Manejo conservacionista do solo e produtividade de milho no Juruá, por Marcelo André Klein e Falberni de Souza Costa
O milho é uma das culturas mais versáteis na propriedade agrícola, característica que se deve aos seus múltiplos usos. É insumo básico nas cadeias produtivas de suínos e aves e também na bovinocultura de corte e leite, podendo ser utilizado como silagem. Na alimentação humana, pode ser consumido de forma in natura como milho verde ou seco, na elaboração de bolos e outros alimentos. Por fim, pode simplesmente ser comercializado após atingir seu ponto de colheita. No contexto da agricultura familiar, além de representar importante fonte de renda, o milho pode significar uma alternativa para garantir segurança alimentar.
Esse cereal é um importante produto do agronegócio brasileiro e uma das matérias-primas mais utilizadas na produção de rações para aves, peixes, bovinos e suínos. De acordo com estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a previsão da área plantada para a safra 2015-2016 (1ª e 2ª safras) é de 15,3 milhões de hectares, com produção de 83,3 milhões de toneladas e produtividade de 5,4 toneladas/hectare. Desde 2010 a média de preço da saca de 60 kg é de R$ 27,40 e dois fatores têm influenciado o aumento do preço do cereal no mercado interno. O primeiro e mais recente é a desvalorização do real, fato que tornou rentável a exportação do produto – o volume exportado em 2015 deve superar 30 milhões de toneladas. Em segundo lugar, há um aumento crescente da demanda interna pelo produto.
No Acre o mercado do milho é promissor. Nos últimos anos houve aumento da área plantada, impulsionado por políticas públicas estaduais de incentivo à expansão da criação de suínos, aves e peixes e também à renovação de pastagens utilizando o milho como principal cultura no consórcio com forrageiras, no sistema de integração lavoura-pecuária. No entanto, o desempenho produtivo das lavouras é baixo. Segundo dados da Conab, em 2014 a produtividade média do estado foi de 2,1 toneladas/hectare – menos da metade da média nacional, de 4,9 toneladas/hectare.
Dados do IBGE evidenciam uma variação na produtividade entre as regionais do Acre. Por exemplo, a média histórica de 2003 a 2014 (excluindo-se 2008) é de 2,4 toneladas/hectare para o Baixo Acre e de 1,3 tonelada/hectare para o Juruá, resultado que pode ser atribuído, em parte, ao uso mais expressivo de tecnologias no Baixo Acre, com destaque para sementes de qualidade, calcário e adubos. Essa produtividade, maior no leste acreano quando comparada ao oeste do estado, também pode estar relacionada à diferença de fertilidade dos solos entre essas regiões.
A baixa produtividade da cultura do milho dificulta o atendimento da demanda interna pelo produto. Na regional Juruá o consumo estimado é de 600 sacas de 60 quilos por semana, totalizando 26 mil sacas por ano. Essa quantidade é 100% importada de outras regiões como a Centro-Oeste, situação que contribui para que o preço da saca no estado alcance até o dobro da média nacional. Para suprir essa demanda do mercado local seria necessária uma área cultivada de 390 hectares, com produtividade média de 80 sacas/hectare. Esse consumo é pequeno quando consideradas a população regional, estimada em 131.396 habitantes, e a tendência de crescimento de cadeias produtivas como suinocultura, avicultura e bovinocultura de corte intensiva.
Na regional do Juruá predominam solos arenosos, compostos por aproximadamente 80% de areia fina ou grossa, principalmente nas camadas superficiais. São solos profundos, bem drenados e de fácil manejo mecânico, mesmo quando úmidos. Embora essas características normalmente ajudem a conferir aptidão para o desenvolvimento da agricultura, duas limitações devem ser observadas quanto ao manejo ou forma de trabalhar esses solos. Trata-se de solos com estruturação frágil quanto a perdas por erosão. Além disso, devido ao alto teor de areia, apresentam pouca capacidade de armazenar e reter nutrientes. Nesse sentido, é essencial o uso de tecnologias que envolvam o mínimo revolvimento desse recurso natural, como o sistema de plantio direto, e de alternativas de produção que permitam a sua cobertura permanente, com aumento de matéria orgânica, dentre as quais a rotação de culturas.
Como forma de melhorar a qualidade dos solos do Juruá, desde 2006 a Embrapa Acre investe em ações de pesquisa voltadas para a adoção de práticas conservacionistas do solo, com foco na adaptação do sistema de plantio direto em propriedades rurais familiares daquela região e no cultivo variado de culturas, entre as quais o milho e a mandioca. O trabalho tem possibilitado melhorias na produtividade agrícola e retorno econômico para os agricultores. Na cultura do milho, é possível obter duas safras por ano, utilizando o cultivo convencional entre os meses de setembro e outubro, e o milho safrinha ou de segunda safra de março a abril.
Uma experiência no distrito de Santa Luzia, em Cruzeiro do Sul, na safra convencional de 2015–2016, mostrou que a adoção de práticas de manejo do solo permite obter resultados promissores na produção de milho. A produtividade alcançada, de 4,8 toneladas/hectare, mais que triplicou a média regional no cultivo do milho. Todo o processo de produção se baseou na semeadura ou plantio mecanizado, na adubação para fornecimento de nutrientes à cultura e na utilização de sementes de qualidade comprovada. É importante destacar que o solo não foi gradeado e o fogo não foi utilizado, atendendo as normas ambientais vigentes.
Nessas condições, o custo de produção foi de R$ 2.130,00, considerando o uso de herbicida para dessecação (4 litros/hectare), sementes classificadas (híbrido BM 207), ureia (200 quilogramas/hectare), superfosfato triplo (125 quilogramas/hectare), cloreto de potássio (125 quilogramas/hectare), calcário (2 toneladas/hectare), mecanização da semeadura ou plantio e mão de obra. Com base na produtividade alcançada e considerando o preço atual do milho no mercado local (R$ 60,00/saca de 60 kg), pode-se dizer que é possível obter lucro líquido com a cultura do milho no Juruá.
Embora o Juruá não tenha tradição para produzir grãos, com investimentos em tecnologias e práticas adequadas de manejo do solo é possível chegar a uma produtividade de milho suficiente para abastecer a demanda local, com lucratividade para o agricultor. O cultivo desse cereal pode ser uma alternativa para diversificar a produção e gerar renda tanto no contexto da agricultura familiar quanto empresarial.