O Brasil nunca pertenceu aos índios, por Sandra Cavalcanti

Publicado em 07/05/2013 04:10 e atualizado em 07/05/2013 11:15
Para relembrar. Artigo da ex-senadora Sandra Cavalcanti, que se transformou em discurso proferido da tibuna do Senado Federal, durante as comemorações dos 500 anos do Descobrimento. (e +: editorial do Estadão sobre os investimentos da Noruega na Amazônia)
Profª Sandra Cavalcanti  

Quem quiser se escandalizar, que se escandalize. Quero proclamar, do fundo da alma, que sinto muito orgulho de ser brasileira. Não posso aceitar a tese de que nada tenho a comemorar nestes quinhentos anos. Não agüento mais a impostura dessas suspeitíssimas ONGs estrangeiras, dessa ala atrasada da CNBB e dessas derrotadas lideranças nacional-socialistas que estão fazendo surgir no Brasil um inédito sentimento de preconceito racial.

Para começo de conversa, o mundo, naquela manhã de 22 de abril de 1500, era completamente outro. Quando a poderosa esquadra do almirante português ancorou naquele imenso território, encontrou silvícolas em plena idade da pedra lascada. Nenhum deles tinha noção de nação ou país. Não existia o Brasil.

Os atuais compêndios de história do Brasil informam, sem muita base, que a população indígena andava por volta de cinco milhões. No correr dos anos seguintes, segundo os documentos que foram conservados, foram identificadas mais de duzentos e cinqüenta tribos diferentes. Falando mais de 190 línguas diferentes. Não eram dialetos de uma mesma língua. Eram idiomas próprios, que impediam as tribos de se entenderem entre si. Portanto, Cabral não conquistou um país. Cabral não invadiu uma nação. Cabral apenas descobriu um pedaço novo do planeta Terra e, em nome do rei, dele tomou posse.

O vocabulário dos atuais compêndios não usa a palavra tribo. Eles adotam a denominação implantada por dezenas de ONGs que se espalham pela Amazônia, sustentadas misteriosamente por países europeus. Só se fala em nações indígenas.

Existe uma intenção solerte e venenosa por trás disso. Segundo alguns integrantes dessas ONGs, ligados à ONU, essas nações deveriam ter assento nas assembléias mundiais, de forma independente. Dá para entender, não? É o olho na nossa Amazônia. Se o Brasil aceitar a idéia de que, dentro dele, existem outras nações, lá se foi a nossa unidade.

Nos debates da Constituinte de 88, eles bem que tentaram, de forma ardilosa, fazer a troca das palavras. Mas ninguém estava dormindo de touca e a Carta Magna ficou com a palavra tribo. Nação, só a brasileira.

De repente, os festejos dos 500 anos do Descobrimento viraram um pedido de desculpas aos índios. Viraram um ato de guerra. Viraram a invasão de um país. Viraram a conquista de uma nação. Viraram a perda de uma grande civilização.

De repente, somos todos levados a ficar constrangidos. Coitadinhos dos índios! Que maldade! Que absurdo, esse negócio de sair pelos mares, descobrindo novas terras e novas gentes. Pela visão da CNBB, da CUT, do MST, dos nacional-socialistas e das ONGs européias, naquela tarde radiosa de abril teve início uma verdadeira catástrofe.

Um grupo de brancos teve a audácia de atravessar os mares e se instalar por aqui. Teve e audácia de acreditar que irradiava a fé cristã. Teve a audácia de querer ensinar a plantar e a colher. Teve a audácia de ensinar que não se deve fazer churrasco dos seus semelhantes. Teve a audácia de garantir a vida de aleijados e idosos.

Teve a audácia de ensinar a cantar e a escrever.

Teve a audácia de pregar a paz e a bondade. Teve a audácia de evangelizar.

Mais tarde, vieram os negros. Depois, levas e levas de europeus e orientais. Graças a eles somos hoje uma nação grande, livre, alegre, aberta para o mundo, paraíso da mestiçagem. Ninguém, em nosso país pode sofrer discriminação por motivo de raça ou credo.

Portanto, vamos parar com essa paranóia de discriminar em favor dos índios. Para o Brasil, o índio é tão brasileiro quanto o negro, o mulato, o branco e o amarelo.Nas nossas veias correm todos esses sangues. Não somos uma nação indígena. Somos a nação brasileira.

Não sinto qualquer obrigação de pedir desculpas aos índios, nas festas do Descobrimento. Muitos índios hoje andam de avião, usam óculos, são donos de sesmarias, possuem estações de rádio e TV e até COBRAM pedágio para estradas que passam em suas magníficas reservas. De bigode e celular na mão, eles negociam madeira no exterior. Esses índios são cidadãos brasileiros, nem melhores nem piores. Uns são pobres. Outros são ricos. Todos têm, como nós, os mesmos direitos e deveres. Se começarem a querer ter mais direitos do que deveres, isso tem que acabar.

O Brasil é nosso. Não é dos índios. Nunca foi.

Um vexame amazônico (editorial do Estadão)

Dos grandes disparates patrocinados pelo governo petista ao longo da última década, o Fundo Amazônia talvez seja um dos mais significativos. Criado em agosto de 2008, esse fundo recebe doações com as quais deveriam ser financiados projetos de preservação da Amazônia. Dois desses doadores são Estados estrangeiros, Alemanha e Noruega, o que constitui um óbvio atentado à noção de que a conservação do bioma amazônico, ou de qualquer outra parte do território nacional, é um assunto que diz respeito exclusivamente aos brasileiros. Não bastasse isso, o fundo parece fadado a seguir o padrão de incompetência gerencial do governo petista, pois apenas 11,4% do R$ 1,29 bilhão doado foi efetivamente usado. Como o prazo estipulado para a utilização dos recursos acaba em dezembro de 2015, o governo corre para negociar mais tempo. O vexame é, portanto, completo.

A existência do Fundo Amazônia já é, em si, uma contradição. Houve um tempo em que os líderes petistas eram os campeões da defesa da soberania nacional sobre a Amazônia, enxergando em todo canto conspirações "imperialistas" para tomar dos brasileiros o seu patrimônio natural. Em 2006, dois anos antes que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinasse o decreto que criou o fundo, o chanceler Celso Amorim bradou que "a Amazônia é patrimônio do povo brasileiro e não está à venda", referindo-se aos "interesses de pessoas, entidades ou mesmo governos estrangeiros com relação à Região Amazônica", preocupados com o fenômeno da mudança climática. Embora eivada de entusiasmo militante, mais apropriado para uma assembleia de estudantes do que para uma manifestação do chefe da diplomacia, a declaração de Amorim foi na direção certa ao enfatizar que a Amazônia é problema dos brasileiros, e de mais ninguém.

O estabelecimento do Fundo Amazônia, porém, foi uma admissão franca de que o Estado, sob a administração petista, era incapaz de cumprir suas obrigações na preservação daquele bioma sem recorrer à ajuda, jamais desinteressada, de governos estrangeiros. Como um país como o Brasil, cuja economia está entre as maiores do mundo, aceita recorrer à ajuda internacional para amealhar os recursos necessários para cuidar de uma parte de seu território?

Os recursos captados pelo fundo estão condicionados à redução da emissão de gases de efeito estufa que resultam do desmatamento. O problema é que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal cresceram 26% entre agosto de 2012 e fevereiro deste ano, o que gera "incômodo e desgaste do Brasil no cenário internacional", conforme salientou Adriana Ramos, integrante do Comitê Orientador do Fundo Amazônia. Para ela, "a imagem que fica é ruim". Como o País aceitou recursos estrangeiros não reembolsáveis, também deve prestar contas do uso desse dinheiro, expondo-se ainda mais à censura internacional num assunto que deveria se circunscrever, por óbvio, apenas ao Brasil.

O governo da Noruega, por exemplo, considera que os projetos aprovados até agora não refletem o volume de recursos. Diplomaticamente, disse acreditar que haverá maior celeridade daqui para a frente. Trata-se de uma situação esdrúxula, em que o governo brasileiro deu a um governo estrangeiro o direito de opinar sobre o andamento de iniciativas para a preservação da Amazônia.

Noves fora o evidente comprometimento da soberania nacional, a Noruega tem razão. Mesmo com mais de R$ 1 bilhão à disposição, o governo simplesmente não consegue realizar os investimentos necessários para frear o desmatamento sistemático da Amazônia.

Como já se tornou habitual em quase todos os quadrantes da administração pública federal, o gigantismo burocrático e a ausência de planejamento retardam ou inviabilizam as soluções dessa grave questão ambiental, dando margem a que estrangeiros se sintam à vontade para palpitar sobre a administração da Amazônia e, por tabela, para tratar dela como se fosse território internacional. 
Fonte: NA + O Estado de S. Paulo

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