Atentado a Trump traz sinais ao mercado que vão de nova guerra comercial a encarecimento de fretes marítimos
Entre todos os principais jornais e agências de notícias do mundo, as primeiras páginas estão dedicadas ao atentado sofrido por Donald Trump, ex-presidente americano e candidato pelo Partido Republicano nas eleições deste ano, no último sábado (13), no estado da Pensilvânia. Em sua primeira entrevista após o atentado, Trump elogiou o Serviço Secreto Americano e disse que "poderia estar morto". Enquanto isso, no primeiro dia de mercado pós atentado, o dólar se mostrou mais forte, os índices acionários também e as perguntas são agora sobre quais serão os reflexos das políticas do candidato já considerado como vencedor, o que também é manchete por todos os lados.
A única que não se junta às demais, por razões óbvias, é a capa do portal da agência estatal de notícias da China, Xinhua. Ainda assim, o mundo inteiro - incluindo Xi Jinping - quer saber quais os sinais que o acontecimento do final de semana - que seguirá ainda reverberando por muitos dias - envia ao mundo a alguns meses de uma das maiores e mais acirradas eleições da história dos Estados Unidos.
A retomada dos negócios em todos os principais mercados, no mundo todo, refletiram, entre outros inúmeros fatores, que o atentado elevou as possibilidades de que Trump volte a assumir a Casa Branca e que as mudanças que pode trazer aos Estados Unidos serão tão profundas quanto foram em seu primeiro mandato, porém, podendo alcançar horizontes ainda mais vastos. Afinal, o cenário em que o republicano como o possível novo presidente americano deverá se encontrar tem muito mais complexidade do que há oito anos, além de estar marcado por uma trajetória crescente da violência política.
CRESCIMENTO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA
Roberto Georg Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, destaca que esta tensão global que marca o atual momento das relações geopolíticas em todo o mundo tem sido combustível para o latente e visível crescimento da violência política que tem se apresentado nos últimos anos.
"Vemos uma violência política interna não necessariamente contra candidatos, muito parecido com o que vimos em 2018 aqui no Brasil, em 2022, entre os eleitores. Claro que não tínhamos como prever que aconteceria um atentado contra Trump, mas para nós, das relações internacionais, não surpreende, até porque já vem acontecendo", explica o professor.
Para apenas alguns exemplos, Uebel citou alguns casos como o atentado à ex-vice presidente Cristina Kirchner, na Argentina, com o presidente Emmanuel Macron, na França e no Japão, culminando na morte do primeiro ministro japonês Shinzo Abe, que estava em campanha, durante um comício, em 2022, poucos dias antes das eleições, e foi baleado.
MERCADOS SENTINDO: CURTO E LONGO PRAZOS
Assim, impactos de um acontecimento como o do último sábado e seus desdobramentos nos mercados são inevitáveis e ainda continuarão a ser severamente sentidos e refletidos pelos mercados. Entre os grãos, por exemplo, o efeito foi imediato e bastante agressivo. Na Bolsa de Chicago, os futuros da soja, do milho e do trigo encerraram o dia com perdas de até 3% - como foi o caso do trigo - com os traders precificando, como explicou o analista Eduardo Vanin, da Agrinvest Commodities, a "trade war", ou a guerra comercial.
No primeiro mandato de Trump, em 2018, as disputas comerciais e as barreiras tarifárias entre China e Estados Unidos interromperam de maneira bastante abrupta o comércio de soja entre as duas nações, resultando em uma concentração maior de compras chinesas no mercado brasileiro e consolidando o Brasil como o maior exportador mundial da oleaginosa.
A reportagem de 27 de fevereiro de 2024 do Notícias Agrícolas explica um pouco mais desta trajetória:
"O mercado veio precificando uma menor demanda pelos grãos americanos, especialmente por parte da China. Eu não acredito muito nesta teoria, acho que há um pouco de exagero", afirma Vanin. E se essa notícia vai se dissipar rapidamente ou não, a partir daqui, não é ponto central, explica o analista. "O que estamos vendo, especialmente para a soja é que os EUA não vem vendo a bastante tempo, principalmente da safra nova, vem vendendo apenas um pouco e quem compra é a Sinograin, a gestora das reservas da China, e para fazer volume precisa das esmagadoras privadas chinesas. E, na minha opinião, isso não tem a ver com a 'trade war'".
Assim, com uma nova presidência de Trump, o mercado de soja poderia até sentir mais efeitos, porém, de forma talvez um pouco mais limitada dos mudanças possíveis - por mais uma vez - das relações entre China e Estados Unidos, as duas maiores economias do mundo.
Por outro lado, embora os primeiro sinais para o agronegócio brasileiro se voltem para a soja, há mais mercados onde os reflexos podem ser mais agressivos, como é o caso do dólar, por exemplo, dos índices acionários norte-americanos, dos investimentos nos mercados dos EUA e até mesmo nos custos logísticos globais.
"Os títulos do Tesouro caíram no início das negociações na segunda-feira, com os títulos de longo prazo liderando perdas devido às apostas de que as políticas fiscais e comerciais de Trump estimularão o crescimento e aumentarão as pressões inflacionárias. O rendimento dos títulos de 30 anos subiu para 4,45%, ultrapassando os equivalentes de dois anos pela primeira vez desde janeiro, tornando a curva mais inclinada. O dólar subiu em relação à maioria dos pares. O Bitcoin teve o maior salto em quase dois meses, enquanto os futuros do índice S&P 500 subiram 0,4% logo após o sino de abertura", noticiou a agência internacional Bloomberg, nesta segunda-feira (15).
E analistas internacionais ouvidos pela Bloomberg apontam, portanto, que o mercado deixa claro sinais de sua preferência por Trump em detrimento ao frágil candidato do partido Democrata, Joe Biden. "Hoje, o mercado, principalmente o mercado norte-americano, já está trabalhando com essa alta probabilidade de vitória de Donald Trump em novembro", afirmou o professor da ESPM. "É muito improvável que os democratas consigam reverter o cenário". A tentativa do assassinato de Trump só deu mais força ainda à possibilidade de vitória do republicano que já vinha sendo ventilada com expressão depois do debate desastrosos para os democratas na última quinta-feira, mais uma ocasião em que a fragilidade de Biden ficou evidente.
EFEITOS SOBRE OS BRICS
Para José Carlos de Lima Junior, sócio da Markestrat e cofundador da Harven Agribusinesse School, dois principais desdobramentos teriam de ser observados em um cenário inicial. O primeiro deles é o acirramento comercial dos EUA não só com a China desta vez, mas com todos os países do BRICS e também às questões tributárias aliadas ao protecionismo de mercado, chegando ao encarecimento dos fretes marítimos.
"Trump é um republicano e a tendência é de que ele olhe para dentro dos Estados Unidos. Aquele protecionismo que ele colocou no passado, quando foi presidente entre 2017, tende a aumentar. Mas, naquele momento ele focou exclusivamente a China e, neste momento, ele pode olhar para os BRICS como um todo, porque entre seu primeiro governo e seu provável segundo, o que temos é uma nova ordem gepolítica com reordenamento de forças", afirma Lima.
A volta do executivo à presidência da maior economia do mundo aconteceria, portanto, em um cenário internacional muito mais complexo e tensionado, inclusive com guerras em andamento, como são os casos da invasão da Rússia à Ucrânia e o conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas, além de uma taxa de crescimento da China menor do que nos últimos anos e os governos de importantes economias europeis atuando em lados bastante diferentes, mas com a a União Europeia ainda buscando garantir alguma unidade apesar dos pesares.
Atualmente, há um lado em que estão, sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, "os Estados Unidos e a Europa e, de outro, a Rússia e a China, que está muito ao seu lado", explica o sócio da Markestrat, que lembra que, ao mesmo tempo, há diversos países pleiteando, inclusive, sua entrada no nos BRICS, bem como o estudo de um projeto de uma moeda do bloco, com a proposta de uma "desdolarização da economia mundial". Assim, "neste segundo mandato de Trum poderia haver um embate comercial muito grande, com um 'protecionismo 2.0', sobre a China, mas também sobre os BRICS.
Por outro lado, para Roberto Georg Uebel, os impactos sobre cada país dos BRICS poderia ser diferente. O professor da ESPM lê o atual momento com a Rússia excluída do sistema financeiro comercial internacional; a China como alvo da política externa de Trump; "mas tem a Índia, que é um grande parceiro dos EUA. O próprio Narendra Modi, que é o primeiro ministro indiano, tem boas relações com Trump. E o Brasil é uma incógnita", explica.
Assim, ele acredita que da parte do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, uma manutenção poderia ser esperada para as relações do Brasil com os Estados Unidos. No entanto, destaca para as boas relações da família Trump com a Família Bolsonaro. "Mas, olhando para a política externa, em especial a política de comércio exterior do Governo Trump, foi uma política que teve um impacto para o Brasil naquele momento (em seu primeiro mandato) em virtude da guerra comercial com a China, mas foi uma política de manutenção do que já existia".
PARA O AGRO DO BRASIL: DA CONCORRÊNCIA COM OS EUA AOS FRETES MARÍTIMOS
Com todas estas inúmeras pontas ainda se costurando, elencar os efeitos potenciais especificamente para o setor do agronegócio brasileiro ainda não é tarefa fácil. O que é possível já saber é que o Brasil poderia se valer de novos embates entre chineses e americanos, abrindo mais possibilidades para os produtos nacionais entre o maior comprador de commodities do mundo, como o algodão por exemplo.
Por outro lado, não se pode desconsiderar que momentos como estes exercem uma pressão agressiva sobre as cotações de produtos norte-americanos, já que os mercados temem por sua menor competitividade e, consequetemente, por uma demanda menor em seus mercados. Somente nesta segunda-feira, os preços da soja caíram mais de 2%, em um mercado já bastante fragilizado por seus próprios fundamentos, como uma safra recorde sendo esperada para os Estados Unidos na temporada que está em andamento.
"O fator envolve indiretamente nosso agro. O principal ponto de atenção está sobre a possibilidade de novos atritos que poderão vir a ocorrer com Trump na presiência. E a vitória da Trump dá munição especulativa, e vemos que não muda o quadro fundamental da concentração da demanda chinesa ou não no Brasil, até porque já está concentrada. Não temos nem mais superávit produtivo para abastecer ainda mais a China. O mercado já está sob pressão e o fator Trump dá ainda mais munição a quem se posiciona apostando em quedas de mercado, como é o caso de grandes fundos especulativos hoje", explica Matheus Pereira, diretor da Pátria Agronegócios.
No Índice de Commodities da Bloomberg, o grupo das commodities agrícolas - entre seis, sendo elas carnes, energia, grãos, metais, industriais, metais preciosos e softs (açúcar, algodão, cacau, café e suco de laranja) - é o que apresenta pior desempenho no acumulado de 2024.
E "grande parte da desinflação global vem sendo proporcionada pelos grãos e óleos vegetais. Neste ano, o índice de pior desempenho é o agrícola, que vem ajudano a reduzir a inflação de alimentos. E o índice da FAO confirma essa tendência", informa a Agrinvest Commodities.
No índice de commodities se registra um ainda suporte sobre os preços das softs, com quebras nas safras de cacau, café e laranja, ao passo em que as carnes são sustentadas pela diminuição contínua do rebanho americano nos últimos cinco anos, ainda como explica a Agrinvest, mantendo as cotações do boi na CME (Bolsa de Chicago) em suas máximas históricas. Na outra ponta, já pressionados, os grãos mantêm sua tendência de baixa, com o flat price chegando às suas mínimas da pandemia. "O milho FOB está perto de US$ 185,00 por tonelada e a soja, US$ 425, níveis não vistos desde 2020", informa a Agrinvest.
O quadro, inclusive, ajuda a justificar mais uma análise do professor Uebel, quando ele afirma que a pauta da segurança alimentar - apesar de todo esse alinhamento e desealinhamento da geopolítica - continua sendo uma das prioritárias em todos os governos, considerando todas as mudanças pelas quais passa o mundo.
"A China busca diversificação de parcerias, mas aqui com um adendo. A China de 2025 é muito diferente da China de 2017, apresentando hoje uma redução na sua taxa de crescimento, e isso já sentimos aqui no Brasil, em especial no setor do agronegócio. Essa China de 2025 é um país que cresce menos, que compra menos, então a fatia do bolo sobre a qual o Brasil poderia se beneficiar de uma eventual disputa comercial entre Estados Unidos e China será muito menor. Mas, até 2025, pode ser que mais setores podem se beneficiar, como o setor de mineração, em que o Brasil tem boas relações com os EUA e com a China", detalha.
Neste complexo ambiente, portanto, mais do que a oferta global de alimentos - ou de commodities agrícolas como matéria-prima para sua produção - a preocupação do mundo está ainda mais pautada, com um olho sobre essa reorganização da ordem mundial em especial diante da possibilidade de um governo Trump II, com o fluxo destes produtos e os custos para estas operações.
"Um possível embate comercial, com certeza, se dará em cima de tarifas, seja de importação ou exportação, e isso vai colocar muita insegurança nos impactos sobre os custos fretes marítimos. Porque todo o impacto de custos que tivemos em 2020 não começou com a pandemia, ele já veio em uma crescente de 2017, 2018, 2019, quando se registrou o embate comercial entre China e EUA que fez com que o mercado sentisse aquele choque e os custos marítimos ficaram mais evidentes e crescentes", explica José Carlos de Lima Junior.
Assim, no curto prazo, para 2024, o especialista ainda acredita que "o receio da China a uma possível vitória de Trump pode fazer com que Pequim aumente importações neste segundo semestre, principalmente do Brasil, considerando o temor deste aumento dos fretes que o mercado começa a precificar. Inclusive, neste curto prazo, pode ser positivo para o Brasil. Mas para 2025, isso já não é bom para nós, porque a partir do momento em que se tem o embate comercial, se tem custos marítimos muito caros", diz.