Agricultura conectada: o futuro chegou, por Antônio Márcio Buainain e Pedro Abel Vieira Junior
São 06:00 da manhã e o Sr. José, produtor de grãos e algodão em Sinop, município do interior do Mato Grosso, senta para o “quebra torto” na própria fazenda, a 100 km da sede do município. Entre um gole de café e uma broa de milho, confere a situação dos preços na Bolsa de Chicago, lê relatórios sobre a evolução da colheita nos EUA e da demanda chinesa, e fecha operações de venda a futuro para se proteger da instabilidade dominante no mercado nestes tempos difíceis. Em seguida José acessa o sistema que gerencia as colheitadeiras de soja e algodão, guiadas por satélites, controla as informações do sistema de monitoramento de pragas, realiza pagamentos diversos e só então sai para “iniciar” o dia que de fato começou muito antes. Tudo feito por meio do celular, conectado à rede móvel por satélite. Neste mesmo tempo, milhares de produtores rurais, de todos os tamanhos, estão realizando operações semelhantes, sustentadas por pacotes tecnológicos que combinam conhecimentos e tecnologias avançadas de várias áreas, da biologia, engenharia genética, comunicação, informação e automação, dentre outras. Pode parecer ficção, mas agricultura 4.0, baseada na conectividade, e levada a cabo por jovens agricultores, com perfil fortemente empreendedor, já é uma realidade na agricultura brasileira, que nos últimos 25 anos cresceu extraordinariamente apesar das reconhecidas ineficiências sistêmicas que caracterizam a economia brasileira.
A agricultura brasileira enfrenta vários desafios para se afirmar como o principal celeiro do mundo. Da porteira para dentro o principal é sem dúvida elevar a produtividade total dos fatores, respeitando as crescentes exigências dos mercados e da sociedade em geral, que requerem alimentos e matérias primas saudáveis e de qualidade, uso sustentável dos recursos naturais, respeito ao meio ambiente, utilização de sistemas produtivos transparentes e responsáveis e a adoção de relações de produção amigáveis e justas.
Mas esta agricultura não funciona apenas da porteira para dentro. A competividade é cada vez mais determinada pelo desempenho do conjunto da cadeia, que envolve ações descentralizadas e coordenadas de fornecedores de insumos e equipamentos, a logística de distribuição, condições de transporte e armazenamento, regulamentação etc. Na ponta final o consumidor empoderado exige informações sobre a procedência dos produtos, os processos produtivos utilizados, o conteúdo nutricional, riscos para a saúde. Cobra tratamento adequado aos animais, respeito aos direitos dos trabalhadores e à legislação ambiental. E bons preços. É um sistema complexo, que precisa ser operado de forma simples, sustentável e com custo compatível para alavancar, e não atrapalhar, a competitividade dos produtores rurais e empresas em geral.
Também exige um quadro institucional apropriado para estimular o empreendedorismo e criar sinergias e convergências desejáveis entre os agentes, e ações de políticas públicas para dar o suporte necessário para viabilizar as transformações, monitorar ações e resultados e até mesmo para punir os comportamentos inaceitáveis e práticas criminosas que podem comprometer o esforço da maioria.
Sem dúvida que as respostas já estão sendo dadas. De um lado, pela geração, captura e processamento de um volume crescente de dados, que viabiliza a prática de uma agricultura de precisão que maximiza o uso sustentável de recursos, reduz o desperdício e os custos inúteis, e cada vez mais municia o consumidor final com informações que o transformam, de fato, em “gestor” da cadeia de valor. E de outro lado, pela adoção de mecanismos de rastreabilidade ao longo da cadeia; pelo Zoneamento Agroecológico, que potencializa a utilização adequada das terras; o Cadastro Ambiental Rural, possivelmente o sistema mais avançado de monitoramento ambiental em funcionamento no mundo; implantação de sistemas meteorológicos de precisão, indispensáveis para a gestão dos riscos climáticos; conexão com os mercados em tempo real.
A agricultura e agronegócio brasileiros –um dos mais avançados do mundo— conquistaram lugar de destaque nos mercados internacionais e vêm contribuindo positivamente para a economia e sociedade brasileira com base em uma infraestrutura indigente, estradas de lama, redes de comunicação precárias, portos ineficientes e um Estado tão grande quanto ineficaz.
O produtor rural está mais uma vez enfrentando os desafios da agricultura 4.0, da porteira para dentro. O problema é que esta agricultura não funciona sem uma infraestrutura adequada, sem uma rede de comunicação por onde trafega os principais insumos da revolução em curso: dados, informações, decisões tomadas com base em sistemas de inteligência artificial. O Brasil é um continente em extensão, tem terra, clima diversificado e empreendedores. Ainda não tem estradas asfaltadas e nem rede ferroviária adequada para transportar mercadorias, e agora está precisando de satélites para dar impulso à agricultura 4.0 e à 4ª. Revolução industrial. Para a agricultura do futuro, que já chegou, conectividade é essencial. É preciso que governos e agências reguladoras estejam atentos para viabilizar as condições técnicas de cobertura por internet de banda larga em todas as regiões produtoras, e para assegurar um ambiente regulatório adequado para atrair e viabilizar os investimentos necessários para dotar o país da conectividade necessária para o crescimento sustentável da produção brasileira.
Antônio Márcio Buainain é Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (INCT-PPED)
Pedro Abel Vieira Junior é Pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas – SIRE, da Embrapa