Terras agrícolas: Preço do hectare praticamente dobrou em 3 anos no Brasil e já supera os R$ 55 mil; saiba a tendência para este ano
O preço das terras agrícolas quase que dobrou em três anos na média de todo o Brasil (valores nominais), fechando 2023 em recorde R$ 55,02 mil por hectare, segundo estudo elaborado pela S&P Global Commodity Insights, acompanhando um 'boom' no preço das commodities agrícolas e aumento de área no país. Em variação real, considerando a inflação, a alta foi de 59,9%. Apenas no ano passado, a valorização real foi de 3,2% ante 2022 e nominal de -0,5%. A tendência para 2024, porém, é de poucas mudanças.
"Entre 2022 e 2023, os preços das commodities agrícolas, principal elemento que impacta nas terras, e na pecuária brasileira bateram um teto (após várias altas encorajando investimentos dos produtores) e, depois, caíram, o que obviamente reduziu a renda dos agricultores no país. E, menor renda, reflete diretamente em menor capacidade em comprar terra. Com isso, temos esses ajustes pontuais de preços em regiões do país agora", destaca Anderson Galvão, analista da Céleres Consultoria.
"O agricultor resiste a tudo, menos à tentação de comprar mais um hectare"
Anderson Galvão, analista da Céleres Consultoria
No recorte por tipos de terras, as áreas de reflorestamento no Brasil foram as que mais tiveram valorização nos últimos três anos, segundo os dados da S&P, de 118,3%, seguida pelas agrícolas (grãos e oleaginosas), com 91,5% – apesar de serem as únicas com queda anual nominal em 2023 –, pastagens (70,9%) e vegetação nativa (40,4%). Além disso, a região Sul do país segue com os maiores preços de terra do país, próximo de R$ 60 mil por hectare, com destaque ao Paraná devido a qualidade do solo na região.
Diante desse indicativo de aumento nos preços das terras agrícolas no ano passado no país, o volume de compra e venda foi considerado lento, segundo a S&P Global Commodity Insights. "Foi reportado um mercado enfraquecido, com pouco ou nenhum negócio realizado", explicou a consultoria global em relatório cedido ao Notícias Agrícolas. "Os desafios em relação à queda do preço das commodities e impactos na rentabilidade agrícola foram os principais acontecimentos que contextualizaram 2023", complementa.
A terra agrícola é considerada um ativo real, segundo Galvão, utilizado como uma estratégia interessante contra a inflação em todo o mundo. "Investidores procuram terra como forma de proteção. Então, países como os Estados Unidos, que tem uma terra mais valorizada, tendem a sentir poucas variações de preço mesmo com a queda das commodities agrícolas, como aconteceu nos últimos anos", explica o analista. Atualmente, no Brasil, porém, a legislação é bastante restrita para investimentos de estrangeiros em área rural.
A recente alta nos preços das terras agrícolas no país também tem sido acompanhada pela Scot Consultoria, mas com preços menores levantados em todo o país do que os registrados pela S&P referentes 2023. O preço médio do hectare no Brasil, segundo a consultoria paulista, ficou em R$ 30,85 mil no ano passado e o de pastagem em R$ 17,39 mil por hectare, mas também viram uma menor liquidez nos negócios no final do ano. O estado do Paraná também tem a área com maior valor do país neste levantamento.
Felipe Fabbri, analista de mercado da Scot Consultoria, explica que apesar de alta nos preços entre 2022 e 2023, gerando preços nominais da terra absolutamente recordes no país, a tendência para este ano de 2024 é de preços sem muitas alterações a baixista. "Acreditamos que 2023 tenha sido o último ano de avanços expressivos nos preços, após o boom das commodities a partir de 2019/20", destaca o analista.
"Diante do cenário de valorização de commodities até 2022, o agricultor ficou mais capitalizado, aumentando a liquidez neste mercado de terras"
Ana Paula Zerbinati, head de relações com investidores e mercado de capitais da BrasilAgro
A BrasilAgro, uma das maiores empresas brasileiras em quantidade de terras agricultáveis registrou em 2023 um cenário de liquidez de terras parecido com o ano anterior. "Para se ter uma ideia, em 2022, a BrasilAgro vendeu R$ 316 milhões em propriedades rurais. Já em 2023, portanto, diante de um cenário mais desafiador para o agronegócio, a companhia vendeu R$ 445 milhões. Isso mostra que a liquidez se manteve, prolongando um ciclo de valorização das terras", afirma Ana Paula Zerbinati, head de relações com investidores e mercado de capitais da BrasilAgro.
Os valores mais altos no último ano mesmo com cenário mais desafiador têm explicação. "Apesar da queda nos preços de commodities, os ciclos de negociação nunca provocam repasses imediatos, e 2023 conseguiu surfar na onda positiva gerada por 2022, quando o agricultor estava bastante capitalizado em função da valorização das commodities e bom rendimento das culturas. Além disso, apesar de margens mais apertadas no clico produtivo 2022/23, ainda houve crescimento de safra quando olhamos para o volume total brasileiro. Considerando tudo isso, o mercado de terras se manteve valorizado e, na visão na BrasilAgro, foi um excelente momento para venda de fazendas", complementa a executiva.
A safra 2023/24 de soja e milho no Brasil tem sido marcada por melhores níveis de rentabilidade com redução dos custos de produção mesmo com preços de venda das culturas mais baixos, segundo a S&P Global Commodity Insights, o que impactou no cenário de quase estabilidade nos preços das terras destinadas a essas culturas no comparativo dos anos de 2022 e 2023 (-0,5% na variação nominal ou 3,2% na análise de valor real).
"Houve maior rentabilidade da safra em 2023/24 para grãos e oleaginosas, mesmo com preços de venda das culturas mais baixos"
S&P Global Commodity Insights
"Embora 2022/23 tenha registrado uma rentabilidade da soja próxima dos níveis históricos, esta foi inferior às duas safras anteriores devido ao aumento dos custos de capital e de fatores de produção e à fraca rentabilidade do milho, pesando sobre os preços das terras agrícolas", destacou a S&P em relatório. Áreas das regiões Centro-Oeste e Norte do país foram as que mais se valorizaram em 2023, de acordo com análises feitas pela consultoria internacional.
Os preços das terras agrícolas tiveram uma importante mudança de patamar entre 2019 e 2020, segundo Galvão, cenário que ainda foi visto em 2023, ainda que pontualmente, e esses avanços acompanharam três fatores na visão do analista. "A Selic (taxa básica de juros) estava muito baixa e incentivava alta de preços de ativos. Outro ponto, é que em 2020 começou a pandemia e o Brasil foi muito beneficiado. Apesar da restrição de fluxo, a área agrícola seguiu com sua produção para atender uma alta demanda. E, em terceiro, como forma de mitigar os efeitos da pandemia, os bancos centrais imprimiram muito dinheiro (impactando na inflação e câmbio)", explica.
Justamente, desde o ano de 2020, o uso de terras destinadas aos grãos lidera os preços no país, segundo as análises da S&P, seguidas por café, cana-de-açúcar, florestas plantadas e pastagem. "Se a soja, milho ou cana perdem valor, o produtor não terá margem para expandir produção. Se ele não expande, ele não desenvolve novos hectares de terras agrícolas", complementa Galvão.
Qual a tendência para as terras agrícolas em 2024?
Depois da disparada de preços das terras agrícolas no Brasil, na visão de Galvão, a tendência é de um cenário mais tranquilo a partir deste ano de 2024. Porém, fatores atípicos não podem ser deixados de lado. "A minha leitura para 2024 e 2025 é de preços estáveis até porque o agricultor não terá renda sobrando. Ele fez muito investimento nos últimos anos. Além disso, regiões tiveram queda de safra, tudo isso gera um clima mais pessimista. E, consequentemente, um interesse limitado", diz o analista.
"Apesar da tendência de uma Selic mais baixa à frente, os preços dos grãos e da pecuária têm recuado entre 2023 e 2024, o que compromete a geração de caixa. Então, no meu entendimento, apesar da mudança de patamar nos últimos anos, a tendência a partir de agora é de acomodação", destaca Galvão. Porém, fatores atípicos precisarão ser acompanhados. "Quando acontecem essas mudanças de patamar, os preços se acomodam até que surja um novo evento de liquidez que leve a uma nova disparada", explica.
"A expectativa é de queda para os preços de terras em 2024 e manutenção do quadro de baixa liquidez"
Felipe Fabbri, analista de mercado da Scot Consultoria
A Scot Consultoria, por outro lado, vê preços das terras agrícolas no país até mais baixos em 2024 e manutenção do quadro de baixa liquidez. "As margens apertadas aos produtores, nos maiores mercados no Brasil (soja, milho e pecuária), entre 2022/23 e 2023/24, devem tirar o ímpeto comprador e a expansão de áreas – mas, para quem tem caixa disponível, pode ser um momento propício e de oportunidades. As expectativas de preços para os mercados balizadores das vendas será fundamental, além da questão da taxa de juros para a obtenção de crédito e financiamento ", diz Fabbri.
A BrasilAgro já registra um cenário mais lento de negócios neste ano. "A liquidez no mercado de terras está menor, especialmente no primeiro semestre de 2024, abrindo caminho para um ciclo mais comprador dentro do negócio da companhia. Como houve redução nos preços das commodities no mercado internacional na safra 2023/24 e quebra de safra provocada pelo El Niño, as margens ficaram mais apertadas e isso faz com que o agricultor perca a capacidade de investimento. Ainda que haja uma recuperação nos preços das commodities ao longo de 2024, isso só impactaria os negócios das fazendas em 2025", explica Ana Paula.
Se a tendência de preços das terras é de alguma estabilidade para este ano, por outro lado, o cenário de arrendamentos no país é mais delicado. "O agricultor que fez esse tipo de investimento, com valores bastante altos entre os anos de 2022 e 2023, não deve ter uma conta fechando em 2024. Ele tem a opção de renegociar um novo valor com o dono da terra ou simplesmente devolver. Com esse cenário, o preço do arrendamento pode cair à frente", finaliza Galvão.