No Estadão: A desaceleração do Brasil é global?
"O sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão" - nada mais sucinto para entender o atual debate de política econômica no Brasil. O baixo crescimento, a alta inflação e a baixa qualidade do serviço público no País têm provocado várias críticas de diversos segmentos da sociedade. Mas há outro comportamento comum que merece atenção: "O sucesso foi nosso, o fracasso é global". A tendência (não só no Brasil) é abraçar as conquistas como resultado das políticas locais, mas atribuir as dificuldades a um choque global. O comportamento surge porque não é fácil distinguir as razões locais das globais no que se refere ao sucesso/fracasso. Por exemplo, quanto da atual desaceleração da economia brasileira é um fenômeno global e quanto é resultado das escolhas de política?
A pergunta hoje faz sentido porque várias economias emergentes estão desacelerando. A China, que crescia acima de 10%, está com dificuldade de manter o crescimento acima de 7% neste e nos próximos anos. A Índia, que também chegou a crescer acima de 10%, atingiu 4% no ano passado. Mesmo os países da América Latina, que cresciam forte até o ano passado, em contraste com a desaceleração do Brasil já em curso, estão com perspectivas piores: o México deve crescer apenas 2,3%; o Chile, desacelerar de 5,6%, no ano passado, para 4,2%; a Colômbia, de 4% para 3,5%; e mesmo o Peru, uma das economias com maior crescimento no mundo no passado recente, está desacelerando para 5,4%, uma taxa baixa para o país.
Muitos se questionam por que as economias emergentes estão desacelerando agora, depois de se terem recuperado tão rapidamente da crise internacional em 2008. Afinal, após um ou dois trimestres de queda em 2009, voltaram a crescer forte e parecia que nada poderia abalá-las. Elas cresciam à margem das dificuldades nas economias avançadas, um verdadeiro desacoplamento (decoupling), na linguagem da época.
Acontece que o crescimento mundial é mais sincronizado do que se pensava. Mas a sincronização tem defasagens. Enxergo o crescimento mundial como um filme em câmera lenta. A crise financeira atingiu, em primeiro lugar, seu epicentro, nos EUA, que foram os primeiros a ver sua economia desacelerar. Na sequência, a desaceleração atingiu a Europa e se propagou para os países periféricos (Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal), que estavam mais vulneráveis a uma mudança de curso, o que quase levou à quebra do sistema do euro no ano passado. As economias da China e dos emergentes desaceleraram apenas anos depois, algumas só neste ano. A capacidade de reação dos emergentes com políticas expansionistas diversas (estímulos creditícios, fiscais e monetários) adiou o impacto. Quando essa capacidade e sua eficácia se esgotaram, a desaceleração finalmente ocorreu. Na China, por exemplo, ficou evidente o esgotamento da capacidade de sustentar a expansão do crédito e dos investimentos. Em outros emergentes, o esgotamento se deu nos estímulos à expansão do consumo. Estamos diante do mesmo filme que começou em 2008, mas com capítulos e atores novos.
Nessa linha de raciocínio, a retomada do crescimento global pode já estar na sua fase inicial. Caso a retomada do crescimento nos EUA seja confirmada - os sinais mais fortes são a disposição do banco central norte-americano (Fed) de retirar os atuais estímulos monetários e a elevação das taxas de juros mais longas no país -, acredito que, a seu tempo, as outras economias do mundo também se recuperem (na Europa, a partir do ano que vem, e mesmo nos emergentes, a partir de um par de anos). O mesmo filme, na outra direção.
E qual tem sido o papel do Brasil nesse filme? O País desacelerou antes dos outros emergentes, quando o crescimento caiu de 7,5% em 2010 para 2,7% em 2011 e para 0,9% em 2012. A frágil recuperação em 2013 deve levar o crescimento para algo em torno de 2%. Pode-se argumentar que a desaceleração do Brasil, em linha com os outros emergentes, já estava encomendada, e que apenas ocorreu dois anos antes. Mas não creio completamente nessa tese.
Em geral, acredito que haja um papel tanto para o impacto global quanto para as políticas locais. Boas políticas econômicas locais deixam as economias menos vulneráveis e permitem um crescimento maior (menos baixas), mesmo em épocas difíceis. Políticas focadas no curto prazo aumentam a vulnerabilidade das economias a mudanças de rumo na economia global. O problema é que as consequências dessas políticas só são claramente percebidas quando há um choque mundial negativo e a desaceleração é mais pronunciada ("quando a maré baixa, fica claro quem está nu"). Ao longo do tempo, o crescimento médio será maior nos países que adotaram políticas que permitiram mais investimentos e também aumentaram a produtividade da economia.
Durante os anos de crescimento global acelerado não havia políticas equivocadas (pelo menos aos olhos dos governantes). Cada um acreditava que seu arsenal de políticas econômicas era responsável pelo sucesso, ignorando que o mesmo acontecia em todos os cantos do planeta. Mas as políticas adotadas nessa época são importantes no momento de desaceleração global, assim como para o crescimento no longo prazo.
A desaceleração no Brasil insere-se, sim, no contexto da atual desaceleração global. Mas sua extensão e as perspectivas adiante sugerem que, apesar de todos os avanços nas últimas décadas, as políticas locais (ou a falta delas) contribuíram negativamente. A fase de desaceleração trouxe de volta dúvidas sobre a disposição de manter o arcabouço macroeconômico (e microeconômico) promotor de crescimento no longo prazo. E faltaram reformas que aumentassem a produtividade, que elevassem o investimento, principalmente em infraestrutura e educação. É o momento de aprender as lições antes da próxima fase da economia mundial.
* ILAN GOLDFAJN É ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DO ITAÚ UNIBANCO.
No PAC, os atrasos continuam
Editorial de O Estado de S.Paulo
A presidente Dilma Rousseff continua falando sobre planejamento e investimento como se os governos do PT, instalados em Brasília há dez anos e sete meses, tivessem exibido excelente desempenho nesses dois quesitos. Bem ao contrário, nunca foram além do falatório, como demonstra o fiasco do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Se fracassos valessem comemoração, mais um teria sido celebrado no dia 30 de julho. Naquela data deveria ter sido inaugurada, segundo a programação inicial, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), concebida para ligar o Cerrado baiano a Ilhéus, num percurso de 1.022 quilômetros.
Nenhum pedaço de trilho foi instalado nessa extensão, como informou na quarta-feira passada reportagem do jornal Valor. O novo prazo terminará no fim de 2015. O mesmo expediente - alongar prazos e classificar como "adequada" a execução - tem sido usado para muitos outros projetos, porque o atraso é uma característica do PAC, apesar do tom triunfal dos balanços apresentados pelas autoridades.
Um bom exemplo é o Arco Rodoviário do Rio de Janeiro (BR-493), obra lançada em 2007. Deveria ter sido inaugurada em 2010. O prazo foi esticado até 2014, com o lançamento do PAC 2, mas nem esse vai ser cumprido. A nova data prevista pelo Ministério do Planejamento é 31 de dezembro de 2016.
Também prevista para 2010, a conclusão da obra de restauração e pavimentação da BR-163 no trecho entre Santarém (PA) e Guarantã do Norte (MT) foi empurrada para 2013 e em seguida para o fim de 2015. Além desses e de outros projetos rodoviários, também estão atrasados grandes investimentos em ferrovias. A entrega da Nova Transnordestina, entre o Piauí e Pernambuco, foi transferida de 2010 para 2015.
O trecho da Ferronorte entre dois pontos de Mato Grosso - Alto Araguaia e Rondonópolis - deve ser concluído até o fim de 2013, segundo a nova previsão, com três anos de atraso.
Os péssimos resultados na área de saneamento são especialmente escandalosos. Segundo informou em junho o Instituto Trata Brasil, uma organização civil de interesse público, só 20 das 138 obras programadas para 28 cidades com mais de 500 mil habitantes haviam sido terminadas, embora os contratos tivessem sido assinados entre 2007 e 2008.
Segundo o presidente do instituto, Édison Carlos, governos estaduais e municipais apresentaram projetos mal preparados para captar os financiamentos. Em seguida, mais de três anos foram gastos para a reelaboração dos projetos. Segundo dados do Trata Brasil, faltam serviços de coleta de esgotos para 54% da população. O quadro mais grave é encontrado no Norte e no Nordeste.
Bem antes das manifestações de rua contra as más condições da educação e da saúde, o contraste entre os gastos da Copa e o pouco empenho em promover a melhora do quadro sanitário já era apontado em discussões sobre o PAC Saneamento.
Também nesse caso faltou competência para planejar, desenhar projetos e conduzir a execução. Isso explica a maior parte dos fiascos acumulados tanto no PAC como em outras ações de responsabilidade federal. O governo falha na condução dos projetos vinculados ao Orçamento e na avaliação e acompanhamento das obras atribuídas a empresas, sejam estatais ou privadas.
Até junho, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) aplicou apenas 23,6% dos R$ 13,5 bilhões autorizados no Orçamento para este ano. Dos R$ 821,3 milhões previstos para manutenção de trechos rodoviários no Sudeste só R$ 17 milhões - 2,1% do total - foram desembolsados até fim do semestre, segundo a organização Contas Abertas, especializada em finanças públicas.
Esse tipo de informação é recorrente. Mas, em vez de cuidar da administração, a cúpula federal prefere mudar os prazos das obras, classificar como adequada a execução de projetos atrasados e inflar os balanços do PAC com os programas habitacionais. Neste caso, parte dos números corresponde a meros financiamentos, até para compra de imóveis usados.