PT convoca campanha para regular a mídia
Foi uma coreografia complexa, que envolveu dois documentos: a resolução política geral, aprovada no sábado e emendada ontem, tratando de uma grande variedade de assuntos, entre eles a comunicação, e um texto específico sobre o assunto, de seis páginas.
Inicialmente, o objetivo do partido era mencionar o tema no primeiro texto e aprofundá-lo no segundo, que seria uma resolução, ou seja, uma diretriz para o PT. A articulação, porém, garantiu que o documento específico sobre mídia, muito detalhado, virasse moção – manifestação de apoio, de caráter mais brando. A resolução geral, que já tinha dois parágrafos defendendo a regulamentação da mídia, ganhou a "convocação" aos militantes.
O presidente do PT, Rui Falcão, chegou anunciar que o encontro votaria uma resolução com as propostas do partido para o setor. Minutos depois, porém, o texto sobre comunicação, sem alterações, foi distribuído aos jornalistas, com o aviso de que virara moção. Foi atendida, assim, a preocupação do governo – que temia ser novamente acusado de tentar controlar a mídia e calar críticas – e, ao mesmo tempo, mantida a linha de crítica ao setor de comunicação.
‘Conspiração’. O texto se refere a suposta "conspiração midiática" que teria se aliado à oposição contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um de seus trechos: "O 4º Congresso (...) convoca o partido e a sociedade na luta pela democratização da comunicação (...), enfatizando a importância de um novo marco regulatório para as comunicações (...), que, assegurando de modo intransigente a liberdade de expressão e de imprensa, enfrente questões como o controle de meios por monopólios, a propriedade cruzada, a inexistência de uma Lei de Imprensa, a dificuldade para o direito de resposta, a regulamentação dos artigos da Constituição que tratam do assunto, a importância de um setor público de comunicação e das rádios e televisões comunitárias. A democratização da mídia é parte essencial da luta democrática em nossa terra".
No Planalto, a questão da comunicação é vista como delicada: a presidente Dilma Rousseff pediu ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que tirasse do projeto sobre o assunto, feito na gestão Lula, pelo então ministro Franklin Martins (Comunicação Social), tudo que remetesse a controle da imprensa.
STF e jornalismo de buldogues
Carlos Alberto Di Franco - O Estado de S.Paulo
O leitor é sempre o melhor termômetro para medir a temperatura da sociedade. Em meu último artigo fiz uma radiografia da corrupção e defendi três prioridades no combate aos malfeitos: cobrar dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do mensalão, focar as coberturas jornalísticas nos casos emblemáticos de corrupção e instituir o Placar da Corrupção, um infográfico com a situação dos casos mais vistosos de pilhagem do dinheiro público.
Recebi uma enxurrada de e-mails de leitores de várias cidades brasileiras. Uma forte amostragem de opinião pública. Um denominador comum esteve presente em todas as mensagens: as pessoas não admitem o não julgamento do mensalão, com a consequente consagração da impunidade. Ao mesmo tempo, afirmam que o trabalho investigativo da imprensa deve continuar e aprofundar.
Chegou a hora do STF. Como escrevi neste espaço opinativo, julgar o mensalão não é uma questão de prazos processuais. É um dever indeclinável. Se o STF carimbar o mensalão com a prescrição, hipótese gravíssima, mas provável, concederá, na prática, um passaporte para a institucionalização da bandalheira.
A desqualificação do mensalão é essencial para aqueles que se apropriaram do Estado brasileiro. O primeiro sinal do desmonte do mensalão foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". A "farsa" a que se referia Lula derrubou ministros do seu governo, destituiu dezenas de diretores de estatais e mandou para o espaço a cúpula do seu partido. Encurralado, o então presidente só não caiu graças ao tamanho da incompetência da oposição.
Réus do processo passaram a ocupar postos altos nas estruturas dos Poderes. João Paulo Cunha (PT-SP) foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. José Genoino foi nomeado assessor especial do Ministério da Defesa, então comandado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF. José Dirceu - "o chefe da quadrilha", segundo escreveu o então procurador-geral da República na denúncia em que acusou a antiga cúpula do partido de Lula e de Dilma de se ter convertido numa "organização criminosa" - transita com desembaraço pelos corredores do poder.
Está nas mãos da Suprema Corte assumir o papel histórico de defesa da democracia e dos valores republicanos ou - Deus não queira - virar as costas para a cidadania. A sociedade tem o direito de confiar no ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Ele saberá honrar sua toga e sua biografia. Os brasileiros esperam que os ministros respondam à indignação da cidadania.
Paira no ar, no entanto, um clima de decepção e desencanto, fruto direto da impunidade. Em nome do amplo direito de defesa, importante e necessário, a efetivação da justiça acaba se transformando numa arma dos poderosos de turno e numa sistemática frustração das esperanças dos mais desprotegidos. Aplicam-se ao pobre os rigores da lei e se concedem ao rico as vantagens dos infinitos recursos que o Direito reserva aos que podem pagar uma boa defesa. É duro, mas é assim.
O esforço investigativo da imprensa está contribuindo para restabelecer o equilíbrio nas relações sociais. Para o jornalismo verdadeiramente ético e independente, não há distinções e imunidades. Os holofotes da mídia têm projetado fachos de luz em zonas turvas do poder. Incomoda? É claro. E deve ser assim. Jornalismo chapa-branca não contribui com a democracia. É preciso que exista certa tensão entre imprensa e governos. No entanto, a memória do cidadão - a minha e a sua, caro leitor - não é das mais fortes. E a vertiginosa sucessão de delitos acaba sendo importante aliada do esquecimento. Não basta denunciar. É preciso focar e perseverar num autêntico jornalismo de buldogues.
É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. Nós, jornalistas, devemos rasgar as coloridas embalagens do marketing e mostrar a realidade. Com suas luzes e suas sombras.
Entusiasmaram-se os leitores com a possibilidade de se criar um Placar da Corrupção. Não deixemos a peteca cair! Façamos um periódico mapa dos escândalos: o que aconteceu com os protagonistas do banditismo, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Não se trata de transformar a imprensa num contrapoder, mas numa instância, talvez a única, talvez a última, de uma sociedade abandonada por muitas de suas autoridades.
Inauguremos, também, o Mapa das Promessas. É muito fácil. Basta recorrer aos arquivos e bancos de dados. Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, apostam na amnésia coletiva. Ao jornalismo de qualidade, desengajado e independente, cabe assumir o papel de memória da sociedade.
As coberturas não podem ser pautadas pelas assessorias de comunicação dos políticos, e sim pelo interesse do cidadão. Vamos falar do futuro, dos projetos, dos planos. Mas vamos também falar do passado, das coerências e das ambiguidades. E, sobretudo, não nos deixemos seduzir pelas estratégias do marketing que ameaçam transformar a política num show de chavões populistas e num triste espetáculo de inconsistência.
A corrupção é um câncer que deve ser enfrentado por todos: jornalistas, magistrados e cidadãos. Chegou a hora do STF e do jornalismo de buldogues. Chegou a sua hora, amigo leitor.
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO
E-MAIL: [email protected]
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