçam num país em que as leis sejam aplicadas para todos. Se o trabalhador precisa cumprir a lei, o prefeito, o governador e o presidente da República também tem essa obrigação. Em nosso país, nenhum brasileiro vai estar acima da lei, por mais poderoso que seja. Na Segurança e na Justiça, o Brasil também pode mais.”
Em seu discurso, Serra ataca as deficiências de infra-estrutura no país:
“Lembro que os investimentos governamentais no Brasil, como proporção do PIB, ainda são dos mais baixos do mundo em desenvolvimento. Isso compromete ou encarece a produção, as exportações e o comércio. Há uma quase unanimidade a respeito das carências da infra-estrutura brasileira: no geral, as estradas não estão boas, faltam armazéns, os aeroportos vivem à beira do caos, os portos, por onde passam nossas exportações e importações, há muito deixaram de atender as necessidades. Tem gente que vê essas carências apenas como um desconforto, um incômodo. Mas essa é uma visão errada. O PIB brasileiro poderia crescer bem mais se a infra-estrutura fosse adequada, se funcionasse de acordo com o tamanho do nosso país, da população e da economia.
Um exemplo simples: hoje, custa mais caro transportar uma tonelada de soja do Mato Grosso ao porto de Paranaguá do que levar a mesma soja do porto brasileiro até a China. Um absurdo. A conseqüência é menos dinheiro no bolso do produtor, menos investimento e menos riqueza no interior do Brasil. E sobretudo menos empregos.
Temos inflação baixa, mais crédito e reservas elevadas, o que é bom, mas para que o crescimento seja sustentado nos próximos anos não podemos ter uma combinação perversa de falta de infra-estrutura, inadequações da política macroeconômica, aumento da rigidez fiscal e vertiginoso crescimento do déficit do balanço de pagamentos. Aliás, o valor de nossas exportações cresceu muito nesta década, devido à melhora dos preços e da demanda por nossas matérias primas. Mas vai ter de crescer mais. Temos de romper pontos de estrangulamento e atuar de forma mais agressiva na conquista de mercados. Vejam que dado impressionante: nos últimos anos, mais de 100 acordos de livre comércio foram assinados em todo o mundo. São um instrumento poderoso de abertura de mercados. Pois o Brasil, junto com o MERCOSUL, assinou apenas um novo acordo (com Israel), que ainda não entrou em vigência!”.
Trecho do discurso em que Serra fala de seu pai, de sua infância e de seus vínculos com o mundo do trabalho:
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Minha história pessoal está diretamente vinculada à valorização do trabalho, à valorização do esforço, à valorização da dedicação. Lembro-me do meu pai, um modesto comerciante de frutas no mercado municipal: doze horas de jornada de trabalho nos dias úteis, dez horas no sábado, cinco horas aos domingos. Só não trabalhava no dia 1 de janeiro. Férias? Um luxo, pois deixava de ganhar o dinheiro da nossa subsistência. Um homem austero, severo, digno. Seu exemplo me marcou na vida e na compreensão do que significa o amor familiar de um trabalhador: ele carregava caixas de frutas para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros.
E eu me esforço para tornar digno o trabalho de todo homem e mulher, do ser humano como ele foi. Porque vejo a imagem de meu pai em cada trabalhador. Eu a vi outro dia, na inauguração do Rodoanel, quando um dos operários fez questão de me mostrar com orgulho seu nome no mural que eu mandei fazer para exibir a identidade de todos os trabalhadores que fizeram aquela obra espetacular. Por que o mural? Por justo reconhecimento e porque eu sabia que despertaria neles o orgulho de quem sabe exercer a profissão. Um momento de revelação a si mesmos de que eles são os verdadeiros construtores nesta nação.
Eu vejo em cada criança na escola o menino que eu fui, cheio de esperanças, com o peito cheio de crença no futuro. Quando prefeito e quando governador, passei anos indo às escolas para dar aula (de verdade) à criançada da quarta série. Ia reencontrar-me comigo mesmo. Porque tudo o que eu sou aprendi em duas escolas: a escola pública e a escola da vida pública. Aliás, e isto é um perigo dizer, com freqüência uso senhas de computador baseadas no nome de minhas professoras no curso primário. E toda vez que escrevo lembro da sua fisionomia, da sua voz, do seu esforço, e até das broncas, de um puxão de orelhas, quando eu fazia alguma bagunça.
Serra faz referência crítica à política externa brasileira e ao alinhamento do Brasil com o Irã (o país que enforca opositores) e a Cuba, onde um trabalhador - Orlando Zapata - morreu em razão de uma greve de fome.
“O Brasil está cada vez maior e mais forte. É uma voz ouvida com respeito e atenção. Vamos usar essa força para defender a autodeterminação dos povos e os direitos humanos, sem vacilações. Eu fui perseguido em dois golpes de estado, tive dois exílios simultâneos, do Brasil e do Chile. Sou sobrevivente do Estádio Nacional de Santiago, onde muitos morreram. Por algum motivo, Deus permitiu que eu saísse de lá com vida. Para mim, direitos humanos não são negociáveis. Não cultivemos ilusões: democracias não têm gente encarcerada ou condenada à forca por pensar diferente de quem está no governo. Democracias não têm operários morrendo por greve de fome quando discordam do regime.”
Serra cita em seu discurso um trecho de Grande Sertão: Veredas, do escritor mineiro Guimarães Rosa:
“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
Fonte:
Veja e Folha de SP