Produtores rurais intensificam protestos na Europa, na França, a mensagem é "Macron, nos responda"!

Publicado em 31/01/2024 11:19 e atualizado em 31/01/2024 12:38
Governo envia blindados enquanto tratores estacionam na rodovia A6, na França
Foto: Abdul Saboor/Reuters

Os protestos de produtores rurais continuam e se intensificam por toda a Europa neste momento. Com o movimento que, neste 2024, se iniciou em Berlim, na Alemanha, e foi se espalhando por todo o país, ganha agora o continente e as ações mais intensas são registras agora na França. As notícias da imprensa local dão conta de que a capital Paris teria estoques de alimentos para apenas três dias, uma vez que a cidade foi toda bloqueada por agricultores quer pedem por mais atenção dos governos a pleitos antigos do setor. No centro da pauta estão as políticas ambientais da União Europeia e as importações mais baratas de alimentos - como a de produtos brasileiros, por exemplo - além dos subsídios à atividade, que estavam em discussão para, ao menos em partes, serem extintos por alguns governos. 

Em todas as partes da França é possível ver pontos de protestos com a frase "Macron, nos responda!", como mostra a imagem abaixo:

Manifestações se espalham pela França
Foto: Abdul Saboor/Reuters

Além da França e da Alemanha, se uniram às manifestações a Itália, a Espanha, a Polônia e a Bélgica. 

Nesta quarta-feira (31), o governo francês enviou veículos blindados para pontos de manifestação próximos a um mercado de alimentos em Paris, confirmando a escalada das tensões entre autoridades e os produtores rurais. Há bloqueios das principais rodovias e entradas não só da França, mas também da Bélgica. 

Protestos de produtores rurais na rodovia A4, na França
Foto: Stephanie Lecocq/Reuters

As ações vão ganhando cada vez mais força antes da Cúpula da União Europeia, que começa nesta quinta-feira (1) e as primeiras sinalizações dos líderes do bloco - na tentativa de amenizar as manifestações - dão conta de limites às importações de produtos agrícolas da Ucrânia e algumas regras ambientais que poderiam ser afrouxadas. No entanto, líderes do manifesto afirmam que isso é insuficiente. 

"O que está acontecendo neste momento é reflexo do acúmulo de regras que inicialmente você aceita até que se tornam demais", disse Arnaud Rousseau, chefe do sindicato francês FNSEA (Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas, na sigla em francês). "Não estamos descartando nenhuma opção". 

Os protestos vinham pacíficos até agora, porém, manifestantes pulverizaram esterco líquido em prédios oficiais nesta semana, além de terem ateado fogo em pneus, o que resultou na prisão de 18 pessoas nesta quarta. 

Placa no trator, em protesto na França, diz: "nosso fim será a fome"
Foto: Stephanie Lecocq/Reuters

De acordo com informações da Reuters Internacional, "os agricultores, que estão protestando há mais de duas semanas, intensificaram a pressão sobre o governo, bloqueando estradas com seus tratores perto de Paris e ateando fogo em fardos de feno para interditar parcialmente o acesso ao aeroporto de Toulouse".

À imprensa local, o ministro francês do Interior, Gérald Darmanin, afirmou que a polícia está pronta para defender pontos estratégicos e as maiores cidades do país. "Eles não podem atacar a polícia, não podem entrar em Rungis, não podem entrar nos aeroportos de Paris ou no centro de Paris. Mas deixe-me dizer novamente que se eles tentarem, estaremos lá", disse, já tendo afirmado que teria pedido à polícia que agisse com cautela. 

Apesar disso, centenas de tratores começaram a se aproximar de Rungis no início desta quarta. Há ainda manifestantes chegando também a Lyon, a terceira maior cidade da França. E neste movimento, um dos líderes dos produtores franceses afirmou estar muito orgulhoso. "Vocês estão travando esta batalha porque se não o fizerem, vamos morrer", disse. 

Na Bélgica, "os agricultores bloquearam estradas de acesso para o porto Zeebrugge. Agricultores da organização do protesto afirmaram que planejaram bloquear o acesso ao porto do Mar Norte, o segundo maior do país, por pelo menos 36 horas. O porto virou alvo porque, segundo os manifestantes, recebeu apoio econômico às custas dos agricultores", informa a agência de notícias.

Protestos de produtores rurais bloqueiam acessos ao porto Zeebrugge
Foto: Johanna Geron/Reuters

"Se continuarmos como estamos, o fim da agricultura será o fim da civilização", disse o agricultor belga Adelin Desmecht, de 28 anos, citando os custos de produção elevados, taxações e a burocracia intensificada. E um porta-voz dos produtores da Antuérpia, na Bélgica, afirmou que os produtores já têm bloqueado caminhões para entrada e saída do porto da cidade, que é o segundo maior da Europa.

Na Itália, as maiores concentrações de tratores e produtores rurais se dá nas rodovias, em especial nas proximidades de Milão e na Toscana, mas há mais pontos de protesto. 

DEPENDÊNCIA DA AGRICULTURA EUROPEIA POR SUBSÍDIOS

As análises de Roberto Rodrigues e Ivan Wedekin

Roberto Rodrigues destacou durante as discussões do programa Conexão Campo Cidade que os governos da União Europeia - não que seja um movimento coordenado, mas sim aleatório - estão criando dificuldades para os produtores rurais sobreviverem. “Na Alemanha, cortaram barbaridade do subsídio para diesel, o que atrapalha muito a produção agrícola europeia. Na Holanda, cortaram uso de defensivos agrícolas, de fertilizantes nitrogenados, criando uma dificuldade tão grande, que chegou a anunciar que 30% dos agricultores serão eliminados do processo produtivo”, afirmou . 

Segundo ele, isso ocorre porque o volume de recursos utilizados por todos os países europeus para subsidiar os agricultores foi ficando muito grande e muito caro. “No pós-pandemia e durante a guerra entre Rússia e Ucrânia, os orçamentos europeus diminuíram, enxugaram. Então os governos tratam de organizar seus orçamentos cortando aquilo que eles acham que podem cortar”, explicou Rodrigues. 

Isso fez com que ele os governos cortassem recursos do “do lado mais fraco” na Europa, como citou Rodrigues, pois a agricultura pois corresponde de 2 a 3% da população do continente, porém foram surpreendidos com o tamanho das manifestações: “Eles não esperavam jamais que essa minoria populacional tivesse uma reação tão vigorosa e com apoio da comunidade urbana”. 

Sobre esse assunto, Ivan Wedekin detalhou que, no casa da União Europeia, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento), 16,6% da renda dos produtores na Europa vem da política agrícola, de transferência dos governos e dos consumidores. Enquanto isso, no Brasil esse número é 2%. “A nossa política agrícola é eficiente e barata. No Japão é quase 40%. Esse é o grande nó que a política agrícola europeia tem, pois propiciou essa atenção especial a partir dos anos 50, dando essa segurança aos produtores. Agora, com as demandas que a Europa está tendo, a transição energética que ela tem que fazer, tudo isso é mexer com uma política econômica que é muito cara e do ponto de vista estrutural não é competitiva”, explicou Wedekin. 

Para ele, isso é um enorme benefício para o Brasil, pois no país há os chamados “ganhos nas economias de escala”. Como exemplo, ele cita o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) que há 40 anos chamava de “super farmer”, um grande produtor, aquele que produzia mais de US$ 500 mil por ano. Isso no Brasil, hoje, especialmente no Centro-Oeste, é um pequeno produtor, como afirmou Wedekin. Segundo ele, a Europa não tem essa possibilidade de ganhos na economia de escala, pois não tem competitividade. 

EXEMPLO PARA O BRASIL

Cenário europeu pode ser referência para o Brasil, avalia economista

O economista Antônio da Luz acrescentou à discussão que o caso da União Europeia tem que servir para aprendizado para Brasil. De acordo com ele, a agricultura brasileira não tem nenhuma possibilidade de chegar ao nível do problema europeus, pois não possui orçamento suficiente para isso. Mas, para ele, a diretriz é importante ao agro nacional, pois vê muitos produtores pedindo um estado cada vez mais presente no setor. 

Ele contou que na Europa os governos chamaram para si a autoridade de domínio, de controle da agricultura, através do subsídio. Porém, à medida que eles faziam isso, outros países e majoritariamente o Brasil começaram a produzir cada vez mais. 

No Brasil, passou-se a produzir 100 milhões de toneladas a mais em tempo cada vez menor, dobrando a produção em tempo cada vez menor. Com isso, os preços internacionais começaram a reduzir. Com o preço internacional dos alimentos está mais barato em termos reais do que era no passado. “Quanto menor for o preço dos produtos no mercado internacional, maior a dose de subsídio que os governos precisam pagar. Então, quanto mais eficiente outros países forem de modo a abaixar o preço do produto,  maior a carga de subsídio”, explicou o economista . 

Além disso, quanto mais orçamento os governos europeus agregavam aos subsídios, mais exigências eles iam fazendo aos produtores europeus, frisou Antônio da Luz. A produção europeia por sua escala já teria muita dificuldade de prosperar em um mercado aberto. Segundo ele, Com todos entraves que estão carregados, as exigências que existem sobre eles, mesmo que fossem expostos a um subsídio maior, não teria como competir carregando o fardo que carregam: “Eles não competiriam de qualquer jeito, mas eles estão correndo com uma bola de ferro pendurada no pé”.

Antônio da Luz complementou dizendo que a agricultura na União Europeia só existe por causa do Estado, então existe uma dependência. Por isso ele questiona se esse é um caminho saudável para o Brasil trilhar. Ele exemplificou que até mesmo a agricultura familiar, atualmente, tem uma dependência menor de subsídios: “Ano passado, 29% de todo o recurso do crédito da agricultura familiar veio dos recursos livres, que são capitados no mercado de capitais”. 

De acordo com o economista quanto mais o país permite que os agricultures deem os seus jeitos, mais competitivos e maiores eles se tornam, e mais a agricultura nacional vai competindo. “Isso não quer dizer que devemos ter uma independência absoluta do Estado, mas precisamos ter o Estado olhando para os desafio que ele pode cumprir e não carregar um setor no colo, porque isso nos causa duma dependência”, explicou. 

Por fim, o questionamento de Antônio da Luz é que, ao não conseguir impor a “agenda verde” na Europa, os governos de lá não abandonem a pauta e a tragam para: “países de sociedade mais frágil, como na América Latina, especialmente o Brasil, que tem apetite para aceitar agendas importada sem fazer a correta avaliação das consequências”.

Com informações da Reuters Internacionais, BBC, Rede Al Jazeera e France 24

Por: Carla Mendes e Igor Batista | Instagram @jornalistacarlamendes
Fonte: Notícias Agrícolas

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