Fertilizantes: China intensifica inspeções sobre exportações e pode agravar choque de oferta nos insumos
Fontes ouvidas pela agência internacional de notícias Bloomberg afirmaram que algumas cargas de fertilizantes da China, prontas para serem embarcadas, estão passando por inspeções adicionais ou precisando de novos certificados de exportação para poderem, efetivamente, serem exportadas. O mercado continua especulando como estas restrições que têm sido impostas pelo governo chinês poderiam culminar em uma restrição ainda mais severa nas exportações do país, agravando esse choque de insumos pelo qual passa o mundo.
Ainda segundo os profissionais ouvidos pela Bloomberg, estes volumes de insumos poderiam ser redirecionados para o mercado internacional, o que, mesmo que indiretamente, atende um dos objetivos do governo chinês que é o de proteger o mercado local.
No último dia 15 de outubro, a Adminsitração Geral das Alfândegas da China trouxe um comunicado informando que as inspeções sobre os fertilizantes já estaria em vigor, contabilizando 29 produtos, entre eles: ureia, DAP, MAP, NPK, NP / NPS, MOP, SOP, cloreto de amônio e fertilizantes de nitrato de amônio. Diante disso, os preços internacionais - e consequente os formados para os produtores rurais brasileiros - seguem encontrando espaço para altas que parecem não encontrar um teto.
O gráfico abaixo, da Bloomberg, mostra o comportamento dos preços da ureia nos últimos meses.
"Existe um risco, mas não é nada confirmado. Algumas matérias-primas podem ser mais afetadas que outras", explica o analista de fertilizantes da Agrinvest Commodities, Jeferson Souza. Ele explica ainda que a China segue fazendo alguns negócios, mas com volumes menores do que o que se observava e os reflexos já começam a aparecer de forma bastante clara, como uma alta, somente do MAP, de US$ 40,00 por tonelada em apenas uma semana. "Provavelmente, os embarques começarão a cair para os próximos meses, apertando ainda mais o balanço global", complementa.
Souza ainda destaca a importância do monitoramento das ações da China sobre o sulfato de amônio, que não aparecia na lista da última sexta. "Outro ponto importante, para nós, é o sulfato de amônio, já que 75% das nossas importações são de origem chinesa", diz. "Além disso, o crescimento em relação ao ano passado foi de 65%, ilustrando a crescente demanda brasileira por fertilizantes".
Em 28 de setembro, o Notícias Agrícolas já havia trazido a informação de que as exportações de fertilizantes da China poderiam ser interrompidas a pedido da comissão reguladora do país, ou NDRC (National Development and Reform Comission) na sigla em inglês, intensificando as preocupações do mercado.
Leia mais:
+ China pode interromper exportações de fertilizantes; comissão ainda não oficializou medidas
E embora haja preocupações em outras partes do globo - como Canadá, Estados Unidos e Bielorússia - quando o assunto não só os fertilizantes, mas também os defensivos - em especial o glifosato - a China acaba no centro das discussões, uma vez que é o maior produtor e exportador global destes produtos.
Ainda de acordo com a Agrinvest, "aproximadamente 29% de todo nitrogenado produzido no mundo possui origem chinesa. Para os fosfatados, o percentual é ainda maior, cerca de 39%, e o cloreto de potássio, 13%. O protagonismo da China nas exportações só não é maior pelo fato do país ser também o maior consumidor mundial de fertilizantes", explica Souza.
Em entrevista no programa Conexão Campo e Cidade, nesta segunda-feira (18), o vice-presidente da Mosaic Fertilizantes, explicou que embora as incertezas agora rondem os mercados e preocupem os produtores brasileiros, o abastecimento deverá se mostrar garantido até o final do ano.
"Está previsto que cerca de 45 milhões de toneladas de fertilizantes sejam entregues até o fim do ano, um novo recorde para o setor. Sendo assim, não acreditamos que haverá falta de fertilizantes para a safra. No entanto, pode ser que os produtores encontrem grandes dificuldades para obter defensivos agrícolas, em especial o glifosato", disse.
Mais do que para esta temporada, no entanto, os desafios deverão ser ainda maiores para a safra 2022/23. "Os preços dos fertilizantes no Brasil não param de subir, teremos um grande desafio para a safra de soja 22/23. A relação da oleaginosa X MAP continua subindo, ou seja, queda no poder de compra do produtor brasileiro", conclui o analista.
Como explicou o traders da mesa de operações do Rabobank, Victor Ikeda, em entrevista ao Notícias Agrícolas, o produtor brasileiro tem, nos últimos anos, antecipado de forma considerável suas compras de insumos, de forma a garantir parte da proteção de suas margens.
"Os preços dos fertilizantes, que estão na pauta, tiveram um aumento significativo nos últimos meses. O MAP está praticamente o dobro do que estava no mesmo período do ano passado, o cloreto de potássio, o triplo. Eu acredito que a safra 2022/23 vai ser uma safra em que a comercialização como forma de proteção de margem porque está sendo formada com custos mais altos. É muito importante casar a compra dos insumos e a venda da sua produção para entender como estarão suas relações de troca", orienta o representante do Rabobank.
EFEITO CASCATA
A preocupação dos produtores com a adubação da próxima temporada já é grande e também se reflete no mercado. E o temor maior se dá sobre a oferta restrita de cloreto de potássio e seu impacto sobre o rendimento da soja e do milho.
"Caso ocorra o racionamento na oferta de Cloreto de Potássio e, consequentemente, a queda na
adubação, tanto a produtividade da soja quanto a do milho podem ser afetadas, já que o potássio
é um nutriente essencial para as duas culturas", afirma o analista da Agrinvest. "Estudos apontam que a deficiência do nutriente pode provocar inúmeras reações no desenvolvimento vegetativo e reprodutivo da soja, inclusivediminuindo a tolerância aos estresses bióticos. De acordo com a Embrapa, a soja necessita de 38 Kg de K2O para produzir uma tonelada de grão, sendo o potássio o segundo macronutriente mais extraído pela cultura".
E essa restrição de oferta se dá porque a produção do KCl está na concentrada entre poucos fornecedores no mundo. A Bielorússia responde por 18% da produção global e, por lá, seguem graves os desentendimentos geopolíticos. E em 2020, 24,3% do cloreto de potássio que chegou aos portos brasileiros teve origem bielorussa. 31% vieram do Canadá e 21% da Rússia.
Dados apurados pela Agrinvest mostram que, atualmente, a relação de troca da soja para o cloreto de potássio está em 32 sacas - referência porto de Paranaguá - contra 14,32 sacas na primeira semana de setembro do ano passado. As relações para o MAP também superam o intervalo histórico e passa de 30 sacas por tonelada do fertilizante, contra 27 de 2020. No superfosfato simples são 14 sacas contra nove/tonelada na comparação anual.
Para o milho safrinha 2022, o quadro é bastante semelhante. No KCl, a relação de troca, em um ano, subiu de 52 para 79 sacas por tonelada no final do terceiro trimestre deste ano. Para a ureia, o que eram 51 sacas por tonelada no começo de outubro de 2020 passaram a 83 em outubro deste ano, um aumento de 42,33%.
"Deste modo, verifica-se que as relações de troca para os fertilizantes permanecem atingindo os maiores recordes já registrados, gerando tensão na cadeia produtiva destes insumos", explica o analista."O mercado está aquecido para a próxima temporada. O risco da falta de fertilizantes preocupa o produtor e leva o posicionamento antecipado, do lado dos fornecedores muitos estão cautelosos em fechamentos futuros, inclusive se mostram "fora do mercado" para a próxima temporada".
CRISE DOS INSUMOS X CRISE ECONÔMICA GLOBAL
O choque de oferta nos insumos que, como é sabido, vai muito além dos fertilizantes e defensivos e dos impactos para a produção agrícola mundial, já respinga na retomada econômica global e pode ter consequências bastante sérias, como explica Eduardo Lima Porto, diretor da consultoria LucrodoAgro.
"Aconteceu exatamente a mesma coisa em 2008, algumas semanas antes da quebra do Lehman Brothers. O governo chinês contingenciou os embarques de fertilizantes e, meses depois, autorizou exportações apenas em embalagens de 10kg. Foram de três a quatro meses para que voltasse à normalidade", diz. "É a repetição de um ciclo".
Lima Porto afirma ainda que "estamos em plena crise" e que seus efeitos se tornam ainda mais difíceis de serem controlados. "O quantative easing dos EUA não funciona mais. Temos ativos e commodities inflacionados por conta das distorções monetárias e por um excesso de alavancagem. Assim, a magnitude desta bolha é muito maior do que a de 2008. Bolha esta que quase estourou na semana passada. Mas, não deverá demorar mais do que seis meses para que aconteça. E qualquer evento, como um conflito bélico, por exemplo, poderá acelerar o quadro".