IAC conclui método inédito para analisar a contaminação de EPI de aplicadores de agrotóxicos
Um método inédito para analisar a contaminação em vestimentas usadas por trabalhadores rurais na aplicação de agrotóxicos acaba de ser concluído no Instituto Agronômico (IAC). O resultado é fruto do trabalho do pesquisador do IAC, Hamilton Humberto Ramos, em parceria com a pesquisadora da Universidade de Maryland Eastern Shore, nos Estados Unidos, Anugrah Shaw. Eles se debruçaram sobre experimentos com Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e análises de seus resultados para concluírem, em agosto, esse sistema que visa viabilizar o estudo da correta forma de descarte destes materiais. A técnica e o laudo final dos estudos serão compartilhados com países do Consórcio Internacional de Equipamentos de Proteção Individual na Agricultura, onde o Brasil é representado por Ramos.
Quatro países desse Consórcio se envolveram nesse estudo: EUA, França e Alemanha, além do Brasil, que está entre os coordenadores desse colegiado por meio do Programa IAC de Qualidade de EPI na Agricultura (IAC-QUEPIA).
“Encerramos a fase de laboratório do estudo e interpretamos dados para entender o quanto de pesticidas podem chegar à pele do trabalhador rural depois que esses produtos se fixam nos tecidos de algodão e poliéster dos EPI’s, ao final da vida útil das roupas protetivas”, comenta Ramos.
A finalidade da pesquisa é avaliar o grau de segurança de proteção garantida ao trabalhador ao usar essas vestimentas confeccionadas em algodão e poliéster. Essa segurança é avaliada mesmo após a vida útil da vestimenta. É importante saber se ela pode ser usada pelo trabalhador em operações que não sejam a aplicação de agrotóxicos. Por exemplo, é possível aproveitá-la em outras atividades, como poda ou adubação, sem causar riscos ao trabalhador? Além de responder a essas questões, o estudo também proporciona dados que possibilitem avaliar a forma mais segura de descarte dessas vestimentas.
Shaw esteve no IAC em dezembro de 2021 e agora, no seu retorno, os dois cientistas finalizaram o projeto iniciado há três anos, quando Ramos esteve na Alemanha pela primeira vez. Nessa fase do estudo, o pesquisador do Instituto Biológico e especialista na análise de resíduos, Sérgio Monteiro, se integrou à equipe. Eles analisaram três vestimentas, no Brasil e na Alemanha, confeccionadas com o mesmo material, como forma de validação do método.
Há dois anos vêm sendo feitos experimentos. Os dados gerados das análises em laboratório com base no método desenvolvido pelo Centro de Engenharia e Automação do IAC, em Jundiaí, no interior paulista, foram comparados com os resultados obtidos na Alemanha. “Desde então, fizemos alguns aperfeiçoamentos na técnica e agora analisamos uma última vestimenta como finalização dos trabalhos. A próxima etapa será a discussão dos resultados finais dessa técnica com equipes de outros países, a quem vamos propor essa técnica de laboratório como ferramenta eficiente para analisar resíduos de vestimentas”, explica Ramos.
A equipe do IAC desenvolve um sistema para avaliar quanto de produto usado na pulverização permanece na vestimenta de EPI do aplicador de agrotóxico ao final da vida útil da peça. “Entender a quantidade de resíduo ajuda a compreender se a vestimenta pode ser descartada como lixo comum ou se deve ser considerada um resíduo sólido contaminado, necessitando descarte especial”, esclarece Ramos.
Como foi o trabalho
Duas equipes do IAC trabalharam juntas: a do Centro de Engenharia e Automação e a do Centro de Citricultura. Em um pomar de citros, três operadores trabalharam durante quatro horas com a vestimenta do tipo C1, que é a de menor proteção, e quatro horas com a vestimenta C2, que tem proteção um pouco maior. Era aplicado um fungicida de uma multinacional. A escolha do produto se deu porque a equipe do IAC conhecia a rotina de análise desse químico e podiam analisá-lo de duas formas: uma menos sensível e outra mais. A análise mais precisa foi realizada no laboratório de resíduos de agrotóxicos do Instituto Biológico, parceiro nessa pesquisa.
“Contaminamos esse tecido no campo, depois contaminamos o mesmo tecido no laboratório em condição controlada, lavamos as vestimentas e esses tecidos. Pegamos uma das vestimentas contaminadas no campo e fomos para Alemanha para aprender como recuperar os resíduos dessas vestimentas e dessas amostras que tínhamos contaminado”, explica. Essas etapas foram realizadas antes da pandemia da Covid-19.
Novo estudo sobre EPI não será patenteado para promover sua adoção
Durante a visita da pesquisadora americana ao Instituto Agronômico em agosto, o pesquisador do IAC e Anugrah Shaw iniciaram outro trabalho: desenvolver equipamentos de proteção adequados a pequenas propriedades em situações de alta exposição do trabalhador a agrotóxicos, como ocorre no cultivo de tomate.
Nesse novo projeto, Shaw irá coordenar os estudos nos Estados Unidos, em parceria com uma faculdade de moda da Eslovênia, especializada em design funcional. Essa equipe irá desenhar os EPI’s que se adequam à exposição ocupacional em diferentes situações da pulverização. “Nós, no IAC, vamos avaliar essas vestimentas que serão confeccionadas e testá-las no Brasil, Quênia e Índia, países onde o uso de pulverizadores costais por pequenos produtores são mais comuns, e ouvir os agricultores sobre a qualidade desses EPI’s para então propor possíveis novos designs para a indústria de EPI”, explica o pesquisador.
Segundo Ramos, já há empresas interessadas em apoiar esse estudo, mesmo sabendo que os EPI’s que resultarão desse novo estudo não poderão ser patenteados, a fim de que eles possam ser copiados e distribuídos para o maior número de países. O objetivo é aumentar a segurança do trabalhador rural em várias nações.
O primeiro passo dessa pesquisa já foi dado: no IAC, foram testados materiais de alta exposição a agrotóxicos que possam se adequar ao estudo. “Temos no Brasil vários materiais com esse perfil, nosso país é um dos poucos no mundo que testa esse tipo de material para EPI e já obtivemos resultado para isso. Estamos construindo um banco de materiais para essa finalidade”, diz.
Será feita uma primeira reunião com o restante da equipe para desenvolver as bases desse novo trabalho, que dá continuidade à segurança do trabalhador rural no Brasil e em outras partes do mundo. Esse novo estudo integra as ações do IAC nessa área, que elevaram o Brasil ao posto de referência em aspectos de normatização para a segurança do trabalhador agrícola.
Onde se pretende chegar
Depois que a técnica estiver concluída, pretende-se recolher vestimentas nos campos e levá-las para o laboratório do IAC, em Jundiaí, para verificar a permanência de resíduos. Dependendo dos níveis identificados, será possível propor formas de descarte desses EPI’s. “Por enquanto, ninguém nunca fez um trabalho para informar se existe ou não resíduo ao final da vida útil do EPI rural, se é seguro ou não e qual é a forma mais eficiente de descartar essas vestimentas. Nosso trabalho é concluir esse método para criar a base técnica e propor a forma segura de descartá-las”, explica.
Para fazer isso é necessário, primeiramente, desenvolver o sistema de análise. “Em laboratório, estamos desenvolvendo o método para contaminar a vestimenta de forma controlada, lavar de forma controlada e, depois, avaliar o quanto de produto permaneceu no EPI. O processo ajuda a entender também o tipo de lavagem”, esclarece.
Em 2023, haverá na Índia um congresso nessa área de segurança. Ramos irá palestrar sobre aspectos da normatização para a segurança do trabalhador e a respeito dos seus mais relevantes projetos - Quepia e Aplique Bem -, e os resultados no Brasil com essas duas ações. Na avaliação da americana, esses dois trabalhos do IAC em parceria com a iniciativa privada servirão de exemplos para outros países, em especial os do Terceiro Mundo.
O programa IAC-Quepia contribuiu para reduzir reprovações de qualidade de vestimentas agrícolas protetivas produzidas no Brasil. Em 2010, dentre as peças analisadas pelo IAC, 52% eram reprovadas. Atualmente, este índice caiu para menos de 20%.
O pesquisador do IAC trabalha há mais de uma década para desenvolver um novo protocolo de dados, com alcance mundial. A elaboração é feita com base na ISO 27065, norma desenvolvida sob coordenação de Shaw. “A ISO 27065 é a diretriz-base da International Standartization Organization para embasar certificações de qualidade aplicáveis às vestimentas de proteção agrícola, utilizadas por trabalhadores que lidam com defensivos”, afirma Ramos.