O embate entre o conhecimento e a ignorância, por Maurício Lopes
O matemático e filósofo britânico Bertand Russell, um dos mais influentes pensadores do século XX, dizia que o maior problema do mundo moderno é que as pessoas preparadas e capazes estão sempre cheias de dúvidas, enquanto as desinformadas e incapazes estão sempre cheias de certezas. Incômodo semelhante sentia o escritor Umberto Eco, que não escondia irritação com o uso cada vez mais descuidado de um dos grandes avanços da humanidade, a internet.
Com fino humor, ele dizia que, antes das redes sociais, os “tolos da aldeia’’ tinham direito à palavra "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade". E concluía que “o drama da internet é que ela pode transformar qualquer tolo da aldeia em portador de uma suposta verdade planetária”.
O fenômeno que tanto incomodava a Bertrand Russell e Umberto Eco foi estudado pelos psicólogos americanos Justin Kruger e David Dunning, da Universidade de Cornell. Eles descreveram o efeito Dunning-Kruger, segundo o qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto julgam saber mais que outros mais bem preparados.
Os cientistas concluíram que muitas vezes a ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento, dando a pessoas desqualificadas a sensação de uma “superioridade ilusória”. Assim, indivíduos com ideias preconcebidas, intuições, vieses e pressentimentos constroem versões distorcidas da realidade e se agarram à ilusão de que são detentores de conhecimento confiável.
Os estudiosos dessa “superioridade ilusória” analisam que, quanto mais ignorante alguém for em um assunto, menos qualificado será para avaliar a habilidade de qualquer pessoa que trabalhe no mesmo assunto, incluindo sua própria habilidade.
Quando alguém usa uma rede social para disseminar absurdos e ninguém o contrapõe, esse indivíduo se assume um expert. Isso resulta em uma percepção artificialmente inflada das suas próprias habilidades, muitas vezes temperada pelo ego. O mesmo efeito fará com que pessoas igualmente incompetentes se parabenizem e se apoiem, pois não conseguem detectar suas insuficiências.
Por isso, muitos ambientes de discussão efervescente são nada mais que arenas da ignorância, que afugentam as pessoas mais habilitadas a iluminar o debate.
Um agravante é que as catástrofes e o negativismo exercem enorme atração sobre a sociedade moderna.
Essa condição cria ambiente fértil para a “superioridade ilusória”, que faz circular de forma intensa falácias e meias verdades, ampliando o culto ao pessimismo e a glorificação dos que adoram bater os tambores do apocalipse.
Estranhamente, esse movimento cresce em um mundo em que são abundantes as evidências de progresso, como mais democracia, mais educação e mais desenvolvimento econômico e social. Qualquer análise cuidadosa do progresso humano em prazos mais longos demonstrará que as melhorias alcançadas pela sociedade moderna são nada menos que extraordinárias.
A humanidade nunca esteve tão bem como agora, em inúmeros aspectos, o que deveria afugentar o pessimismo e nos animar em relação ao futuro.
Mas, ao contrário, estamos nos afogando todos os dias em um mar de análises e cenários pessimistas. Razão por que teremos que nos preparar para um embate cada vez mais acirrado entre o conhecimento e a ignorância.
De acordo com Max Roser, cientista da Universidade de Oxford, que se dedica a estudar a evolução a longo prazo dos padrões de vida no mundo, uma das razões pelas quais muitos se concentram em coisas que dão errado é que sua amostragem é distorcida da realidade, porquanto concentrada em eventos únicos e pontuais, preferencialmente extremos, que atraem mais curiosidade e atenção.
A atenção preferencial a eventos extremos faz com que os avanços positivos de grande impacto, que ocorrem mais lentamente e são resultado da integração de muitos pequenos avanços, não capturem a atenção das pessoas, que se tornam mais concentradas no curto prazo e, pior, cada vez mais obsessivas pela catástrofe e pela autoflagelação.
Outro agravante é que a informação está sendo produzida e disseminada em velocidade estonteante e desvalorizada e tornada obsoleta com igual celeridade. É cada vez mais difícil nos mantermos atualizados em temas como política, saúde, segurança, tecnologia, etc. E, embora informações estejam prontamente disponíveis em múltiplos veículos e mídias, é cada vez mais difícil avaliar quando alguém está bem informado.
O perigo é que as torrentes de informações que nos chegam diariamente nos tornem menos informados, desinformados ou, pior ainda, menos conhecedores do que não sabemos.
Portanto, não é possível esperar que o confronto entre o conhecimento e a ignorância se abrande no futuro, pois enquanto a ciência e a tecnologia avançam em ritmo exponencial, a política, a economia e a educação seguem em ritmo lento e linear.
Na era do conhecimento, a grande maioria dos países acumula imensos passivos na formação de talentos e competências e muitas vezes a educação e a ciência são tratadas com pouca ou nenhuma prioridade. O perigo é que uma legião de desinformados cheios de certezas multipliquem conflitos desnecessários e comprometam o progresso.
Esse é um desafio importante para o Brasil, que acaba de ser apontado na pesquisa “Os Perigos da Percepção”, do instituto Ipsos Mori, como a segunda nação, em 38 pesquisadas, em que as pessoas mais têm uma percepção equivocada da realidade do seu próprio país.