Economia vira-lata, mas sem complexo, por ROLF KUNTZ
Transformado pelo governo em vira-lata econômico, o Brasil continuará atolado na mediocridade nos próximos três anos, crescendo menos que a maioria dos emergentes e suportando uma inflação mais alta, segundo as projeções embutidas no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A economia crescerá míseros 3% em 2015 e 4% em cada um dos dois anos seguintes, de acordo com a tabela acrescentada ao projeto. A inflação ficará em 5% no próximo ano e em seguida recuará para o centro da meta, 4,5% - previsão muito mais otimista que as do Banco Central (BC), do mercado e das instituições econômicas e financeiras multilaterais. Para este ano o governo mantém, oficialmente, a expectativa de 2,5% de expansão do produto interno bruto (PIB), número também citado no projeto da LDO.
O governo parece conformado com a condição de vira-lata econômico (mas sem complexo) imposta ao Brasil por sua política. Não admite, é claro, sua responsabilidade e continua atribuindo a estagnação do País à crise externa, como se essa crise, estranhamente, afetasse o Brasil muito mais que outros países de economia muito mais aberta. Muitos desses países, no entanto, têm crescido bem mais que o Brasil e continuarão crescendo, nos próximos anos, segundo as projeções conhecidas.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), para citar só um exemplo, calcula para a economia brasileira taxas de crescimento de 1,8% neste ano, 2,7% no próximo e 3,5% em 2019. O salto para 2019 dá uma ideia da evolução considerada provável no período intermediário. No caso da Colômbia, a projeção é de uma taxa firme de 4,5% entre 2014 e 2019, com possíveis variações, é claro, em torno dessa média. As estimativas para o Peru são de 4,8%, 4,5% e 4,5%. Para o Chile, 3,6%, 4,1% e 4,5%. Para o Paraguai, 4,8%, 4,5% e 4,5%. Para a China, 7,5%, 7,3% e 6,5%, com passagem gradual e sem trauma para a um modelo com taxa de investimento provavelmente menor e menor dependência da exportação. Em todos esses casos, a inflação projetada é menor que a do Brasil.
Na maior parte das economias emergentes e avançadas o potencial de crescimento foi reduzido nos últimos anos, segundo o FMI. Esse diagnóstico vale também para a China, embora o país, segundo as previsões, deva continuar muito dinâmico.
No caso do Brasil, o potencial de crescimento está estimado pelo FMI e por outras fontes nacionais e estrangeiras em cerca de 3%, e até menos, e só será elevado com muito mais investimentos em capital físico e em formação de capital humano. Por mais de uma causa, a começar pela demografia, o crescimento econômico baseado na incorporação de mão de obra está encerrado. A expansão dependerá, nos próximos anos, do acréscimo de capital e do aumento da produtividade. Também no governo parece haver alguma percepção desse fato, traduzida, por exemplo, na nova retórica de valorização do ensino técnico e na promessa de mais investimentos em infraestrutura.
Mas a educação, de modo geral, continua desastrosa. Isso é comprovado pela participação brasileira em testes internacionais para estudantes, quase sempre com resultados muito ruins. É comprovado também pela dificuldade, apontada por entidades da indústria, de encontrar pessoal com um mínimo razoável de qualificação. A própria indústria continua formando pessoal, em cursos básicos e técnicos e, em muitos casos, diretamente nas fábricas. Quanto ao investimento físico, permanece na faixa de 18% a 19% do PIB, muito abaixo do nível necessário. Assim continuará, provavelmente, enquanto faltar um ambiente seguro para as decisões empresariais e o governo for incapaz de formular e de administrar projetos com alguma competência.
O fiasco do PAC 2, a segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento, ilustra com clareza as dificuldades do governo para cuidar de planos de investimento. Em dezembro continuavam no papel, depois de três anos, 53,3% das ações previstas no programa. "No papel" significa em ação preparatória, em contratação, em licitação ou ainda em fase de projeto. Esse conjunto incluía 26.154 iniciativas. A maior concentração de atrasos, com 10.553 ações nas etapas iniciais, foi detectada no Ministério da Educação, com apenas 4,9% de empreendimentos concluídos. O Ministério da Saúde, com o maior número de ações previstas no Executivo (16.155), só terminou 8,8%. Candidato a governador de São Paulo, o ex-ministro Alexandre Padilha terá uma excelente segunda oportunidade, se eleito, de testar sua competência administrativa.
Segundo o projeto da LDO, o crescimento econômico de 3% previsto para 2015 será um avanço na direção do potencial, isto é, de um taxa de 4%. Para o governo, portanto, a capacidade de expansão da economia brasileira já é maior do que aquela estimada por alguns dos mais respeitados analistas nacionais e estrangeiros. Falta explicar por que o desempenho efetivo ficou tão abaixo desse potencial nos últimos três anos, continua abaixo em 2014 e assim permanecerá em 2015. Atribuir esse resultado às condições internacionais é tão fantasioso e tão despropositado quanto explicar a inflação brasileira, persistente e muito elevada, apenas por algumas pressões localizadas, como a dos alimentos.
A própria meta oficial, 4,5%, é muito alta pelos padrões internacionais. A insistência nessa número, desde 2005, já é uma comprovação de tolerância. Mas nem se pode dizer com certeza se essa é a meta efetivamente considerada pelas autoridades, pelo menos fora do BC. De fato, têm dito alguns analistas, o alvo levado em conta na política econômica deve estar na faixa de 5,5% a 6%.
Essa tolerância está associada ao gosto pela gastança e à política fiscal frouxa. Ao indicar no projeto da LDO a meta fiscal para 2015, um superávit primário de 2,5% do PIB, destinado ao serviço da dívida, o Executivo já tratou de mencionar o abatimento provável dos investimentos do PAC. A meta efetiva, pode-se apostar, é só 2%.
JORNALISTA
Enfim, descobriram o óbvio
A incapacidade do atual governo de entregar o que promete chegou às páginas do New York Times.
A realização da Copa do Mundo, que deveria ser a vistosa prova da capacidade brasileira de ombrear com as grandes potências globais, acabou servindo para chamar a atenção do mundo para as deficiências crônicas do País. A principal delas, conforme constatou o NY Times, é desperdiçar dinheiro e energia em projetos que nunca chegam a termo ou que se provam inúteis ou caros demais.
Assinada pelo correspondente Simon Romero e intitulada Grandes visões fracassam no Brasil (no Boston Globe, onde foi reproduzida, o título foi Da explosão do crescimento à ferrugem, grandes projetos definham no Brasil), a reportagem mostra que pouco se sustenta na narrativa triunfalista do governo.
Bilhões de reais foram gastos com obras que deveriam comprovar a irresistível ascensão do Brasil em meio a um cenário de relativa bonança financeira - em seu primeiro mandato, ao anunciar a caríssima e ainda inconclusa transposição do Rio São Francisco, o então presidente Lula disse que faria "uma obra que Dom Pedro II queria fazer há 200 anos".
Quando o efeito dessa enlevação passou, veio o que Romero chamou de "ressaca", que "está expondo os líderes do País a duras críticas, alimentando denúncias de desperdício de dinheiro e de incompetência, enquanto os serviços básicos para milhões de pessoas continuam deploráveis".
A reportagem explora, claro, os atrasos das obras para a Copa do Mundo, pois é isso o que atualmente chama a atenção internacional. Constata, por exemplo, que há projetos de transporte público que deveriam servir aos torcedores, mas que "não estarão prontos senão muito depois que o campeonato tiver acabado".
É evidente que a Copa é irrelevante quando se levam em conta as necessidades de infraestrutura do País, razão pela qual pouco importa se as obras de mobilidade urbana estarão prontas antes ou depois do Mundial. O importante é que sejam finalizadas no prazo mais curto possível e que sirvam adequadamente aos brasileiros em seu duro cotidiano.
Mas é compreensível o espanto do jornalista estrangeiro ao constatar a divergência entre o discurso retumbante do governo sobre a capacidade do Brasil de realizar a Copa do Mundo e a realidade dos atrasos das obras anunciadas e dos gastos exorbitantes com elas.
Além de abordar esses problemas, o correspondente do Times foi ao Piauí para ver de perto uma parte das obras da Transnordestina, ferrovia que começou a ser construída em 2006, deveria estar concluída em 2010 e que hoje, ainda incompleta, tem vários trechos que, abandonados, servem de ganha-pão para catadores de sucata.
Na hipótese de ser concluída algum dia, a obra de 1,8 mil km, de vital importância para o Nordeste, ligará o sudeste do Piauí, o sul do Maranhão e o oeste da Bahia aos Portos de Suape (PE) e de Pecém (CE). No momento, contudo, o que se vê, nas palavras do jornalista americano, são "longos trechos desertos onde trens de carga deveriam estar trafegando", enquanto "vaqueiros magrelos cuidam de seu gado à sombra de pontes ferroviárias abandonadas". Certamente não foi a isso que Lula quis se referir quando lançou a Transnordestina, ao dizer que a ferrovia seria a "redenção" do Nordeste.
Como sempre, os governistas se defendem responsabilizando os outros. Ouvido na reportagem, o ministro dos Transportes, César Borges, atribuiu os atrasos à burocracia e à necessidade de emissão de diversas licenças. Lula, por sua vez, admitiu que uma parte dessas exigências foi criada pelo próprio PT quando o partido estava na oposição, para dificultar o trabalho do governo, "sem levar em conta que, um dia, podíamos chegar ao poder".
Esse discurso maroto, porém, serve apenas para tentar disfarçar algo que todos - brasileiros e estrangeiros - já começaram a perceber: que concluir obras e evitar desperdício de dinheiro público definitivamente não é o forte do atual governo
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