Água e cobertura ajudam a reduzir efeitos do excesso de calor nas plantas

Publicado em 28/11/2023 08:29
Em fruteiras, por exemplo, o excesso de calor pode causar o abortamento dos botões florais – que dariam origem aos frutos

O excesso de calor registrado nos últimos meses provoca fortes impactos sobre as plantas, e somente aumentar o fornecimento de água alivia, mas não resolve o problema. Isso é o que explicam três cientistas da Embrapa habituados a analisar o comportamento de espécies vegetais em uma das áreas mais quentes do País: o Semiárido, em sua maior parte localizada no interior da Região Nordeste.

Os pesquisadores Magna Moura, Saulo Aidar e Agnaldo Rodrigues, da Embrapa Semiárido (PE), esclarecem que os impactos dependem de vários fatores, entre eles a fase fenológica em que a planta se encontra. Em fruteiras, por exemplo, pode causar o abortamento dos botões florais – que dariam origem aos frutos –, ou queimar aqueles que já se encontram em fase de amadurecimento – processo conhecido como escaldadura. Também pode reduzir as trocas gasosas e afetar a produtividade das culturas.

Experimentos mostraram que telas de sombreamento protegendo as culturas têm ajudado a mitigar os efeitos do calor. Estudo realizado com o cultivo de macieiras comprovou que o uso dessa estrutura para sombreamento no pomar resultou em maior desempenho fotossintético comparado ao ambiente a pleno sol. “Esse resultado mostra que, em determinadas épocas do ano, a radiação solar na região é naturalmente excessiva para a fotossíntese de algumas culturas agrícolas, e pode impactar o desempenho fisiológico não somente pela quantidade de energia luminosa, mas também devido ao aquecimento excessivo do ambiente nos horários próximos do meio-dia”, ressalta Moura.

Estudo com o cultivo de meloeiro amarelo híbrido, cultivado com irrigação e sob sol pleno, mostrou que as trocas gasosas nas folhas diminuíram progressivamente ao longo da manhã. Nesta condição, a fotossíntese alcançou os menores valores após as 13 horas, quando a temperatura da folha apresentava os maiores valores registrados (em torno de 36,7 ºC).

O experimento também englobou o cultivo de melão, da mesma variedade, mesma idade e na mesma área, porém usando cobertura agrotêxtil branca. O resultado foi uma maior abertura dos estômatos ao longo do dia, o que permitiu maior transpiração e, consequentemente, menor aquecimento das folhas. Chaves conta que o uso da cobertura têxtil promoveu um microclima mais favorável para o desempenho fisiológico das plantas, mitigando o fator potencial de estresse térmico na cultura. “Mesmo sob menor radiação solar fotossinteticamente ativa, a fotossíntese foi favorecida e contribuiu para uma produtividade 35,15% maior do que na condição de cultivo a pleno sol”, destaca.

Efeito do ambiente em frutíferas

Avaliando a temperatura das folhas de videira, uma das principais culturas da região, em um dia de calor extremo, os pesquisadores observaram um aumento de aproximadamente 8 ºC na temperatura das folhas entre as medições realizadas no início da manhã e por volta das 13 horas. As medições foram feitas por meio de imagens térmicas desde os primeiros horários da manhã, quando as temperaturas são menores, até depois do meio-dia, quando ocorrem os maiores valores.

Eles também notaram diferenças entre as temperaturas verificadas nos diferentes lados da planta, mostrando que a incidência direta da radiação solar também é um fator relevante. Em folhas de mangueira, outra das mais importantes culturas da região, foi verificada diferença de aproximadamente 9 °C entre os lados de sombra e de sol, em medição realizada também por volta das 13 horas.

Já nas avaliações fisiológicas, feitas com a variedade de uva de mesa BRS Melodia, foi observado o fechamento dos estômatos na ordem de 35,5%. Isso provocou uma diminuição de 47% da capacidade das plantas de realizar a fotossíntese, comportamento identificado por meio de medição entre os horários de 9h30 e 12 horas.

Mesmo com o fechamento dos estômatos, as mudanças na temperatura e umidade do ar causaram um leve aumento da transpiração foliar, em torno de 8%. Isso, no entanto, não foi suficiente para manter o resfriamento das folhas, cujas temperaturas aumentaram de 34,4 ºC para 40,7 ºC.

Atenção permanente

Moura ressalta que, apesar de as variações agrometeorológicas nesta primavera de 2023 alcançarem valores de temperatura do ar acima da média, é importante considerar que condições de estresse térmico e oxidativo podem estar presentes em vários períodos do ano, especialmente em regiões quentes como o Submédio do Vale do São Francisco.

Estudos realizados na região com diferentes culturas mostram essa realidade. Em mangueiras da variedade Palmer, em fase de florescimento em março de 2021, houve diminuição de 13,7% da fotossíntese, com o aumento da temperatura da folha de 31,3 ºC para 34,8 ºC, entre os horários de 9h50 e 11h50.

Resultados como esses mostram, ainda, que, além de ajustar a irrigação, outras medidas também podem ser adotadas, a depender da cultura, para minimizar os efeitos das altas temperaturas nas plantas. Saulo Aidar conclui: “Todos esses fatores tendem a diminuir o desempenho fisiológico e, consequentemente, a produtividade das plantas. Portanto, se for possível melhorar o manejo nessas condições, com certeza haverá ganhos de produtividade, economia de insumos, menores custos de produção e um melhor rendimento final no sucesso comercial da produção”.

Como as temperaturas extremas afetam a agricultura

As condições climáticas são uma das principais razões para o sucesso da produção agrícola nacional, o que torna o Brasil um grande exportador de produtos agropecuários, além de produzir alimentos para sua população. Com a chegada da primavera, normalmente tem início o período de aquecimento do ar em grande parte do País, quando as temperaturas tendem a se elevar até o final do verão. Neste ano, porém, os últimos dez dias de setembro e os primeiros de outubro, e novamente na primeira quinzena de novembro, o Brasil experimentou temperaturas bem acima do normal, ficando entre 2 ºC e 3 oC acima da média na maior parte do País, e sendo superior a 7 oC em alguns dias e locais.

Em parte do Nordeste, as temperaturas já são elevadas durante todo ano, pois essa área localiza-se em uma região mais próxima à linha do Equador, que recebe elevados níveis de radiação solar o ano inteiro. Por isso, o calor intenso já faz parte do dia a dia das plantas cultivadas em um dos mais importantes polos de fruticultura do País, o Submédio do Vale do São Francisco.

Localizada em pleno Semiárido, no entorno das cidades de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, a região apresenta temperatura média anual de 27 oC, e a média da temperatura máxima gira em torno de 34 oC nos meses de outubro e novembro. Neste ano, no entanto, os termômetros registraram valores acima de 39 oC, ou seja, cerca de 5 oC acima da média. “Sob essas condições, as principais frutíferas produzidas nessa região, onde são cultivadas sob irrigação, também sofrem impactos negativos”, relata a pesquisadora da Embrapa.

Ela observa que esses padrões se repetem, pelo menos, desde a década de 1970, quando a Embrapa Semiárido começou a realizar medições de temperatura na Estação Agrometeorológica de Bebedouro, em Petrolina (PE). Nesse período, foram observados diversos episódios de anomalia na temperatura média do ar, com picos que chegaram a até cerca de 5 oC acima da média histórica. O mesmo acontece, também, para temperaturas abaixo da média, quando os menores valores são associados a eventos de chuva.

A pesquisadora explica que, em um dia ensolarado e sem nuvens, o aumento da radiação solar é acompanhado do aumento da temperatura do solo e do ar e, consequentemente, da diminuição da umidade relativa do ar. Isso aumenta a velocidade de perda de água pelas folhas, que nem sempre pode ser acompanhada pela velocidade de reposição, levando à desidratação.

Somente a água não resolve

Se uma das principais recomendações para as pessoas enfrentarem o calor com segurança é se hidratar, o aumento na oferta de água seria também uma solução para o problema das plantas? A resposta é: sim e não.

O pesquisador Saulo Aidar aponta que, “sob condições ótimas de umidade do solo, os efeitos fisiológicos negativos provocados pelo calor podem ser reduzidos, por isso se torna importante ajustar a irrigação, considerando, ainda, que nesses períodos a taxa de evaporação de água do solo também é maior”.  No entanto, só a água não é capaz de eliminar os impactos das altas temperaturas, pois o desempenho das plantas é afetado, também, pela interação com outros fatores, como a radiação solar e a umidade do ar.

Segundo Aidar, em períodos muito quentes, mesmo havendo água no solo, a planta pode continuar apresentando aspecto de falta de água – situação conhecida como seca fisiológica. Entre os sintomas mais comuns estão o enrolamento e a mudança na inclinação das folhas, dependendo do horário do dia, para algumas culturas que apresentam essa característica, visando diminuir a absorção da luz solar.

O pesquisador lembra que a seca fisiológica também pode ocorrer por outras causas, como excesso de adubo no solo, excesso de salinização do ambiente, ou mesmo o excesso de água, provocando o encharcamento do solo. Pragas e doenças nas raízes também podem limitar o desenvolvimento das plantas, o que pode parecer dificuldade de absorção de água pela planta. “Por isso, é importante identificar corretamente quais as causas para que se possa buscar um manejo adequado”, reforça.

Proteção natural das plantas

As próprias plantas já possuem, naturalmente, soluções para lidar com esses problemas, mantendo – pelo menos por algum tempo – o melhor desempenho possível na condição de ambiente em que se encontram. Por exemplo: quando o ar está muito quente, principalmente nos horários mais próximos do meio-dia, elas tendem a fechar os poros das folhas, que são os estômatos, para economizar água ou impedir que haja uma desidratação, mesmo havendo água disponível no solo. Isso acontece porque a velocidade da perda de água pelas folhas pode ser maior do que a velocidade de absorção de água do solo.

O fechamento dos estômatos, no entanto, também implica a diminuição das trocas gasosas, impedindo a entrada do gás carbônico (CO2) na folha. Esse gás é essencial para a fotossíntese, que é o processo pelo qual as plantas produzem energia em suas células. Dessa forma, a falta de CO2 para a fotossíntese diminui o ganho de energia responsável pelo crescimento e produtividade da planta.

Além disso, esse fechamento também limita a transpiração, que é a perda de vapor de água pelos estômatos, provocando o aquecimento das folhas, o que também reduz a eficiência da fotossíntese. “Quando a transpiração e a fotossíntese são diminuídas, a mesma quantidade de energia luminosa oriunda da radiação solar passa a se tornar excessiva para as folhas, causando processos de foto-inibição – que é a inibição da fotossíntese –  e foto-oxidação – que é a degradação de compostos e estruturas celulares –, ambas causadas pelo excesso de luz”, detalha Aidar.

Ele afirma que, nessa situação, ocorre uma ativação fisiológica de mecanismos de proteção para “neutralizar” os efeitos danosos do excesso de luz, com dissipação térmica de energia e a indução de sistemas antioxidantes na planta. Isto ocorre, por exemplo, pela ação de enzimas e outras substâncias que protegem as folhas e outros órgãos contra reações de oxidação. Assim, a ativação desses mecanismos busca evitar a degradação de compostos e estruturas celulares que visualmente podem ser identificados como um bronzeamento na coloração de folhas e frutos, mas que podem evoluir para necroses com aspectos de “queimaduras”.

Fonte: Embrapa

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