Sem crédito e descapitalizados, produtores vão reduzir investimento na safra 2016/17
Os problemas climáticos que levaram a perdas de safra em várias regiões do país na temporada 2015/16 [encerrada em junho último] produziram uma escalada da inadimplência na carteira de crédito rural mantida pelos bancos. Além disso, com a redução de 20% nos recurso no Plano Safra 2016/17, os agricultores relatam dificuldade de acesso ao crédito. Assim, esses fatores somados terão consequência no nível de investimentos na safra deste ano.
Historicamente ao redor de 1%, a inadimplência na carteira de crédito agrícola para pessoas físicas passou de 2% na média do primeiro semestre de 2016. O percentual é o mais alto dos últimos cinco anos, conforme dados do Banco Central. (Confira o gráfico)
De acordo com André Nassar, ex-secretário do Ministério da Agricultura, "o Brasil possui R$ 289 bilhões de dívida para um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 516 bilhões, ou seja, 55% de renda está comprometida com dívidas. Pode não parecer muito porque muita coisa é quitada, mas é o valor mais alto dos últimos cinco anos", declarou em nota.
Ainda que menor do que em outros segmentos da economia, o quadro de endividamento acendeu o sinal de alerta no governo – que autorizou na última semana a renegociação das dívidas para seis estados brasileiros que sofreram perdas em decorrência da seca e, em julho, aos agricultores afetados pelo excesso de chuvas.
A medida permite a prorrogação dos empréstimos de custeio e de investimento que venceriam este ano. Apesar disso, questões burocráticas podem continuar aumentando o endividamento dos produtores.
Ao Notícias Agrícolas, o presidente da Aprosoja Brasil, Marcos da Rosa, explica que só poderão ser renegociadas as operações de crédito rural contratadas em municípios que tenham decretado estado de emergência ou de calamidade pública. Contudo, a situação de emergência deve a principio, ser reconhecida pelos estados, e posteriormente remetida ao Ministério da Integração [fator que poucos municípios alcançaram].
E como agravante, o Sindicato dos Bancários iniciou greve a nível nacional que já dura 16 dias, e vem dificultando a tentativa de renegociação dos produtores que já conseguiram vencer todas as exigências prévias.
Assim, muitos produtores estão com dificuldades de acessar crédito novo para o plantio no ciclo 2016/17. Na maioria dos estados os relatos são de que a medida chegou tardiamente para o setor.
"Para ter acesso a uma linha de crédito precisamos de nome e garantias, mas como vamos ter isso com uma safra frustrada como foi a 15/16?", questionou o vice-presidente do sindicato rural de Sinop (MT), Leonildo Barei em entrevista ao Notícias Agrícolas.
Segundo ele, somente na produção do milho safrinha os agricultores do município estão com prejuízo de R$ 500,00 a R$ 700,00 por hectare. Assim, cerca de 50% deles devem reduzir os investimentos na próxima temporada.
De acordo com dados do Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Aplicada), no estado, a queda no rendimento na segunda safra do milho resultou em um abandono de 4,19% da área semeada. Do total de 4,25 milhões de hectares cultivados neste ano, apenas 4,07 milhões de hectares foram colhidos, totalizando 177,7 mil hectares abandonados.
Para Valério Mattei, agricultor em Balsas (MA) "a renegociação não irá solucionar o problema, mas sim burocratizar ainda mais a situação dos produtores". Além de seguir todas as exigências estabelecidas no decreto autorizado pelo CMN, a renegociação poderá trazer consequências em futuras tomadas de crédito, já que passarão a entrar em um grau diferente de risco que limita a capacidade de crédito adquirido para safras seguintes.
Como reflexo, Mattei não descarta a possibilidade de agricultores - especialmente no Matopiba, onde a quebra foi expressiva -, realizarem o plantio neste ano com baixíssimo investimento. "Aqui tem produtor investindo só em semente e apostando que o clima possa garantir uma boa produtividade", acrescenta.
Na Bahia, o vice-diretor financeiro da Associação de Agricultores e Irrigantes (Aiba), David Marcelino Almeida Schmidt, explica que mesmo com a renegociação as instituições financeiras vêm afirmando que não há crédito disponível para novas liberações. Por isso, há no estado uma migração de culturas de alto investimento para outras de menor custo. O algodão, por exemplo, deve sofrer uma redução de 240 mil hectares nesta temporada, sendo substituído principalmente por soja e milho.
Ainda assim, "os produtores vão investir somente o necessário, inclusive utilizando a reserva de fertilização de solo", acrescente Schmidt, afirmando também que aumentou a procura por outros meios de investimentos com revendas e traders no estado.
Região Sul
Em estados da região Sul também existem problemas. Estes, em contrapartida, causados pelo excesso de chuvas, mas que, da mesma forma geram dificuldades de investimento por parte dos produtores locais na safra 2016/17
De acordo com economista-chefe da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, a autorização de renegociação das dívidas dos produtores de soja e arroz que ocorreu há dois meses, também anda a passos lentos.
Novamente a burocracia e exigências impedem que os produtores avancem com a regularização de suas pendências. Especialmente os arrozeiros que venderam a produção da safra 2015/16 abaixo do custo de produção e neste ano novamente foram penalizados pelo excesso de precipitações. "Não tem como não esperarmos um reflexo na safra de verão com possibilidade de redução na produtividade", conclui o economista-chefe.
E, ainda que a safra 2016/17 tenha sido o extremo oposto do plantio 15/16 - marcado por atraso na liberação do custeio e problemas na aquisição de recursos do Plano Safra -, neste ano as dificuldade de financiamento exclusivamente pelas restrições dos bancos também ocorreram.
As contratações do crédito rural da agricultura empresarial nos dois primeiros meses da safra agrícola 2016/2017, entre julho e agosto, somaram 21,3 bilhões de reais, queda de 19,76% ante o mesmo período da temporada anterior, informou o Ministério da Agricultura. Segundo a pasta, houve menor procura por parte dos agricultores porque neste ano, entre maio e junho, haviam sido antecipados 10 bilhões de reais para o pré-custeio. Em contrapartida, o setor afirma que são as garantias exigidas que reduziram o volume contratado.
E é justamente esse problema que também prejudica os produtores no Paraná, um dos poucos estados que tiveram condições melhores de clima na temporada passada. Para o economista da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado (Faep), Pedro Loyola, devido à restrição do crédito e as altas taxas de juros, é esperados um recuo de 20% a 30% nos investimentos totais da safra de verão.
Agora, com o início do plantio 2016/2017 já autorizado em algumas regiões, a grande expectativa dos agricultores é se recuperar das perdas registradas na última temporada, apostando em boas condições de clima. “Nós achamos que nesta safra a produtividade vai aumentar em função da chuva e vai voltar aos níveis do passado”, diz Júlio Cézar Busato, presidente da Aiba.