Uso da água no campo exige autorização; veja o que fazer para ficar em dia com a Lei
Imprescindível para qualquer propriedade rural, a água é utilizada para matar a sede dos seres humanos e animais, criar peixes, fazer irrigação, lavar alimentos antes de serem comercializados, entre outras atividades. Para o uso do recurso, os proprietários, independentemente da quantia, precisam pedir autorização ao Estado ou União para captar água. Pela Constituição Federal, toda água, seja superficial (rios, lagos, nascentes, fontes e outros) ou subterrânea (poços) pertence ao governo Estadual ou à União. Os rios que nascem em um Estado e terminam em outro são do governo federal. Os que nascem e terminam no mesmo Estado são do governo estadual.
Para o uso da água dos rios e do subsolo paranaenses, até determinado limite, o pedido para uso é feito de modo digital e automático – desde que as informações prestadas no sistema do Instituto Água e Terra (IAT) estejam corretas. Acima do chamado “uso insignificante” há necessidade de um pedido de outorga da água (também digital, mas mais detalhado). A partir dos pedidos, o governo estadual consegue obter dados sobre o uso da água em cada bacia e fazer a gestão adequada do recurso natural.
A cada dois anos, os produtores precisam renovar a autorização de uso insignificante da água. O procedimento é feito pelo site do IAT, de forma virtual. O prazo para a realização desse trâmite em 2021 vai até 31 de outubro.
A necessidade de uma política pública eficiente nesse sentido fica ainda mais evidente em momentos de crise hídrica, como a que o Paraná está passando nos últimos tempos. De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em mais da metade dos meses dos últimos quatro anos houve chuva abaixo da média. O resultado tem sido uma escassez hídrica nunca antes vista no Estado.
Segundo Everton Souza, presidente do IAT, é preciso que os produtores rurais se engajem no cadastramento para que momentos de crise, como o atual, possam ser contornados da forma menos problemática. “Não tem como fazer gestão daquilo que não se conhece. Temos que saber de quanto cada propriedade precisa, qual a área que determinada pessoa quer irrigar, quantos animais cada um tem para matar a sede. Todo esse conhecimento é fundamental para tomar a decisão certa e poder distribuir essa água de maneira tecnicamente sustentável e juridicamente coerente”, avalia.
A técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR Carla Beck complementa que os colaboradores dos sindicatos rurais passam por treinamentos e atualizações constantes para dar suporte aos produtores rurais que tenham dúvidas em relação às exigências ambientais. “Quanto antes for solicitada a autorização de uso insignificante ou a outorga, maior a chance de conseguir, já que cada bacia tem um limite de captação”, recomenda.
Cruzamento de dados
Nos últimos anos, as políticas de gestão das águas e de gestão ambiental foram unificadas com a criação do IAT, otimizando o processo anterior, quando o produtor tinha que entrar com processos separados no Instituto das Águas e no Instituto Ambiental do Paraná. “Hoje tudo está na mesma instituição, de uma forma articulada, não só para o agronegócio, mas para os licenciamentos de modo geral”, explica Souza.
O cruzamento de dados agiliza o processo, mas também faz com que o produtor precise redobrar a atenção para fornecer informações consistentes e corretas em todas as etapas. Com o sistema único, os dados estão integrados – incluindo o cadastramento de rebanho na Agência de Defesa Agropecuária (Adapar), por exemplo – e são constantemente postos à prova. “Os sistemas ajudam também a fazer um cruzamento de informações a respeito do porte daquele empreendedor e se o pedido de água está condizente com seu porte. É mais ou menos o que a Receita Federal faz com o Imposto de Renda”, compara o presidente do IAT
Quem tem irregularidades em qualquer etapa do pedido de outorga de água ou licenciamento ambiental está sujeito a penalidades. Primeiro há uma notificação do problema e um pedido para correção. O produtor pode ter também o embargo da sua captação, bloqueios na hora de pegar financiamentos bancários e, em último caso, multas. “Dizer que precisa de X e usar X+Y é um crime ambiental. Isso está muito claro no processo de licenciamento e de outorga para o agricultor e o pecuarista. Ele é responsável pelas informações que fornece”, explica Souza.
Para o presidente do IAT, o pedido de outorga ou a declaração de uso insignificante é um instrumento de gestão dos recursos hídricos, além de uma garantia para o próprio agricultor ou pecuarista. “Quando cadastrado, o usuário está legalizado. O uso racional é o que vai manter a galinha dos ovos de ouro viva para todo mundo”, reflete Souza. “A ideia não é cercear o direito, pelo contrário, é fomentar o uso correto. Mas, sabemos que há usos clandestinos e temos que fazer a fiscalização para não permitir isso”, complementa.
Questões técnicas
Natasha Cecília Hessel de Goes, gerente de outorga de recursos hídricos do IAT, reforça que atividade de subsistência na agricultura precisa pedir autorização de uso da água. “Mesmo que o produtor tire 10 litros por hora, tenha 100 galinhas, seis vacas e 50 carneiros, é necessário o pedido, pois, às vezes, um pouquinho de cada animal pode passar do limite para uso insignificante”, pondera.
Todo o procedimento, no caso para pequenos usos de água, sai de forma automática diante do preenchimento correto dos dados. “Ele faz o cadastro, coloca as características da produção e o próprio sistema faz um cálculo automático se de fato é uso insignificante. Em questão de 10 minutos vai ter o documento em mãos”, ressalta Natasha. Em caso de dificuldade com o pedido de uso insignificante, o produtor pode procurar o sindicato rural local ou contratar um consultor que providencie as informações necessárias e inclua no sistema.
No caso do pedido de outorga, a recomendação, diante do nível maior de exigência de detalhamento do pedido, procurar o sindicato rural ou contratar uma consultoria, pois alguns projetos dependem de assinatura de responsável técnico.
Piscicultores pedem mais agilidade
Atualmente, os produtores mais antigos de peixes têm tido problemas para ficar em dia com as obrigações ambientais. Para o presidente da Comissão Técnica de Aquicultura do Sistema FAEP/SENAR-PR, Edmilson Zabott, é preciso proporcionar condições para que esses produtores, na sua maioria pequenos e médios, se adequem a novas exigências ambientais.
“A atividade do peixe é antiga e, lá atrás, não tinha uma regulamentação. Tudo vinha sendo feito basicamente na cara e na coragem dos pioneiros que viabilizaram a produção. Só depois as cooperativas viram um filão e entraram no negócio, aumentando a demanda e surgindo novos desafios, como qualidade e quantidade de água. É preciso avaliar caso a caso, para que os produtores pioneiros tenham condições para regularizar a atividade”, resume Zabott.
Atualmente, segundo Zabott, está ocorrendo uma demora excessiva na análise de processos antigos e também de novos produtores. “Precisamos de uma agilidade maior. Se aqueles produtores antigos tiverem que parar de produzir e os novos, que querem entrar, não conseguem pela demora, as agroindústrias vão ter problemas para dar continuidade ao ritmo de expansão”, destaca. “Estamos desenvolvendo uma cadeia produtiva sólida e o nosso principal patrimônio é a água. Mais do que ninguém, os produtores querem preservar, essa é nossa ferramenta de trabalho”, reforça.
A gerente de outorga de recursos hídricos do IAT Natasha Goes reconhece que a piscicultura tem uma demanda grande e que os problemas maiores estão concentrados nos produtores antigos. Mas, que o IAT está trabalhando para ajustar a questão envolvendo a cadeia. “Estamos estudando uma forma de regularizar essa situação. Nossa intenção é chegar numa forma de como ajustar esses usuários, com adequações, sempre em conjunto para ver as possibilidades. Os projetos novos já não saem com esses problemas antigos. Se tem algo errado é pedido para ajustar antes da liberação”, relata.
Atraso de licença para irrigação trava investimentos
Historicamente, o Noroeste do Paraná é a região onde menos chove no Estado. Por isso, há uma demanda crescente pela irrigação. Em Paranavaí, um dos polos de uso deste sistema, Ivo Pierin, presidente do Sindicato Rural do município, aponta que a análise dos pedidos para irrigação também tem demorado.
“Apesar das agilidades que estão postas à mesa, algumas ainda não se tornaram concretas. É uma construção que vamos ter que fazer junto ao governo estadual, ao pessoal responsável pelas liberações das outorgas. As demandas são grandes e o tempo de análise é longo”, aponta.
Segundo Pierin, produtores da região têm tido alguns problemas para obter financiamentos por não terem todas as licenças ambientais. “Tem gente que está com os equipamentos instalados só dependendo de liberação de outorga para o financiamento. Essas coisas vão represando investimentos”, revela.