Queda das commodities e estreitamento das margens promovem devolução de terras arrendadas

Publicado em 02/07/2024 13:04 e atualizado em 02/07/2024 14:38
Fluxo de caixa dos produtores vem sendo comprometido por áreas arrendadas de menor produtividade

As margens mais ajustadas impostas aos produtores brasileiros de grãos - em especial para aqueles que se valem da combinação soja e milho - na última temporada em função de uma pressão expressiva nos preços têm se refletido, em algumas regiões do Brasil, em devoluções de terras arrendadas. A inviabilidade econômica da atividade se fez presente em determinadas áreas, principalmente as consideradas "novas fronteiras agrícolas" ou fronteiras mais recentes. 

"Em muitos arrendamentos novos, dessas áreas que eu chamo de áreas "marginais" - regiões de fronteira agrícola, áreas novas, áreas que eram pastos, áreas degradadas, que demoram a alcançar uma produtividade boa - o produtor só vai colocar dinheiro, porque sua produtividade não vai pagar a conta", explica o diretor da Agrosecurity, Fernando Pimentel. 

E ele complementa dizendo ainda que mesmo para o produtor que conta com áreas melhores, que lhes garanta melhores índices de rendimento de suas culturas, as áreas de novos arrendamentos ainda com potencial limitado acabam comprometendo o fluxo de caixa das áreas boas. Do mesmo modo, para um produtor que é 100% arrendatário e tem novas áreas, a dificuldade do acesso ao crédito, por exemplo, é maior. 

"Ele ainda não está cumprindo o ciclo dele de adequação deste solo, então, o fluxo de caixa dele está bastante comprometido. E neste momento, não se vê uma luz no fim do túnel (para os preços da soja)", afirma Pimentel. A nova safra norte-americana se desenvolve bem e para mudar o cenário de preços a produção teria que registrar problemas graves, gerando uma quebra substancial para afetar o mercado e mudar a direção das cotações. 

Assim, o horizonte para o produtor brasileiro não conta com uma perspectiva de melhor margem de rentabilidade para estas áreas novas, áreas que exigem o pagamento de aluguel e, consequentemente, são mais custosas ao agricultor. "Sob o ponto de vista econômico e financeiro, essas áreas estão inviáveis", explica o executivo, que afirma ainda que a maior parte dos profissionais que produzem em terras arrendadas que têm condições de caixa para bancarem essas áreas menos produtivas. 

Nos últimos 20 anos, a área cultivada com soja no Brasil veio crescendo de forma expressiva, com a oferta crescendo na medida em que não só os resultados financeiros se mostravam melhores para o produtor brasileiro, mas também diante de uma demanda crescente pela oleaginosa brasileira. De acordo com números da Conab, a área nacional cresceu 115,06% da safra 2003/04 para a 2023/24, saltando de 21,38 para 45,98 milhões de hectares. 

No intervalo, houve uma redução apenas da temporada 2004/05 para a 2005/06 e, na sequência, para a 2006/07. 

"Eu comparo essa situação de hoje com a safra 2004/05, quando tivemos problemas também de baixa, naquela época, derivado pela quebra de safra em função da ferrugem, dois anos seguidos de custos impactados pelo uso de fungicidas e a rentabilidade porque as produtividades ainda eram baixas. E olhando esse quadro lá de trás, olhando para 2006/07 - depois da crise mais aguda do caixa dos produtores - tivemos redução de área e de tecnologia. E para este ano e o ano que vem não vejo, em parte da fronteira agrícola e no Rio Grande do Sul também, como o produtor manter o nível de tecnologia. Ele vai fazer uma lavoura econômica", detalha Fernando Pimentel. 

Embora ainda muito ainda possa acontecer à nova safra dos Estados Unidos, as perspectivas ainda indicam uma produção cheia, acima de 120 milhões de toneladas, em um cenário que mantém as cotações pressionadas na CBOT e, consequentemente, mantendo as margens no Brasil mais estreitas mesmo diante do dólar em forte alta frente ao real. A taxa cambial como está, afinal, forma preços melhores de soja, mas eleva os custos de produção. 

Neste quadro, as compras dos insumos estão atrasadas para a safra 2024/25 e, o que mantém o planejamento da nova temporada comprometida e, para alguns especialistas, sinalizando uma diminuição de área plantada com a oleaginosa no país. Assim, a realidade de áreas sendo devolvidas chegou e tem se confirmado em regiões importantes do Brasil. Pimentel atribui, inclusive, o atual momento não só às margens comprometidas da soja, mas também do milho, em um mercado que não dá sinais de recuperação. 

"Na medida em que os dias vão se aproximando do plantio da safra de verão, vemos que esses produtores com áreas menos viáveis vão se desestimulando. E o próprio financiador fica retraído com esse tipo de de perfil do produtor. Sem garantia real, área nova. Arrendamentos de 14, 15, 17 sacas não param de pé, em muitas regiões do Cerrado, por exemplo". 

Na sequência deste período pós safra 2006/07, quando houve uma contração de área, o Brasil registrou 15 anos de prosperidade e crescimento. E ajustes como este que está previsto para a nova safra são necessários e naturais, com o mercado buscando uma auto regulação. "Então, podemos ter uma redução de área e de tecnologia. É o que eu chamo de freio de arrumação. E às vezes, esse ajuste, tirando as áreas marginais, aqueles que estão com mais problema de gestão e caixa da atividade, você abre espaço para aqueles que têm áreas melhores, uma gestão financeira melhor, e o mercado busca esse ajuste", afirma o diretor da Agrosecurity.  

GESTÃO MAIS EFICIENTE E NEGOCIAÇÕES PARA EVITAR DEVOLUÇÃO DE TERRAS ARRENDADAS

Como as negociações de valores por hectare são feitas no ato da contratação, nem sempre o arrendatário está ciente dos riscos e das variações de mercado, o que torna o processo desafiador.

“Não existe um levantamento do tamanho das áreas arrendadas no país, mas é possível afirmarmos que muitas pessoas entraram na atividade nos anos de preços melhores sem prever que um dia eles poderiam cair”, comenta Lars Schobinger, engenheiro agrônomo e CEO da Blink Inteligência Aplicada.

De forma geral, os preços dos arrendamentos no Brasil giram em torno de 15 a 25 sacas por hectare, o que representa de R$1.800 a R$3.000 na média atual de preços para a oleaginosa. Somado a esse valor estão os custos de produção e dos insumos, que variam de acordo com a flutuação do dólar e das taxas de juros praticadas no país. 

“O agronegócio é cíclico e com muitas variações de curto prazo, enquanto que contratos de área são de longo prazo. Isso cria uma desconexão entre o preço da terra e o preço da comercialização. Por exemplo, os valores dos contratos firmados em 2021 e 22, anos em que os preços da soja foram muito bons, não são mais viáveis considerando os patamares de preços de 23 e 24”, diz Schobinger. 

As novas fronteiras agrícolas e as regiões que passaram por dificuldades climáticas estão entre as mais suscetíveis para o rompimento de contratos de terra.  Nessas áreas, o apetite por novas aberturas é menor, especialmente para quem não estava preparado para um cenário macroeconômico mais arisco para investimentos. 

“Em regiões mais consolidadas, que chove bem e que possuem solo altamente produtivo, a demanda continua aquecida. Claro que há problemas pontuais também nessas localidades, com lavouras trocando de mãos e até mesmo alguns produtores querendo expandir as atividades”, esclarece Sandro Al-Alam Elias, diretor da Acres, braço imobiliário da consultoria Safras & Cifras. 

Segundo Sandro Elias, a falta de gestão profissionalizada e eficiente é outra explicação para o interrompimento de contratos. No entanto, ele acredita que isso faz parte da lógica de mercado e que agricultores capitalizados podem absorver possíveis áreas que forem “abandonadas”.  

“O solo é um ativo seguro, que gera rentabilidade tanto para quem produz quanto para quem arrenda. Para quem economizou no momento de alta, por exemplo, agora é um bom momento para aquisições e expansões. Além disso, outros setores da economia estão visando cada vez mais os ativos rurais e isso traz maior profissionalismo para o agronegócio como um todo”, explica.

Nesse contexto, em que há a presença de consultorias e de agentes financeiros, os contratos de arrendamento ficaram mais seletivos para evitar possíveis rompimentos.

“Mesmo com o momento complicado, a devolução do arrendamento é um péssimo negócio para todas as partes envolvidas. Então é possível termos renegociações, atualizações de valores e acordos para que isso não aconteça”, argumenta Schobinger. 

A parceria rural é uma das opções que podem ser utilizadas para evitar a quebra de contrato. Ao contrário do arrendamento, que exige o pagamento da terra independentemente dos riscos e da lucratividade, a parceria permite flexibilidade de valores conforme as melhorias feitas na área e de acordo com a rentabilidade do arrendatário.

“Vejo essa modalidade ocorrendo com mais frequência, pois é uma forma mais igualitária de ajustar os lucros ou os prejuízos de uma safra. Além disso, há uma compreensão melhor de que as melhorias feitas, como a implementação de pivôs e silos, resultam em maior valor agregado para o negócio. Outro ponto importante na diferença entre contrato de arrendamento rural  e o contrato de parceria rural é o Imposto de Renda. No contrato de arrendamento rural, esse tributo é declarado como se fosse um aluguel comum. Já no contrato de parceria rural, cada uma das partes tem seus rendimentos tributados como atividade rural”, explica Sandro Elias.

Por: Carla Mendes e Ericson Cunha
Fonte: Notícias Agrícolas

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