STJ define que comprador de imóvel rural também responde pelo dano ambiental
Reproduzimos abaixo notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça que analisou a responsabilidade civil ambiental do comprador de imóvel rural, definindo, em síntese, que a responsabilidade civil por danos ambientais é propter rem, objetiva e solidária.
Com isso, a decisão firmada pelo rito dos recursos repetitivos (julgamento do Tema 1.204, que tinha como representativos de controvérsia os REsp. 1.962.089 e 1.953.359), que possui força de precedente vinculante, vem reforçar a importância da compliance ambiental nas compras e vendas de imóveis rurais.
Segundo comenta Albenir Querubini, que é Advogado atuante em demandas do agronegócio e Professor de Direito Agrário, “a decisão firmada pelo STJ no julgamento do Tema 1.204 do rito dos recursos repetitivos além de reforçar a adoção da prática da compliance ambiental no momento da compra e venda de imóveis agrários, incluindo as operações de M&A, também traz reflexos para os contratos agrários, uma vez que eventuais danos cometidos pelos arrendatários, parceiros-outorgados, comandatários ou entressafristas acabam vinculando os proprietários. Com isso, na relação contratual agrária, é fundamental a fiscalização e a elaboração de laudos técnicos de vistoria dos imóveis cedidos temporariamente para fins de exploração da atividade agrária. Por isso, pode se tornar cada vez mais popular a inserção das chamadas cláusulas de ‘scrow account‘ nas operações contratuais envolvendo a transferência do domínio, posse ou uso de imóveis rurais”.
Abaixo, a transcrição da notícia, divulgada pelo STJ em 10/10/2023 com o título “Repetitivo estabelece que comprador de área degradada também responde pelo dano ambiental“:
“Em julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.204), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que as obrigações ambientais têm natureza propter rem, de modo que o credor pode escolher se as exige do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores ou de ambos, `ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente`.
Segundo a relatora, ministra Assusete Magalhães, esse entendimento já estava consolidado na Súmula 623, que se baseou na jurisprudência do STJ segundo a qual a obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, uma vez que a Lei 8.171/1991 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por desmatamentos anteriores.
Ao citar precedentes do tribunal, a ministra esclareceu que o atual titular que se mantém inerte em relação à degradação ambiental, ainda que preexistente, também comete ato ilícito, pois as áreas de preservação permanente e a reserva legal são `imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei`, e `pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse`. Assim, para a jurisprudência, “quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador`.
Responsabilidade civil por danos ambientais é propter rem, objetiva e solidária
A relatora lembrou que o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 12.651/2012 atribui expressamente caráter ambulatorial à obrigação ambiental, ao dispor que elas têm `natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural`.
De acordo com a ministra, tal norma, somada ao artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981 – que estabelece a responsabilidade ambiental objetiva –, ampara o entendimento do STJ de que a obrigação de recomposição ambiental atinge o proprietário do bem, independentemente de ter sido ele o causador do dano.
De outro lado, ressaltou a magistrada, o titular anterior do direito real que tenha causado o dano também se sujeita à obrigação ambiental, porque a responsabilidade civil nesse caso também é solidária (artigos 3º, IV, e 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981), permitindo ao demandante, à sua escolha, dirigir a ação contra o antigo proprietário ou possuidor, contra os atuais ou contra ambos.
Necessário nexo causal para configurar a responsabilidade
Para a ministra, uma situação que merece atenção é a do titular anterior que não deu causa ao dano ambiental: se o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, não há responsabilidade anterior, a não ser que, mesmo já sem a posse ou a propriedade, ele retorne à área para degradá-la. Segundo Assusete Magalhães, embora a responsabilidade civil ambiental seja objetiva, a jurisprudência entende que `há de se constatar o nexo causal entre a ação ou a omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade`.
Nesse sentido, a relatora ponderou que o titular anterior que conviveu com dano ambiental preexistente, ainda que não tenha sido o seu causador, e, posteriormente, alienou a área no estado em que a recebera, tem responsabilidade.
`Nessa hipótese, não há como deixar de reconhecer a prática de omissão ilícita, na linha da jurisprudência do STJ que – por imperativo ético e jurídico – não admite que aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade`, concluiu a ministra.”
Leia o acórdão no REsp 1.962.089.
Fonte: Notícias do STJ.
Confira a ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL No 1.962.089 – MS (2021/0306967-3)
RELATORA: MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
EMENTA
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO. ARTS. 3o, IV, E 14, § 1o, DA LEI 6.938/81. NATUREZA PROPTER REM E SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS ATUAIS POSSUIDORES OU PROPRIETÁRIOS, ASSIM COMO DOS ANTERIORES, OU DE AMBOS. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015, aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 3/2016, do STJ, aprovado na sessão plenária de 09/03/2016 (“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”).
II. A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais repetitivos, nos termos dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015, restou assim delimitada: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores, à escolha do credor”.
III. A matéria afetada encontra atualmente consubstanciada na Súmula 623/STJ, publicada no DJe de 17/12/2018: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.
IV. Esse enunciado sumular lastreia-se em jurisprudência do STJ que, interpretando a legislação de regência, consolidou entendimento no sentido de que “a obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais (…)” (REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 03/08/2010). Segundo essa orientação, o atual titular que se mantém inerte em face de degradação ambiental, ainda que pré-existente, comete ato ilícito, pois a preservação das áreas de preservação permanente e da reserva legal constituem “imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei. São, por esse enfoque, pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse (…) quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador” (STJ, REsp 948.921/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/11/2009). No mesmo sentido: “Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito” (STJ, REsp 343.741/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, DJU de 07/10/2002). Atualmente, o art. 2o, § 2o, da Lei 12.651/2012 expressamente atribui caráter ambulatorial à obrigação ambiental, ao dispor que “as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”. Tal norma, somada ao art. 14, § 1o, da Lei 6.938/81 – que estabelece a responsabilidade ambiental objetiva –, alicerça o entendimento de que “a responsabilidade pela recomposição ambiental é objetiva e propter rem, atingindo o proprietário do bem, independentemente de ter sido ele o causador do dano” (STJ, AgInt no REsp 1.856.089/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 25/06/2020).
V. De outro lado, o anterior titular de direito real, que causou o dano, também se sujeita à obrigação ambiental, porque ela, além de ensejar responsabilidade civil, ostenta a marca da solidariedade, à luz dos arts. 3o, IV, e 14, § 1o, da Lei 6.938/81, permitindo ao demandante, à sua escolha, dirigir sua pretensão contra o antigo proprietário ou possuidor, contra os atuais ou contra ambos. Nesse sentido: “A ação civil pública ou coletiva por danos ambientais pode ser proposta contra poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (art. 3o, IV, da Lei 6.898/91), co-obrigados solidariamente à indenização, mediante a formação litisconsórcio facultativo” (STJ, REsp 884.150/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 07/08/2008). E ainda: “Na linha da Súmula 623, cabe relembrar que a natureza propter rem não afasta a solidariedade da obrigação ambiental. O caráter adesivo da obrigação, que acompanha o bem, não bloqueia a pertinência e os efeitos da solidariedade. Caracterizaria verdadeiro despropósito ético-jurídico que a feição propter rem servisse para isentar o real causador (beneficiário da deterioração) de responsabilidade” (STJ, AgInt no AREsp 1.995.069/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/09/2022).
VI. Assim, de acordo com a mais atual jurisprudência do STJ, “a responsabilidade civil por danos ambientais é propter rem, além de objetiva e solidária entre todos os causadores diretos e indiretos do dano” (AgInt no AREsp 2.115.021/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 16/03/2023).
VII. Situação que merece exame particularizado é a do anterior titular que não deu causa a dano ambiental ou a irregularidade. A hipótese pode ocorrer de duas formas. A primeira acontece quando o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, situação em que ele, em regra, não pode ser responsabilizado, a não ser que, e.g., tenha ele, mesmo já sem a posse ou a propriedade, retornado à área, a qualquer outro título, para degradá-la, hipótese em que responderá, como qualquer agente que realiza atividade causadora de degradação ambiental, com fundamento no art. 3o, IV, da Lei 6.938/81, que prevê, como poluidor, o “responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Isso porque a obrigação do anterior titular baseia-se no aludido art. 3o, IV, da Lei 6.938/81, que torna solidariamente responsável aquele que, de alguma forma, realiza “atividade causadora de degradação ambiental”, e, consoante a jurisprudência, embora a responsabilidade civil ambiental seja objetiva, “há de se constatar o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade” (STJ, AgRg no REsp 1.286.142/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/02/2013). Em igual sentido: “A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3o, inc. IV, e 14, § 1o, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)” (STJ, REsp 1.056.540/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/09/2009). A segunda situação a ser examinada é a do anterior titular que conviveu com dano ambiental pré-existente, ainda que a ele não tenha dado causa, alienando o bem no estado em que o recebera. Nessa hipótese, não há como deixar de reconhecer a prática de omissão ilícita, na linha da jurisprudência do STJ, que – por imperativo ético e jurídico – não admite que aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade. Nessa direção: “Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem” (STJ, REsp 650.728/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/12/2009). Sintetizando esse entendimento, conclui-se que o anterior titular só não estará obrigado a satisfazer a obrigação ambiental quando comprovado que não causou o dano, direta ou indiretamente, e que este é posterior à cessação de sua propriedade ou posse.
VIII. No caso concreto, o acórdão recorrido conta com motivação suficiente e não deixou de se manifestar sobre a matéria cujo conhecimento lhe competia, permitindo, por conseguinte, a exata compreensão e resolução da controvérsia, não havendo falar em descumprimento aos arts. 489, § 1o, VI, e 1.022, II, do CPC/2015, tal como demonstra o parecer ministerial.
IX. No mérito, é incontroverso que as partes firmaram, em 11/12/2006, Termo de Ajustamento de Conduta, no qual se pactuou que a parte ora recorrida viria a requerer, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, à Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA/MS ou Instituto do Meio Ambiente – Pantanal – IMAP, atual IMASUL, licenciamento ou autorização conforme as exigências da Lei 4.771/65. Comprometeu-se a parte recorrida, ainda, a encaminhar, em 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, documentação que atendesse às exigências da mesma Lei. Nenhuma das obrigações foi satisfeita, pelo que o Juízo de 1o Grau determinou a sua conversão em perdas e danos, com realização de perícia, a ser custeada pela ora recorrida. Considerando que, em 13/03/2008, o imóvel objeto do TAC, Fazenda Olho D ́Água, teve sua propriedade transferida para terceiro, o Tribunal de origem declarou a ilegitimidade da parte recorrida para ocupar o polo passivo da execução, entendendo que a natureza propter rem da obrigação isentaria o anterior proprietário de responsabilidade, “mormente para efetuar o pagamento dos honorários periciais”.
X. O acórdão recorrido está em desacordo com o entendimento fixado no presente julgamento, razão pela qual merece ele reforma, para restabelecer a decisão de 1o Grau que, reconhecendo a responsabilidade ambiental e a legitimidade passiva da parte ora recorrida, atribuiu-lhe o ônus de pagar honorários periciais para apuração do valor das perdas e danos decorrentes do inadimplemento das obrigações de fazer, impostas no Termo de Ajustamento de Conduta.
XI. Tese jurídica firmada: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente.”
XII. Caso concreto: Recurso Especial conhecido e provido.
XIII. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2005 e art. 256-N e seguintes do RISTJ).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça A Primeira Seção, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial, nos temos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Foi aprovada a seguinte tese jurídica, no tema 1204: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente.”
Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Gurgel de Faria, Paulo Sérgio Domingues, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Regina Helena Costa.
Brasília (DF), 13 de setembro de 2023(data do julgamento).
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
Relatora