Recuperações Judiciais no Agro: Danos econômicos, indícios de crimes e fraudes, por Eduardo Lima Porto

Publicado em 06/08/2020 11:12 e atualizado em 06/08/2020 16:38

O diretor da LucrodoAgro, Eduardo Lima Porto, compilou algumas das dúvidas e questões que têm sido mais frequentes nos recentes debates sobre os processos de recuperação judicial que vêm sendo apresentados na justiça. Porto respondeu a estas perguntas e mandou esclarecimentos ao Notícias Agrícolas com exclusividade.

Veja, na sequência, sua visão sobre o atual cenário. 

Eduardo Lima Porto: É importante contextualizar essa questão. Nos últimos 3-4 anos, têm se intensificado as solicitações de Recuperação Judicial por parte de grandes Produtores Rurais - Pessoa Física, sob a alegação de que as variações abruptas do câmbio e dos preços de mercado os teria levado a uma condição de inviabilidade econômico-financeira.

Esta narrativa não é verdadeira. Trata-se de uma distorção grosseira que beira o insulto à inteligência alheia. Em primeiro lugar, o Produtor Rural de grande porte que cultiva produtos voltados à exportação sabe muito bem que está submetido a um mercado volátil, onde variáveis como o câmbio, os preços internacionais e outros fatores que impactam nos resultados da sua atividade precisam ser administrados com prudência e profissionalismo. Os instrumentos de Hedge se encontram disponíveis e não são aceitáveis as alegações de que se tratam de mecanismos complexos que estão distantes do entendimento do “simplório colono”.

A verdade é que muitos Produtores que hoje se encontram em RJ tomaram decisões absolutamente temerárias, lastreando na maior parte das vezes um crescimento agressivo com capitais de terceiros a custos elevados. Outros tantos desviaram os recursos de financiamentos para finalidades diversas, como a criação de animais de elite, compra de aviões, mansões e outros negócios.

O retorno sobre o investimento na abertura de áreas agrícolas possui um horizonte superior a 30 anos atualmente, considerando os preços médios das terras e o rendimento econômico efetivo. Nesse sentido, a Recuperação Judicial para situações dessa ordem se torna um verdadeiro incentivo ao golpe e/ou a tomada de decisões inconsistentes, contrariando o princípio que diz “que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza”.

2) Algumas correntes do lado jurídico entendem que o Produtor Rural - Pessoa Física desempenha uma atividade semelhante a do Empresário, justificando por este motivo o amparo legal para o requerimento da Recuperação Judicial. 

ELP: Há muito tempo que considero que o Produtor de Grãos é um Empresário, apesar de alguns advogados e políticos oportunistas buscarem subverter essa realidade. Não é o mero registro formal na Junta Comercial que tornará um Produtor Rural num Empresário de fato, mas sim a execução diária da atividade nos exatos termos que ocorre em qualquer outro setor da economia.

O STJ prestou um enorme desserviço à Nação e ao setor agrícola em particular ao acatar a tese “criativa", e pra lá de questionável de alguns advogados, assentando uma jurisprudência temerária que já está produzindo prejuízos imensos.

Ao flexibilizarem a exigência da aplicação do Art. 51 da Lei 11.101/2005, a qual estabelece a necessidade da apresentação dos demonstrativos contábeis (Balanço Patrimonial, Demonstração de Resultados do Exercício e Fluxo de Caixa), pavimentaram o caminho para diversos tipos de fraude e estão fomentando irresponsavelmente a cristalização da cultura do calote.

3) São afirmações contundentes e certamente que irão gerar grandes controvérsias. Concretamente qual é a importância dos demonstrativos contábeis?

ELP: Os demonstrativos contábeis são imprescindíveis para que se verifique tecnicamente a saúde econômico-financeira de qualquer postulante ao crédito, ainda mais quando se tratam de valores elevados.

Conhecer a postura do tomador de crédito em relação a alavancagem, utilização dos recursos, entre outros parâmetros, é fundamental para determinar a qualidade da gestão e o risco. O credor tem o direito inquestionável de poder decidir pela concessão ou não do crédito, baseando-se em registros que legalmente devem ser verdadeiros.

Por outro lado, as informações contábeis igualmente possibilitam ao Judiciário saber se o Requerente da RJ está pleiteando o amparo legal por motivos justificáveis, inviabilizando intentos que visam o aproveitamento indevido da máquina estatal para causar prejuízos a terceiros.

A maior parte dos casos que tenho visto, buscam diluir no tempo as consequências de uma administração irresponsável e/ou acobertar práticas ilícitas, como o desvio de finalidade e a sonegação de impostos.

Os prejuízos causados a Economia do Agro já são incalculáveis.

A banalização dos requerimentos de  Recuperação Judicial está ferindo de morte a confiabilidade que precisa vigorar entre os agentes econômicos que atuam no setor. Costumo afirmar que depois da Água, o Crédito é o segundo insumo mais importante da Agricultura.

Veremos daqui para frente, agravado pelos efeitos da pandemia, uma brutal restrição no crédito agrícola de origem privada devido ao aumento da percepção de risco e da insegurança jurídica. Tal condição já está trazendo a falência para uma infinidade de pequenos negócios no interior e consequentemente muito desemprego.

4) Por que há a possibilidade de estarem ocorrendo fraudes ou irregularidades nos processos?

ELP: O ponto de partida para verificação das inconsistências é a LISTA DE CREDORES, tornada pública após o deferimento do pedido por parte do Judiciário.

A maior parte dos processos indicam a presença de Pessoas Físicas como credoras de valores significativos (acima de R$ 500 mil), cuja origem poderá não estar declarada no Imposto de Renda.

Nesse rol, se verificam algumas transações atípicas:

Compra e Venda de Propriedades Rurais

Com a grande valorização das terras no Centro-Oeste ocorrida nos últimos 20 anos, é comum que nos Cartórios de Registro de Imóveis as matrículas das propriedades estejam registradas com valores venais muito baixos, os quais se encontram refletidos nas declarações de Imposto de Renda dos titulares. Existe uma distância abismal entre os valores escriturais e os preços correntes praticados no mercado, gerando a imposição tributária pelo ganho de capital que venha a ser auferido, o qual poderá significar a obrigação do recolhimento de alguns milhões de Reais.

Entretanto, a título meramente ilustrativo, pode ocorrer que as partes (Comprador e Vendedor) decidam, de um lado elidir o Fisco a partir do registro de um valor abaixo do real no Cartório de Imóveis, de forma a neutralizar ou reduzir a incidência do imposto, e do outro, formalizando o valor efetivo da transação através de um contrato particular.

Considerando que a maior parte das transações envolvem o pagamento a prazo, normalmente indexado em sacos de soja, se o Comprador requerer uma Recuperação Judicial, provavelmente indicará a dívida correspondente ao valor do contrato particular entabulado com o Vendedor, que a sua vez, visando não ter uma perda significativa, irá se postular no processo como “Credor" do referido montante. Nesse contexto, eis que se estabelece tacitamente a confissão de uma fraude na escritura lavrada em Cartório, a qual escancara a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro.

Muitos poderão considerar esta prática como “normal” devido a sua habitualidade. No entanto, não se pode alegar o desconhecimento da Lei, ainda mais quando se trata de valores significativos em negociações que costumam estar respaldadas pela orientação de profissionais especializados.

Qualquer “Credor”, independentemente do porte, possui legitimidade para questionar a consistência de uma transação determinada, bem como a regularidade do suposto crédito, já que o mesmo concorre pela capacidade de pagamento do Recuperando.

Tal situação, se devidamente confirmada, deveria resultar na cominação de Falência e no envolvimento imediato da Polícia Federal, Receita Federal e o Ministério Público na apuração dos ilícitos.

ii) Indícios de Agiotagem - Sonegação Fiscal - Lavagem de Dinheiro

São comuns os empréstimos entre produtores baseados em sacos de soja, assim como operações envolvendo recursos vultosos omitidos do Fisco por parte de profissionais liberais atuantes no interior.

O “Caixa-2" pode estar sendo “esquentado" nos processos das RJ’s, mas também valores provenientes de atividades ilícitas de alta periculosidade, como o tráfico de drogas, contrabando e roubo de defensivos, corrupção, etc.

É no mínimo espantoso constatara frequência com a qual essa situação vem ocorrendo, de tal forma que se tornou quase um padrão. Da mesma forma que surpreende que algo tão evidente não esteja sendo repelido vigorosamente pelos Credores.

iii) Desvios de Finalidade - Empréstimos Bancários

Considerando que os recursos do Custeio Agrícola possuem destinação pré-definida, a sua aplicação deve obedecer rigorosamente as regras estabelecidas na linha de crédito.

Chama muito a atenção que diversos casos de Recuperação Judicial revelam a contratação de valores expressivos junto a Bancos, os quais, obrigatoriamente,deveriam ser utilizados para as finalidades a que se destinam, como a compra de insumos à vista para formação das lavouras.

Não obstante, alguns dos Recuperandos se abasteceram de grandes volumes de insumos, assumindo obrigações a prazo por valores significativos, valendo-se da boa-fé de terceiros e da dificuldade de se analisar o endividamento real em razão da ausência de documentos contábeis consistentes.

Trata-se de verdadeira “pedalada”, que pode ser tipificada como Crime contra o Sistema Financeiro, além de poder configurar a prática de estelionato e dar azo a apuração de lavagem de dinheiro, tendo em vista que os valores obtidos indevidamente poderão ser ocultados de alguma forma.

Existem situações absurdas onde o valor da dívida supera várias vezes o que é necessário por hectare para formação de uma lavoura. É importante levar em conta que o crédito agrícola tem natureza rotativa, sendo renovável a cada safra a partir da comprovação de que não se está inadimplente. Nesse sentido, resulta escandaloso o descasamento dos valores apontados nas Recuperações Judiciais com a realidade operacional dos negócios, principalmente no que se refere a magnitude da dívida versus a área plantada do Recuperando.

É vergonhoso que o Judiciário não tenha até o momento se dado conta de que pode elucidar muito rapidamente estas questões, bastando que se consulte a um Instituto de Economia Agrícola, de forma a verificar a coerência dos argumentos apresentados com a realidade dos custos de produção e investimentos relacionados aos cultivos, cujas informações são regularmente publicadas. O Mato Grosso, onde, aliás, se concentram as maiores RJ’s do setor, conta com o IMEA (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária) que é, diga-se de passagem, reconhecido nacional e internacionalmente pela qualidade do trabalho que desempenha.

iv) Compra de Créditos de Pequenos Credores Quirografários

As últimas operações conduzidas pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal de Goiás puseram em destaque uma prática deletéria que já é conhecida no mercado. Trata-se da famigerada "aquisição de créditos estressados”.

Há relatos de situações em que, de maneira abusiva, os pequenos credores são assediados por interpostas pessoas e/ou empresas, à serviço de devedores e/ou seus procuradores, no sentido de venderem seus créditos por valores irrisórios. Tal situação premia a malandragem, possibilita o enriquecimento ilícito às custas de terceiros e ainda contribui para a manipulação do processo através da obtenção de votos favoráveis ao devedor nas assembleias.

v) Manipulação Contábil e Jurídica

Vários processos em trâmite apresentam indícios reluzentes de manipulação contábil, nos quais determinados registros são tão inconsistentes que não permitem a identificação dos critérios de apropriação.

Verificam-se situações atípicas nas declarações de IR, onde os valores de recolhimento se apresentam como insignificantes nos últimos exercícios, contrastando com um crescimento patrimonial vigoroso, frequentemente, registrado em nome de companhias do tipo “Holding".

As mídias sociais tem sido muito úteis para desmascarar as incongruências entre a ostentação e a vitimização teatral contida na verborragia cansativa das petições, do tipo “copia e cola”.

Alguns dos ícones da inadimplência milionária do Agro são egocêntricos ao extremo e não se furtam de aparecer como socialmente influentes, poderosos e detentores de artigos de luxo que despertam a admiração num séquito de idiotas.

Definitivamente, esta não é a postura da esmagadora maioria dos agricultores brasileiros.

5)Depois dessa ampla descrição das fraudes que podem estar inseridas nos processos de Recuperação Judicial e as consequências danosas que estão sendo geradas no setor, quais seriam as recomendações para que os Agricultores não caiam em falsas promessas?

ELP: Antes de mais nada, cabe dizer que a Recuperação Judicial não é a panacéia nos termos que alguns advogados estão propagando, a qual iria solucionar os problemas de endividamento. Tampouco poderá ser tomada como plataforma para o enriquecimento ilícito baseado na tomada de vantagens indevidas em relação a terceiros de boa-fé.

A RJ é a última alternativa e antes disso é possível tomar uma série de medidas corretivas, como o desinvestimento a partir da venda de ativos, a reestruturação das atividades, a renegociação com os fornecedores e fundamentalmente o reordenamento dos gastos pessoais.

É importante que os Produtores se conscientizem sobre a necessidade de profissionalizar a gestão contábil e econômico-financeira. Dessa forma, poderão tomar decisões de investimento com fundamentação técnica, evitando impulsos inconsequentes sem a devida mensuração dos riscos envolvidos.

6) Tratamos até aqui das RJ’s de Pessoas Físicas, mas a verdade é que muitos Produtores Rurais também tem sido vítimas de empresas que solicitam a proteção contra a falência. Como entender isso?

ELP: De fato, o outro vértice das RJ’s tem envolvido empresas cerealistas, cooperativas e tradingcompanies. Os primeiros casos ocorreram no Rio Grande do Sul há alguns anos e causaram enormes danos, principalmente a produtores de pequeno porte. Recentemente, ocorreu um problema grave que se tornou emblemático no Mato Grosso envolvendo a uma empresa nova, que obteve crescimento acelerado com o uso de muito marketing e que veio a surpreender o mercado com o pedido de Recuperação Judicial.

Empresas novas com propostas agressivas de preços acima do mercado e que solicitem prazo de pagamento precisam ser avaliadas com muito cuidado.

Os produtores rurais precisam se acostumar a exigir o cadastro dos seus compradores, principalmente daqueles que não possuem tradição no mercado.

As entidades como a APROSOJA e alguns Sindicatos Rurais podem contratar serviços especializados que realizam a análise dos riscos de crédito dessas empresas. Isso trará maior transparência ao processo comercial e poderá reduzir a chance dos golpes.

Não existe mágica no mercado agrícola, ainda mais no segmento de comercialização onde as margens são muito apertadas.

O Lucro do Produtor Rural é absolutamente sagrado e a ele pertence, quando obtido de maneira honesta. Da mesma forma o Prejuízo, quando for fruto de uma sucessão de decisões e condutas equivocadas, cabe ser assumido com dignidade e responsabilidade, sendo inaceitável qualquer tentativa de “socialização".

A prosperidade e a falência são axiomas indissociáveis da natureza da atividade agrícola.

Fonte: LucrodoAgro

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