Três lições do conflito sírio para a agricultura Brasileira, por Daniel Meyer
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 250 mil pessoas já morreram na guerra civil síria desde o seu início em 2011. O conflito é frequentemente descrito como uma guerra sectária, envolvendo diferentes grupos étnicos que têm o apoio de diferentes países e interesse globais. No entanto, poucos conhecem que as causas subjacentes da guerra foi desencadeada anos antes, por uma série de fatores socioeconômicos e ambientais interrelacionados com a agricultura. Entre 2001 e 2010, o governo sírio aplicou um plano econômico rigoroso para modernizar o país, reposicionando recursos para o setor de serviços. Durante este período, meio milhão de pessoas do setor agrícola perderam seus empregos. Precisamente, a primeira cidade onde os protestos irromperam na Síria, na cidade de Dara’a, uma cidade predominantemente agrícola para cultivo de grãos (especialmente trigo e cevada), representa um bom exemplo do constrangimento. Ao mesmo tempo, a Síria enfrentou uma das piores secas em 40 anos, entre 2006 e 2010. A precipitação, em média, caiu mais de 60% numa região já bastante afetada por décadas de uso insustentável da água para irrigação. Milhares de agricultores, particularmente no nordeste da Síria, sofreram perdas em suas lavouras. A ONU estima que até 65 mil famílias rurais tiveram que migrar, apenas em 2009, para cidades como Damasco e Aleppo, catalisando ainda mais a pobreza, o desemprego, o radicalismo islâmico e outros problemas sociais.
A primeira lição que podemos aprender com a Síria é que devemos valorizar o papel da agricultura no desenvolvimento de um país. Ocupando mais de 30% do território nacional, a agricultura é uma das principais atividades da economia brasileira, respondendo por cerca de 20 a 25% do PIB. Enquanto a população urbana cresce, cada vez mais vamos depender de sistemas de produção eficientes e sustentáveis para o fornecimento de alimentos. Em 2030, porém, estima-se que apenas 10% da população brasileira vai viver e trabalhar no meio rural. No entanto, se o setor agrícola começa a desvanecer-se, ou cair sob estresses demográficos, ambientais ou climáticos, como na Síria, é certo que feedbacks negativos serão distribuídas para outros setores, com consequências imprevisíveis.
A segunda lição é que sistemas agrícolas precisam ser produtivos, mas também responsáveis no uso dos recursos naturais. Em particular, devem ser apoiados por um quadro jurídico-institucional robusto. Mas como na Síria, a agricultura brasileira é um dos principais utilizadores de terra e água (com seis milhões de hectares irrigados). Igualmente, sua expansão será associada com o equilíbrio entre o crescimento econômico, impactos ambientais (desmatamento, consumo de água, perda de biodiversidade, gases com efeito estufa, salinização) e sociais (concentração de terra, emprego, renda). Má compreensão e gestão desses aspectos, e suas interdependências, ou ineficiência na execução da lei ou dos planos de mitigação das mudanças climáticas, podem não só reduzir a confiança do mercado, mas desencadear crises nas regiões mais vulneráveis.
A última lição nos diz que a transformação setorial da agricultura requer cooperação e difusão do conhecimento. Em um estudo recente, a Francesca de Châtel, da Universidade de Radboud, aponta as formas autoritárias do governo sírio de conduzir a crise hídrica e rural antes da guerra, a falta de colaboração e transparência, combinada com leis ambientais ambiciosas, mas nunca aplicadas, e corrupção, como fatores que induziram o colapso. Opostamente à Síria, iniciativas público-privadas e pesquisa têm sido significativas na aplicação das dinâmicas de produção e a inovação na agricultura brasileira. Entretanto, o próximo passo seria avançar rumo a sistemas agroalimentares mais resilientes, plataformas colaborativas e sistemas de certificação confiáveis, que ajudam gerar conhecimento, qualidade e transparência dentro da cadeia de suprimentos, apoiando todo o setor na transição para um agricultura mais sustentável no Brasil.