Frente do agro pede liberação de rodovias para cargas vivas, ração e ambulâncias
Por Roberto Samora e Ana Mano e Andre Romani
SÃO PAULO (Reuters) – A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) considera que manifestantes que bloquearam rodovias em várias partes do país devido à insatisfação com os resultados das eleições de domingo precisam abrir caminho para produtos básicos, cargas vivas e ração, segundo nota divulgada nesta segunda-feira.
A frente, um dos mais importantes grupos do Congresso Nacional, disse que “entende que o momento é delicado e respeita o direito constitucional à manifestação, porém ressalta que o caminho das paralisações de nossas rodovias impacta diretamente os consumidores brasileiros, no possível desabastecimento e em toda a cadeia produtiva rural do país”.
“Fazemos um apelo para que as rodovias sejam liberadas para cargas vivas, ração, ambulâncias e outros produtos de primeira necessidade e/ou perecíveis”, acrescentou o comunicado, sem citar os motivos das manifestações.
Os protestos com bloqueios de estradas após a vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva contra Jair Bolsonaro atingiram o Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, entre outros importantes Estados com forte produção agropecuária do Brasil.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que Bolsonaro está discutindo com o advogado-geral da União, Bruno Bianco, medidas para garantir o desbloqueio de rodovias federais.
Em Mato Grosso, maior produtor brasileiro de grãos e oleaginosas, as manifestações são espontâneas e não têm organização de entidades agropecuárias, mas elas refletiram a insatisfação com o resultado das eleições, disse o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Famato), Normando Corral, à Reuters.
“É um movimento espontâneo, não com uma organização de alguma entidade, pelo que eu vi até agora”, disse o presidente da Famato.
A federação, que assim como boa parte do setor agropecuário apoiou o presidente Jair Bolsonaro em sua tentativa de reeleição, disse que apesar do descontentamento com o resultado “até agora não tem como contestar a legalidade do que ocorreu”.
“Até que provem o contrário, as eleições ocorreram de forma sem contestação nenhuma”, afirmou ele, lembrando que a eleição foi “radicalizada” desde o início e o resultado favorável a Luiz Inácio Lula da Silva teve “pequena margem”.
“Dá pra ver que temos um país dividido em suas opiniões. Mais do que nunca agora tem que ter bom senso, e aguardar o posicionamento, principalmente do presidente da República, que não teve sucesso na eleição”.
Segundo Corral, Bolsonaro deverá ter um posicionamento.
Protestos realizados por manifestantes apoiadores do presidente Jair Bolsonaro interditavam a BR-163 em Mato Grosso, assim como a Via Dutra, após o resultado do segundo turno das eleições.
A BR-277, uma das principais rodovias de acesso ao porto de Paranaguá, importante para exportação de commodities agrícolas e importação de produtos como fertilizantes, também foi bloqueada no início da tarde desta segunda-feira, informou a administradora Portos do Paraná, citando que não houve prejuízo imediato às operações da unidade.
“Em Paranaguá, a interdição ocorre no quilômetro 5 da rodovia, próximo ao Posto Aldo, em ambos os sentidos. De acordo com a Diretoria de Operações, pelo curto período de fechamento das vias, ainda não há reflexo nas operações portuárias”, disse a empresa pública, ressaltando que seguirá monitorando a situação junto à Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Além da via de acesso a Paranaguá, há várias outras rodovias com bloqueios no Paraná, um dos maiores produtores de grãos do Brasil, segundo a PRF.
No porto de Santos, o maior do Brasil, o movimento de cargas não tinha impacto dos protestos.
Geralmente, os portos contam com estoques e impactos de protestos levam algum tempo para serem sentidos.
Para Corral, da Famato, os atos podem atrapalhar o escoamento da produção, dependendo da duração.
“Se vai atrapalhar o escoamento de produção é muito cedo para falar, porque isso aí começou ontem. E não sei quanto tempo vai durar e se vai durar…. Não dá pra saber, isso pode terminar hoje. Toda e qualquer interrupção causa problema”, afirmou.
Evandro Lermen, cooperado da Cooperativa Agropecuária e Industrial Celeiro do Norte (Coacen), com sede em Sorriso, maior município produtor de soja do Brasil, disse à Reuters que os caminhões praticamente não foram carregados com milho durante o final de semana em função do feriado de Finados, na quarta-feira.
Dessa forma, ele minimizou o impacto no escoamento, se os protestos forem logo encerrado. “Não estamos preocupados”, disse ele, acreditando que até quarta-feira a situação nas estradas deve estar normalizada.
Outros Estados também registraram protestos.
O Brasil, que já embarcou a maior parte da soja colhida este ano, agora está exportando o milho segunda safra em maiores volumes no momento.
Mas boa parte desse escoamento até os portos é feito também por ferrovia. Pode haver, contudo, dificuldades para o produto chegar aos terminais ferroviários.
PELA LEGALIDADE
Corral, da Famato, destacou que a federação não apoia os bloqueios de estradas.
“De forma nenhuma, o que a gente apoia é a legalidade, por enquanto não tem nenhuma prova de que houve ilegalidade para contestar (a eleição).”
Ele destacou que a “maior causa da insatisfação é opinião das pessoas”, lembrando que o presidente eleito “havia sido condenado por atos ilegais”.
“Não é que ele foi absolvido, ele concorreu por questão peculiar no Brasil, o arcabouço jurídico é muito falho”, comentou.
As acusações contra o petista no âmbito da Lava Jato foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que concluiu que o julgamento ocorreu fora da vara adequada e que o juiz Sérgio Moro, que analisou o caso em primeira instância, foi parcial.
Corral comentou que, já que o petista disputou e ganhou, será o presidente do Brasil, “ainda que o país esteja rachado”, e pediu bom senso.
“Temos de ter lideranças com bom senso. O agronegócio brasileiro tem se desenvolvido pela competência dos produtores, pela pesquisa, é pela ciência que produzimos em clima tropical”, disse ele, acrescentando que o setor tende a prosperar nos próximos anos com uma demanda forte global por alimentos.
Mas ele ponderou que ações do novo governo podem atrapalhar. “Por isso temos de ficar atentos para que isso não ocorra”, disse, lembrando que o setor conta com o apoio do novo Congresso, que manteve boa parte de sua base agropecuária.
Ele disse que os produtores têm “receios” sobre “a insegurança jurídica determinada por movimentos ilegais” ligados ao partido do presidente eleito, em especial o MST, dos sem-terra.
“Isso vai ser repelido não só pelas forças policiais, mas vai ter um movimento acirrado pelos produtores”.
(Por Roberto Samora; com reportagem adicional de Ana Mano, André Romani e Rafaella Barros)