De flores à carnes, consumo no Brasil preocupa todas as cadeias produtivas do agro brasileiro
Foto: Eduardo Matysiak/Futura Press/Estadão Conteúdo
A produção, o fluxo e o abastecimento entre os principais setores continua acontecendo normalmente, uma vez que o agronegócio se inclui entre os serviços essenciais determinados pelo governo. No entanto, a preocupação dos principais mercados agropecuários agora é a demanda. Com milhares de pessoas em isolamento social por conta do coronavírus, o consumo está limitado e pode trazer prejuízos a diversos setores do campo de flores a carnes.
Entre os alimentos, logo que as primeiras orientações de quarentena foram dadas pelas autoridades, houve uma corrida por compras acima do normal de itens da alimentação básica dos brasileiro, como arroz, feijão, café, açúcar e algumas proteínas. No entanto, representantes dos setores afirmam que trata-se algo "fora da curva normal" de comportamento, refletindo apenas as preocupações com os desdobramentos da pandemia.
Assim, as principais cadeias produtivas buscam alinhar suas atividades e pleiteam uma revisão nas medidas do governo de forma que o consumo não seja afetado. "A paralisação total das atividades é prejudicial para a economia do país. Devemos priorizar salvar vidas, proteger os idosos, mas a população economicamente ativa, mais jovem, não faz sentido que continue nessa paralisação total", diz o presidente da Abrafriga (Associação Brasileira de Frigoríficos), Péricles Salazar.
A SNA (Sociedade Nacional da Agricultura) também levantou as condições sobre o consumo interno de alguns setores e, de acordo com o Prof. Dr. Marcos Fava Neves, um de seus diretores, "os setores sucroenergético, de produção de flores e algodão, e hortícola (incluindo produtos orgânicos) são os primeiros mais afetados".
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PROTEÍNAS ANIMAIS
No mercado da carne bovina, ainda segundo Salazar as atividades podem começar a registrar prejuízos ainda mais sérios em somente dias. "Os pecuaristas estão com bons pastos, a engorda continua, mas precisamos restabelecer a normalidade nas áreas urbanas; por isso vejo como inevitável os pecuaristas pressionarem seus sindicatos, que irão pressionar as federações que, por sua vez, vão pressionar as Confederções (CNA, CNI) para que o comércio reabra, e tudo volte ao normal", diz o presidente da Abrafrigo.
No link abaixo, confira sua entrevista na íntegra ao Notícias Agrícolas nesta quinta-feira:
>> Mercado não aguenta mais 10 dias de paralisação; precisamos romper o isolamento, diz Abrafrigo
A demanda ainda está forte também entre as carnes suína e de frango segue consistente já que, como explica Osler Desouzart, consultor da ODConsulting, "as pessoas estão em casa, mas não pararam de comer". Entretanto, também chama a atenção para uma preocupação no 'pós-quarentena', quando o Brasil começar a contabilizar os prejuízos econômico, com a possibilidade até mesmo de uma recessão econômica.
"A possibilidade de haver impacto na nossa indústria só vai acontecer se bares e restaurantes se mantiverem fechados. O que me preocupa em relação à indústria não é esse momento, mas sim o risco de que, depois da onda do coronavírus, venha uma recessão econômica. Vai morrer mais empresa do que gente. ", disse.
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A demanda interna firme por carne suína, de frango e também por ovos é favorecida ainda por ser tratar de produtos mais competitivos, como explica o presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), Francisco Turra.
Veja sua entrevista ao Notícias Agrícolas na íntegra:
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ARROZ
Segundo Alexandre Velho, presidente da Federarroz (Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul), o mercado do arroz percebeu um aumento do consumo nacional nos primeiros dias do isolamento, com o objetivo da população de estocar alimentos. E embora o movimento não deva continuar no mesmo ritmo, ainda assim não há grande preocupação com a demanda doméstica por este que é um dos itens da alimentação básica do brasileiro.
"Há uma preocupação da Federarroz em manter todas as atividades acontecendo normalmente, principalmente com a colheita do arroz em andamento. Mas o que também preocupa são alguns serviços sem funcionar, como fornecedores de peças, óleo diesel, entre outros", diz Velho. O presidente afirma ainda que, com menos caminhões circulando e a logística também pontualmente comprometida, a Federarroz enviou uma nota ao Ministério dos Transportes de forma que haja uma garantia para facilitar o trânsito dos caminhões".
Com uma safra prevista para superar a anterior, a federação tomou ainda uma série de medidas que possam garantir a segurança de seus colaboradores e garantir a colheita. "O arroz que será colhido no Brasil é suficiente e não haverá desabastecimento. Temos que levar tranquilidade ao mercado", conclui.
FEIJÃO
Da mesma maneira, o consumo também observou uma corrida às compras no mercado do feijão, onde, inclusive o brasileiro encontrou preços mais baixos - entre R$ 3,50 e R$ 4,50 no quilo do carioca - e trouxe esta primeira impressão de aumento da demanda, como explica Marcelo Lüders, presidente do Ibrafe (Instituto Brasileiro do Feijão).
"E quando isso começou, sem saber muito o que poderia acontecer, as pessoas não sabiam exatamente o que comprar para estocar e foram para o básico. Assim, o que podemos ver é, com a volta da normalidade e as pessoas voltando à rotina, um momento de consumo menor, porém, somente pontual. Depois isso também volta à normalidade", explica Lüders. Entretanto, explica ainda que com uma demanda mais fracas por superfluos nos supermercados, os estabelecimentos, para garantir o faturamento, já aumentam produtos que saem mais, como o feijão. "Já há muitos casos de denúncia sobre preços fora do normal".
Assim, apesar de todos as particularidades do momento, "a perspectiva por parte do produtor é positiva", afirma o presidente do Ibrafe.
CAFÉ
No café, "o consumo subiu, saiu da curva do normal, mas o que nos preocupa é o que vem depois deste momento", explica o gerente de mercado interno da Cooxupé, Mário Panhotta. Segundo ele, para se entender como a demanda doméstica vai se comportar a partir daqui é entender quanto tempo esse isolamento vai durar e como será o comportamento da população depois dele.
"O consumo fora do lar está fechado, então há um deslocamento mais rápido para o consumo em casa. Mas depois disso pode ficar difícil, já que podemos ter até mesmo uma recessão", explica Panhotta. Assim, "tivemos um aumento do consumo, mas sem sentir qualquer alteração nos preços", diz.
Sobre o abastecimento, o gerente da Cooxupé afirma que as fábricas seguem trabalhando a todo vapor, dentro da normalidade, tendo que driblar apenas alguns problemas logísticos pontuais.
LEITE
Sendo o leite um dos alimentos mais acessíveis e nutritivos para o brasileiro, a população também provoca essa corrida às compras para estocar o produto em pó e o longa-vida, temendo o desabastecimento. Segundo a veterinária e diretora de Inteligência da Científica Milk.Wiki, Dra. Roberta Züge, o medo é que a pandemia dure muito tempo. Em contrapartida, a demanda por produtos lácteos de menor durabilidade diminui. O objetivo é garantir uma maior quantidade de produtos que possam ficar estocados por mais tempo.
"E o leite é um produto essencial, que tem muitos nutrientes. E o consumidor sabe que seu corpo precisa estar bem nutrido para combater esse vírus", diz. Da mesma forma, a diretora explica que produtores menores e laticínios dependentes de programas governamentais, como merenda escolar, ou aqueles que fornecem para restaurantes estão sofrendo com a falta de demanda.
Saiba mais na íntegra da entrevista da Dra. Roberta Züge ao Notícias Agrícolas:
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COMBUSTÍVEIS
Em São Paulo, tudo segue normal, mas o consumo e o escoamento pela limitação da demanda preocupa. "O que implica é o escoamento, principalmente nas usinas sucroenergéticas. Com o baixo fluxo e pouco consumo, talvez não adiante produzir. Estamos iniciando a safra do setor de cana-de-açúcar e é muito preocupante o valor da gasolina diante das quedas do petróleo por conta da guerra (de preços) entre Rússia e Arábia Saudita, somado ao coronavírus, teremos sérios problemas, mesmo com o dólar mais alto", diz o presidente da Aprosoja SP, Gustavo Chavaglia.
E Chavaglia fala ainda sobre os isolamentos sociais. "Alguns prefeitos, no intuito de querer proteger suas populações, têm causado certos problemas para caminhões, oficinas, lojas de peças, restaurantes, etc. Então, se a população fica em casa, reclusa, esperando que a comida chegue no supermercado, pode ser que não chegue. É preciso repensar no isolamento vertical, isolando apenas grupos de risco, pessoas com problemas, escolas e idosos. Então, em São Paulo tudo flui mais ou menos normal, mas com grande expectativa sobre o consumo.
De acordo com números levantados pela Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes) e reportados pela Reuters, já há uma baixa de 50% na demanda em postos localizados em cidades com mais de 300 mil habitantes.
FRUTAS
Os decretos de restrição de funcionamento de estabelecimentos, circulação de pessoas, estão afetando também o setor de hortifruticultura. De acordo com o fruticultor Henrique Losqui, que também é permissionário na Ceagesp em São Paulo, há colegas parando de colher porque não tem venda para os produtos. "Produtor que está com fruta para vender, só consegue mandar pra vender na Ceagesp com em consignação, porque o vendedor não sabe se vai conseguir vender o produto e também não garante o preço", disse.
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"Conforme produtores de hortaliças consultados pelo Hortifruti/Cepea nesta quarta-feira, 25, as atividades de campo estão ocorrendo normalmente em algumas regiões. Conforme já anunciado no site da HF Brasil, o maior problema registrado nesta semana continua sendo a demanda bastante reduzida, tanto no varejo (diante da recomendação de isolamento social) quanto nas roças. Sem um grande giro de vendas no comércio, compradores estão receosos em manter os pedidos no campo, já que a sobra de mercadorias poderá causar perdas e prejuízos. Com esse cenário de lentidão, alguns atacadistas têm encerrado as atividades mais cedo. No caso da cebola, por exemplo, alguns atacadistas realizam entregas, o que acaba mantendo certa liquidez no mercado", explicam os pesquisadores do Cepea.
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FLORES
Somente na última semana, as vendas de flores recuaram cerca de 70% e esse número já é mais severo, e está sendo contabilizado, segundo dados do Ibraflor (Instituto Brasileiro de Flores). E esta semana poderá apresentar resultados ainda mais graves. “A situação é dramática. As vendas de flores e plantas ornamentais caíram 70% na semana passada nos supermercados e floriculturas de todo o país. Não vendemos mais do que 30% do faturamento previsto para a semana”, informa Kees Schoenmaker, presidente do Ibraflor.
Nos leilões de flores do Veiling, em Holambra, os efeitos também foram sentidos, com sobras de até 40% sendo registradas. Assim, as operações acabaram sendo suspensas. O caso na floricultura se agrava tão rapidamente, que os produtores já têm feito o descarte das flores na própria fazenda, com a produção nem seguindo para o escoamento em muitos casos.
TRIGO
"Sendo a alimentação uma atividade essencial, indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, o principal foco dos Moinhos neste momento é garantir o abastecimento de toda a cadeia do trigo – supermercados, atacados, padarias, indústrias de massas, biscoitos, pães industriais e bolos e demais canais de food service. Estamos preparados para produzir farinha de trigo com toda a segurança alimentar, como sempre o fizemos. Isso permitirá que todos os fabricantes da cadeia de trigo e seus derivados possam cumprir com a importante função de alimentar toda a população", afirmou em nota a Abitrigo.