Os rumos que a política cafeeira necessita, por Silas Brasileiro
Como presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), chama-me a atenção e causa preocupação o recente desvio de foco da política cafeeira para uma política eleitoreira que temos observado, fator que, certamente, compromete o ambiente de implantação de projetos consistentes visando ao desenvolvimento da cafeicultura do Brasil.
Após contatos com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), tomamos conhecimento de documento encaminhado pela Frente Parlamentar do Café à ministra Tereza Cristina, na terça-feira, 20 de agosto, com as propostas abaixo, sobre as quais apresentamos nossas considerações.
i) Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro) na modalidade invertida:o CNC sempre foi defensor da disponibilização deste instrumento aos cafeicultores, inclusive tendo contribuído para o desenvolvimento da proposta em reunião de seu conselho diretor de 23 de maio de 2019;
ii) Prorrogação dos financiamentos de custeio do Funcafé – prazo de cinco anos, mais um de carência, mantidas as condições contratuais: a simples prorrogação integral dos financiamentos comprometerá a longevidade do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira e a disponibilidade da aplicação dos recursos na safra 2020/21, que será de bienalidade positiva, portanto, ano em que precisaremos de mais recursos para o ordenamento da oferta.
Preocupados com a garantia de oferta futura de crédito ao setor cafeeiro, apresentamos proposta alternativa para atender aos produtores que sofrem com o período transitório de baixos preços, mas sem comprometer o Funcafé.
iii) Linha do BNDES para a composição de dívidas rurais: sempre apoiamos a inclusão do setor café no Programa de Composição de Dívidas Rurais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, conforme discutimos em inúmeras ocasiões com o ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e mantemos esse posicionamento junto à atual administração.
iv) Revisão da representação das entidades privadas no CDPC: preocupa-nos qualquer revisão que vise a desequilibrar a representação da cadeia no Conselho Deliberativo da Política do Café. Hoje, esse equilíbrio existe de forma inteligente, garantindo o maior número de assentos (quatro) para o segmento da produção, sendo duas cadeiras para o CNC e duas para a CNA. Acrescentar mais uma cadeira para a representação sindical levaria ao desequilíbrio, haja vista a participação ativa e a visão estratégica de longo prazo do mercado por parte das cooperativas, sempre com foco na preservação da renda dos produtores, na definição da política cafeeira.
Acrescentamos que o CDPC delibera sobre a alocação do orçamento do Funcafé a cada safra, com base no cenário do mercado, envolvendo, por exemplo, mais recursos para estocagem ou aquisição de café, dependendo da necessidade de maior liquidez ou retenção de oferta. As decisões tomadas por esse colegiado são estratégicas para o ordenamento da safra de café.
É válido ressaltar que o CDPC não possui interferência na decisão de liberação de empréstimos pelos agentes financeiros aos produtores rurais, sendo a instituição, com base no perfil de risco do tomador, que define se liberará o recurso ou não.
Argumentos de que os pequenos e médios produtores não possuem representação no CDPC, porque as cadeiras estão ocupadas por grandes cooperativas, não fazem sentido.
As cooperativas são agentes que facilitam a tomada de crédito pelo produtor, agindo como intermediários (exemplo da modalidade barter) ou diretamente (cooperativas de crédito, que garantem mais capilaridade na aplicação dos recursos do Funcafé).
Além disso, os donos das cooperativas são os pequenos e médios produtores, que se beneficiam quando a cooperativa tem sucesso em seus negócios, a exemplo da distribuição de lucro aos cooperados.
Não obstante, ressaltamos a importância da ampliação do setor cooperativo de crédito na distribuição de recursos do Funcafé e também de bancos não oficiais, garantindo mais capilaridade e facilitando a tomada de crédito pelo pequeno e médio produtor.
Essa foi uma conquista do trabalho realizado pelo CNC, apoiado pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), visto que, no passado, somente bancos oficiais liberavam os recursos do Fundo.
Recordamos, ainda, que as linhas de Custeio, Estocagem, FAC e Capital de Giro do Funcafé beneficiam os produtores rurais direta ou indiretamente. Os recursos para a indústria comprarem café, por exemplo, são importantes para garantir a liquidez do mercado, fomentando a demanda pelo produto dos cafeicultores.
No entanto, ao analisarmos a distribuição dos recursos aprovadas pelo CDPC, é evidente que as linhas que vão direto para os produtores e suas cooperativas (Custeio, Estocagem, FAC e Giro Cooperativas) representam 91% do volume liberado pelo Fundo na safra 2018/19. As indústrias são beneficiadas com apenas 9% desses recursos.
Por fim, reforçamos que a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) e a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) são entidades separadas, com associados diferentes, que, embora tenham como negócio central a industrialização do café, atuam em mercados distintos. Ignorar as peculiaridades de cada segmento na representação do CDPC é um retrocesso e desfigura a representação da cadeia produtiva.
Se houver insistência nessa desconfiguração, é mais provável que o Governo desista de recriar o CDPC, gerando um vácuo na condução da política cafeeira e comprometendo a implantação de projetos que aumentem a competitividade e a sustentabilidade dos cafés do Brasil, além de criar um cenário de risco para a extinção do Funcafé.
Diante disso, estamos fazendo contatos com as demais lideranças do setor e com deputados e senadores da Frente Parlamentar com o único objetivo de apelar para a razão visando ao retorno do foco das ações para uma efetiva política cafeeira, sem viés eleitoral.
Atenciosamente,
Silas Brasileiro
Presidente Executivo