Réplica na polêmica do Fósforo a lanço: Prof Fancelli publica artigo e reafirma - "não é adequada"

Publicado em 14/02/2020 12:39
..."ela pode afetar o desempenho da planta, sobretudo em condições de estresse, sem contar com o aumento de risco da atividade agrícola" , adverte o prof. Antonio Luiz Fancelli

Introdução

O Fósforo é um elemento químico de símbolo P, com número atômico 15 e massa atômica igual a 30,973762 u, sendo importante matéria-prima para o segmento industrial, bélico, alimentício e terapêutico, além de se constituir em nutriente essencial para a vida vegetal.

O Fósforo é um elemento que não é encontrado na atmosfera, sendo unicamente advindo de rochas específicas representadas por fontes finitas. Portanto, o citado elemento apresenta ciclo biogeoquímico truncado, com baixa chance de recuperação na natureza, exigindo uso eficiente, racional e responsável por parte dos agricultores.

Na vida vegetal o fósforo desempenha papel relevante na composição de ácidos nucléicos (DNA e RNA); é componente fundamental da membrana celular; atua na dinâmica de energia ou como transferidor de energia (AMP, ADP, ATP, UTP e GTP) na planta; bem como na regulação de diversas vias de síntese e do estímulo inicial de desenvolvimento de raízes.

Devido as suas propriedades químicas, aliado às condições predominantes em ambientes tropicais, o fósforo apresenta baixíssima mobilidade no solo, exigindo, portanto, conhecimento e estratégias adequadas que assegurem o seu pleno aproveitamento pelas plantas.

Dentro deste contexto, de forma geral, a modalidade de fornecimento de fósforo às plantas, mediante adubação a lanço ou superficial, não se constitui em procedimento adequado (salvo raras exceções), pois, além de dificultar o seu aproveitamento, pode ser considerada estratégia ineficiente e ecologicamente incorreta.

Contextualização do fato

No Brasil, em decorrência da ampliação das áreas de produção de soja, que assumiram extensões avantajadas, o produtor foi obrigado a considerar o uso de técnicas e tecnologias que aumentassem o rendimento operacional da atividade agrícola. Esse procedimento, em princípio, poderia garantir a semeadura da soja em época mais apropriada, preservando o potencial produtivo da planta, bem como propiciando o cultivo sequencial de algodão e/ou milho, na mesma gleba. Portanto, nada mais lógico e compreensivo que este tipo de pensamento se consolidasse.

Contudo, a escolha das estratégias para tal objetivo não poderia apenas privilegiar a facilidade e a comodidade, em detrimento de princípios científicos. Portanto, a escolha da técnica da adubação fosfatada a lanço, de forma simplista, poderia desencadear inúmeros problemas e a perda de potencial de produção ao logo do tempo.

Nos últimos cinco anos, inúmeras constatações confirmaram a ineficiência da referida técnica, pela evidência da estagnação do potencial produtivo e do aumento do custo de produção.

Todavia, se a adubação fosfatada a lanço fizer parte de um sistema de produção racional, sendo utilizada de forma parcimoniosa, em situações específicas, e em conjunto com o cultivo de plantas recicladoras (braquiária), aliada à reposição periódica do fósforo em profundidade, a prática poderá se constituir em estratégia de sucesso.

Avaliação correta do fósforo em glebas com adubação a lanço

Trabalhos de pesquisa demonstram que o fósforo produtivo é aquele que se encontra localizado na camada de solo entre 10 e 15 cm de profundidade. A razão para este fato diz respeito à influência da temperatura e da água na absorção deste elemento pela planta. Temperatura superior a 39oC provocam a desativação do carregador de fósforo na planta, dificultando sua efetiva absorção. Tal condição térmica inadequada frequentemente ocorrerá na camada superficial do solo.

Do mesmo modo, a combinação do mecanismo de contato íon-raiz (difusão) e a necessidade de posicionamento do nutriente na rizosfera, será amplamente favorecida pela disponibilidade de água, garantindo a sua absorção pela planta.

Neste contexto, conclui-se que a água estará, obviamente, mais disponível no solo, em profundidades superiores a 10 cm.

Por tais razões, glebas com teores de fósforo superiores a 20-25ppm ou mg/dm3, na camada entre 10 e 15 cm de profundidade, podem demorar mais tempo para que a distribuição de fósforo a lanço  manifeste sinais negativos na produção. Este fato persistirá até o esgotamento do referido nutriente no solo.

Entretanto, com o conteúdo de fósforo mencionado anteriormente, a adubação a lanço pode não apresentar efeito significativo e, em algumas situações, ser totalmente dispensável.

Portanto, o resultado do uso de fósforo a lanço em glebas sem teores e localização satisfatórios de fósforo; sem fosfatagem corretiva (fósforo em profundidade) ou em glebas de primeiro ano, pode ser dramático, sobretudo em anos secos.

Assim, conclui-se que a avaliação do fósforo em glebas com adubação a lanço, objetivando a sua quantificação e localização no solo exige, obrigatoriamente, amostras estratificadas (0-5; 5-10; 10-15 e 15-20 cm).

E se no boletim de análise for observado maior concentração de fósforo na camada de 0-5 cm de profundidade, a estagnação ou a perda de produção estará prestes a acontecer.

Consequências negativas do uso de fósforo a lanço: 

A adubação a lanço de fósforo, de forma simplista e exclusiva, sem a devida consideração do sistema de produção adotado, além de exigir quantidades elevadas do referido nutriente, devido à baixa eficiência do procedimento, pode provocar outros problemas relevantes, dentre os quais merecem especial destaque:

  1. Redução do estímulo inicial do crescimento das raízes, principalmente em profundidade, pois constata-se a diminuição da produção de raízes de 1ª e 2ª ordem (raízes rastreadoras de água) em meio com alta concentração de Fósforo.
     
  2. Redução da proliferação de fungos micorrízicos arbusculares, os quais são de fundamental importância para o desempenho das plantas e para a diversidade biótica em solos tropicais.
     
  3. Redução da taxa de absorção de água pelas plantas, pois o Fósforo distante das raízes (aplicação superficial) afeta o mecanismo de abertura e fechamento dos canais de água (composto por aquaporinas), que dependem das reações de fosforilação e desfosforilação. Portanto, o uso de fósforo a lanço em anos secos, sobretudo no início do ciclo da cultura, colocam a planta e suas raízes em situação crítica.
     
  4. Enovelamento e concentração das raízes na camada superficial do solo, facilitando o ataque de nematóides e de insetos, bem como favorecendo a infecção por patógenos de solo.
     
  5. Redução da absorção de zinco, provocando a restrição de produção de auxinas pelas plantas,desencadeando todas as consequências danosas da escassez desse nutriente e do referido hormônio no metabolismo vegetal.
     
  6. Redução da taxa de absorção do próprio nutriente (P), devido a diminuição da atividade de seu carregador, que é afetada por temperaturas de solo superiores a 39oC, cuja ocorrência é muito comum na camada de 0-7cm. 
     
  7. Redução da disponibilidade de Fósforo quando o referido nutriente é distribuído a lanço em área com uso frequente de calcário superficial, devido ao alto valor de pH e da probabilidade de formação de produto insolúvel (fosfato tricálcico)
     
  8. Distribuição desuniforme do Fósforo no solo após chuvas de intensidade média à alta, mediante a reacomodação da fonte do elemento citado, nas depressões do microrelevo do solo, formando zonas (ou bolsões) de alta concentração de fósforo.
     
  9. Aumento da probabilidade da perda da fonte de fósforo quando distribuída na superfície do solo, juntamente com a água de chuva, mediante escorrimento em áreas declivosas.

    Alternativas para o uso de fósforo a lanço

Inúmeras alternativas ao uso de adubação de fósforo a lanço apresentando eficiência e rendimento operacional satisfatórios, podem ser implementadas, quais sejam:

  1. Uso de doses de arranque no sulco de semeadura da soja (15 a 20 kg/ha de P2O5) ou na semeadura de plantas de cobertura antecedentes;
     
  2. Uso de Fósforo no sulco de semeadura a cada 2 a 3 ciclos ou, pelo menos, nas lavouras de milho ou algodão;
     
  3. Consolidação de Sistemas de Ciclagem de Fósforo, mediante o cultivo de braquiária após a lavoura de soja, por 3 a 5 meses, suprimindo a lavoura de milho de 2ª época (ou safrinha), em parte da área;
    (a referida modalidade poderá ser concretizada pela divisão do total da área cultivada, em quatro partes, rotacionando a braquiária em uma das partes, ao longo do tempo, na época do milho safrinha. No final de 4 anos a reposição do fósforo no solo, em profundidade adequada, estará concretizada);
     
  4. Uso de fósforo no sulco de semeadura, mediante o emprego de adubo líquido concentrado, em baixo volume (100 a 125 L/ha), apresentando rendimento operacional satisfatório (modalidade em fase de implantação na produção de grãos, no Brasil) e
     
  5. Adubação fosfatada no sulco de semeadura de modo antecipado e incorporado, a partir de agosto, para semeadura posterior de soja na época recomendada. Essa modalidade tem garantido ganhos significativos de produtividade, de forma eficiente e racional, principalmente em áreas extensas, cuja modalidade é conhecida como “adubo plantado”.

Considerações Finais

A técnica da adubação a lanço pode ser utilizada em muitas situações, visando o fornecimento de alguns nutrientes que apresentam o mecanismo íon-raiz por fluxo de massa, o que não é o caso do fósforo.

Portanto, o presente artigo não tem por objetivo condenar a distribuição superficial de fósforo, porém oferecer subsídios para a tomada de decisão e discussão da eficiência e necessidade efetiva do uso da referida modalidade de adubação; visto que ela pode afetar o desempenho da planta, sobretudo em condições de estresse, sem contar com o aumento de risco da atividade agrícola.

A utilização contínua desse tipo de adubação, sem nenhum critério, além da contribuir para a estagnação e/ou perda de produtividade vegetal, poderá dificultar a recuperação da gleba, bem como provocar a perda significativa de fósforo, notadamente em solos argilosos.

Finalmente, cumpre salientar que o principal insumo para a consolidação de uma agricultura eficiente, produtiva e sustentável é o CONHECIMENTO.

Portanto, é imprescindível o questionamento contínuo da validade de recomendações universais (“receitas de bolo”) e de fórmulas mágicas, sem embasamento científico, bem como a valorização dos profissionais gabaritados, com relevantes experiências e responsáveis por resultados comprovados.

Pois, somente desta maneira a agricultura será fortalecida e cumprirá seus nobres desideratos.

Antonio Luiz Fancelli

Fancelli & Associados - Consultoria Empresarial

fancelli@usp.br

Confira a palestra na íntegra:

Fonte: Notícias Agrícolas

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