Na FOLHA: Pesquisadora do INPE diz que redução do desmate é irrelevante contra aquecimento
Mesmo que o Brasil reduza a zero as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento, a contribuição para evitar o aquecimento global acima de 2 °C pode ser irrelevante, se os países não adotarem medidas para diminuir as emissões derivadas de combustíveis fósseis.
Desde 2010, o cenário global apresenta tendência crescente de aumento das emissões por queima de combustíveis fósseis e redução das emissões derivadas de desmatamento e uso da terra, segundo os dados do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) das Nações Unidas. A queima de combustíveis fósseis hoje representa 78% das emissões globais, enquanto as mudanças no uso da terra e desmatamento respondem por 11%.
A projeção foi apresentada por Thelma Krug, pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e membro do IPCC, durante a abertura do Fórum Desmatamento Zero: o Brasil por um clima melhor, promovido pelaFolha com patrocínio da Clua (Climate and Land Use Alliance), no Tucarena, em São Paulo.
"Para se alcançar um cenário de estabilização da concentração de gases em 450 partes por milhão e da temperatura em 2°C, seria preciso que as emissões decorrentes do setor de energia fossem reduzidas em 90% ou mais entre 2040 e 2070 em relação aos níveis de 2010", afirmou Thelma.
Segundo a pesquisadora, seria necessário um grande esforço, tanto do Brasil como dos demais países para se buscar soluções em bioenergia e reflorestamento em larga escala para alcançar essa estabilização. "Temos que pensar a redução das emissões de uma forma mais sistêmica. Não dá pra tratar desmatamento sozinho, e sim tratar de forma integrada, caso contrário a contribuição, em termos globais, para que a temperatura da Terra não se eleve acima de 2° C pode ser irrelevante", disse.
O esforço do governo brasileiro para reduzir as taxas de desmatamento na última década contribuíram para reduzir a contribuição das emissões de gases de efeito estufa ligados às mudanças no uso da terra. Desde 2005 as taxas de desmatamento vem caindo, especialmente na Amazônia. Nos anos 90, o desmatamento representava 70% das emissões nacionais, e hoje essa fatia é de 35%. Uma das promessas do governo é de zerar o desmatamento líquido até 2030.
"A redução do desmate começou em 2004, quando foi decidido mudar essa curva de uma vez por todas. Hoje estamos em um caminho mais firme e mais concreto de redução das emissões ligadas ao setor de floresta, que caíram 41% desde 2005", afirmou Francisco Oliveira, diretor do departamento de proteção e combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.
Ele destacou as ações do governo para conter o desmatamento, como o Cadastro Ambiental Rural, previsto no Código Florestal, e o combate à grilagem por meio da destinação de terras públicas que estavam sem uso.
Oliveira afirmou ainda que o combate ao desmatamento tem avançado não apenas em razão das ações de fiscalização do governo, mas graças a um engajamento do setor privado, especialmente produtores de soja, no aumento da produtividade das lavouras.
No setor de pecuária, que responde por 49% das emissões do setor agrícola, porém, os avanços ainda são tímidos. "Na pecuária a produtividade ainda é baixa, próximo a uma cabeça de gado por hectare. É preciso colocar de três a quatro cabeças por hectare, restaurar pastagens degradadas e realizar o abate mais precoce do gado", disse Oliveira.
Mesmo com a redução do desmatamento em biomas como a Amazônia, o Brasil ainda possui em torno de 900 mil quilômetros quadrados que podem ser desmatados legalmente, de acordo com o Código Florestal - o que pode inviabilizar uma meta futura de desmatamento zero, na avaliação de Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG. Desses, 257 mil quilômetros quadrados estão concentrados no cerrado, atualmente um dos biomas mais afetados pela devastação.
"O Brasil precisa pensar em uma meta até chegar o dia em que não haverá mais desmatamento no país. Hoje temos um desmatamento que é legal, mas nem por isso é desejável", afirmou Rajão. Ele ressaltou, porém, que o setor agrícola exigirá, até 2030, 200 mil quilômetros quadrados para sua expansão - sendo que 156 mil quilômetros quadrados podem ser poupados com a modernização da agricultura e pecuária.
Jorge Araújo/Folhapress | ||
Francisco de Oliveira, Raoni Rajão, Thelma Krug e Marcelo Leite na primeira mesa do dia
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