O mundo pede o aumento da produção agrícola brasileira, diz Roberto Rodrigues (FGVAgro)
Para o coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGVAgro), Roberto Rodrigues, o Brasil tem uma oportunidade inédita de dar um novo salto de produtividade graças ao incremento de 20% projetado para a demanda global de alimentos em 10 anos, mas, segundo ele, é necessária uma estratégia nacional integrada, que ainda precisa ser construída. Rodrigues, que coordena o Congresso Anufood Brazil 2020, dia 9 de março, em São Paulo, acredita que as tendências de consumo de alimentos em curso podem alterar significativamente, no futuro, os rumos da produção e da indústria de transformação.
O Congresso Anufood Brazil 2020 visa identificar os caminhos que a produção, do campo até as prateleiras do varejo, deve tomar para atender o crescimento da demanda nos próximos anos. Com co-realização da Fiesp, o Congresso faz parte da Anufood Brazil 2020, versão brasileira da Anuga (maior feira mundial do setor de alimentos), que acontecerá de 9 a 11 de março, no São Paulo Expo.
Quais são as perspectivas do agronegócio brasileiro para o longo prazo?
Há uma estimativa da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que indica a necessidade de aumentar em 20% em 10 anos a produção global de alimentos para que haja comida suficiente para alimentar a população mundial. Cumprir essa meta não é fácil porque as projeções mostram que Estados Unidos e Canadá não crescem 10%; os países da União Europeia e Oceania não chegam a 12%; os países da Eurásia, China, Índia, Rússia não alcançam 15% de incremento na produção de alimentos. Para que o mundo tenha o crescimento esperado em 10 anos, é preciso que o Brasil cresça 41%. Há, portanto, uma demanda de fora para dentro inédita. O mundo está pedindo esse aumento na produção brasileira por três fatores que o Brasil tem: tecnologia tropical sustentável, terra disponível e pessoal capacitado nos diversos elos da cadeia produtiva.
O Brasil tem então condições de ampliar sua produção duas vezes mais do que o mundo precisa crescer?
Sim, nós podemos crescer porque essas três variáveis - tecnologia tropical sustentável, terra disponível e gente capacitada - persistem ao longo do tempo. Agora, se vamos fazer isso, é uma questão mais difícil de responder por que depende de uma estratégia articulada e integrada voltada para o agro, que ainda não existe. O agro representa 25% do PIB brasileiro, responde pelo saldo da balança comercial em mais de 90%, enfim, tem um papel socioeconômico relevante, mas que não vem sendo compreendido, ao longo dos anos, pelo Estado brasileiro.
O que seria necessário para aproveitar essa oportunidade de crescimento que o mundo nos oferece?
Precisamos de uma estratégia que contemple fundamentalmente cinco aspectos. O primeiro deles é logística e infraestrutura. No século passado, a agricultura era costeira, mas depois migrou para o Centro-Oeste. No entanto, a estrada, a ferrovia, o armazém, nada migrou. E nós precisamos colocar essa infraestrutura lá para escoar a produção em bases competitivas, mas isso acontecerá apenas quando houver segurança jurídica e as reformas forem concluídas, assim haverá confiança por parte do investidor, tanto o nacional quanto o estrangeiro. O segundo tema é a política comercial. Hoje há um protecionismo enorme entre os países desenvolvidos, com a proliferação de acordos bilaterais. A OMC (Organização Mundial do Comércio) está perdendo o protagonismo nessa mediação. O Brasil não tem qualquer acordo bilateral relevante. Então, é fundamental que esse acordo Mercosul-União Europeia saia do papel, porque é a única forma de o Brasil ter acesso a mercados de forma estruturada e também de fazer outros acordos bilaterais com China, Índia, Estados Unidos, Canadá. Precisamos estabelecer uma ampla política de comércio internacional, com mais consistência do que a existente hoje. O terceiro aspecto é a política de renda no campo, como o seguro rural, créditos e outros mecanismos para, ao garantir ao produtor a manutenção da sua atividade, se dê garantias também de abastecimento ao consumidor. Por fim, a tecnologia, que permitiu o nosso salto de qualidade e a explosão da nossa produtividade nos últimos 40 anos, não pode parar de receber investimentos, porque é um processo dinâmico. O que vem surgindo com a revolução 4.0 da agricultura é muito impressionante e precisamos, urgentemente, colocar recursos nessa área para não ficarmos atrasados. Outro aspecto atrelado à tecnologia é a defesa sanitária. É de uma importância capital. Temos que fortalecer nosso aparato, com os devidos recursos para montarmos barreiras fortes que impeçam a entrada de doenças, pragas e outros elementos nocivos ao agro.
Como a questão da sustentabilidade se encaixa nessa estratégia?
Essa é uma questão transversal muito importante. Sem sustentabilidade não há competitividade no mundo contemporâneo. Preservar o meio ambiente é uma demanda da legitima da juventude global e é uma necessidade real do planeta. Nós, brasileiros, temos o Código Florestal, que é uma ação concreta em defesa do meio ambiente. É preciso colocar a esse tema no cenário das estratégias nacionais para que haja um reconhecimento, de fato, da competitividade sustentável do agronegócio brasileiro.
E no curto prazo, no aspecto conjuntural, quais são as perspectivas para o agro?
Nós estamos no meio de um ciclo da safra de verão. Tem chovido razoavelmente bem no Brasil inteiro, embora tenha faltado chuva no Rio Grande do Sul, e parte do Mato Grosso do Sul e do Paraná. De modo geral, o clima está correndo bem. Há uma grande expectativa para a safra de verão, especialmente de soja, milho, algodão, amendoim, e outras commodities mais conhecidas. Isso também é bom para as carnes. É um ano positivo em termos de produtividade, salvo os desastres em algumas partes do país. Também é um ano de bons preços, em um primeiro momento, por conta da peste suína africana e do coronavírus. Entretanto, o cenário é muito instável porque não se sabe em quanto tempo o coronavírus será eliminado na China. Enquanto isso não se resolve, há um temor que haja um refluxo no comércio de alimentos. A China é nosso melhor comprador. Tenho uma expectativa positiva para a safra, pendente dessas questões, especialmente da situação chinesa. Se demorar muito tempo para controlar o coronavírus, os mercados vão encolher, pois haverá retração das atividades de transporte, e, consequentemente, das possibilidades de escoamento da produção.
Como o Sr. enxerga a relação entre a indústria de alimentos e as demandas do consumidor, que é um dos temas do Congresso Anufood Brazil 2020?
A questão do meio ambiente é uma demanda legitima da juventude e, portanto, é algo que vai perdurar por 30 anos ou mais. Eu penso que essa vontade universal de cuidar do meio ambiente terá duas consequências para o comércio mundial. A primeira é a mudança profunda de hábitos alimentares, como, por exemplo, a redução do consumo de carnes. Isso pode provocar mudanças profundas não só na produção, mas também na indústria de transformação. E é preciso esclarecer mitos que rondam essas e outras questões. Há quem pense que a carne é produzida com o boi que vive em pastos desmatados da Amazônia, o que não é verdade. A carne é produzida no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, sem desmatar. Mesmo que eventualmente se desmatasse legalmente uma área para criação de gado, um pasto bem formado sequestra mais carbono que a floresta madura, que emite mais carbono do que sequestra. A segunda consequência tem a ver também com o mercado. Considero essencial que o acordo Mercosul -União Europeia funcione o mais rapidamente possível, porque é um mercado vital para o Brasil. Mas alguns governos europeus não têm interesse no acordo porque vão perder espaço na produção, o que põe em risco a instabilidade econômica. Como haverá eleições na Europa, temos um certo risco de que o acordo não avance em função da maneira como as notícias do desmatamento na Amazônia chegaram ao continente. É possível que essas forças contrárias aproveitem o tema ambiental para questionar a posição brasileira. Por isso, o congresso da Anufood quer provocar o debate sobre para onde vai a economia global, dentro dela qual é a tendência do consumo de alimentos e, nesse processo, como se dá a questão produtiva e industrial. Será um debate que interessará aos consumidores, à indústria, aos produtores, às autoridades. Será imperdível.