Previsões de Safra – Futurologia ou Manipulação, por Eduardo Lima Porto
Nos últimos meses, depois de termos enfrentado inúmeros problemas causados pela quebra da safra de soja e de milho em diversas regiões do Brasil, o mercado voltou a atenção para o dimensionamento da produção americana e os reflexos que o volume disponibilizado poderia gerar no setor.
A amplitude das apostas sempre é grande, a começar pelo USDA, que é religiosamente seguido por uma infinidade de produtores, indústrias, bancos, fundos de investimentos e analistas no mundo inteiro.
Cada um possui uma teoria (original ou não) sobre o futuro dos preços.
Interessante é que muito poucos ousam desafiar as predições do “todo poderoso” USDA.
Aqui no Brasil, pelo que sei, apenas o meu amigo Liones Severo é que tem tido o peito de contestar abertamente os dados vindos dos Estados Unidos, com impressionante assertividade. Há quem o considere um “herege” por isso.
Heresia ou não, o fato é que o USDA tem cometido, historicamente, falhas nas suas previsões de safra, de demanda interna e de exportação, assim como na quantificação do estoque final.
Essa última informação, em especial, é relevante para o nosso planejamento produtivo, comercial e econômico, afetando diretamente o comportamento dos preços no mercado internacional.
O USDA já foi obrigado a realizar “ajustes” em diversas situações, conforme demonstra o gráfico acima, elaborado pela consultoria americana AgTraderTalk.
Não tenho conhecimento suficiente para afirmar, sem medo de cometer injustiças ou leviandades, que o USDA não detém corpo técnico capacitado, sistemas de coleta de informação confiável ou metodologia adequada para a apuração dos números que o mundo agrícola e financeiro espera com tanta ansiedade.
Também não posso me posicionar em torno de eventuais interesses ocultos do governo americano de manipular informações tão importantes.
Me cabe apenas considerar de forma serena que o USDA também comete erros. Aliás, isso está estatisticamente comprovado.
Se nos Estados Unidos que é o País mais Rico e tecnologicamente avançado do Mundo essa situação é possível, o que dizer então do Brasil?
Recentemente, a imprensa nacional e estrangeira vem repercutindo a visão de alguns renomados analistas e da própria CONAB de que deveremos ter uma Safra “Recorde”.
Supostamente, tais previsões já estariam incorporadas aos preços futuros.
No caso da soja, tem se falado na possibilidade de uma colheita superior a 101 milhões de toneladas.
Com o devido respeito que os noveis analistas merecem, assim como os técnicos que trabalham na CONAB, me permitirei divergir acerca do volume previsto nesse momento específico (meados de Novembro).
Minha discrepância está alicerçada nas seguintes razões:
1) Incerteza em relação ao clima devido a formação do fenômeno La Niña, tido até agora como de intensidade fraca-moderada, mas que ainda pode causar algum déficit hídrico no Sul e eventuais excessos pontuais de chuva no Centro-Oeste capazes de reduzir a produtividade;
2) Endividamento elevado;
3) Escassez e restrições de Crédito em todas as regiões do País;
4) Possibilidade da ocorrência de pragas e doenças de difícil controle.
Considero que a água é o principal insumo da agricultura. Sem ela, ainda que se tenha a melhor tecnologia disponível, o resultado da produção será desprezível ou nulo.
Como não sou meteorologista, não vou me aventurar a discorrer sobre um assunto tão complexo.
Me sinto mais à vontade para tratar do segundo insumo mais importante, que é o crédito.
Posso dar alguns pitacos sobre os efeitos econômicos causados pelas Pragas e Doenças, mesmo não sendo Agrônomo, já que os últimos prejuízos ainda fazem parte da lembrança de muita gente.
As dívidas de safras passadas e a quebra verificada em 2016 agravaram significativamente a capacidade de Geração de Caixa dos Produtores, sendo consenso que a intensidade do problema adquiriu uma condição muito preocupante em diversas regiões, especialmente no MATOPIBA e no sul do RS, assim como em diferentes áreas do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.
Desde 2015, verifica-se uma quantidade impressionante de pedidos de Recuperação Judicial envolvendo desde Grandes Produtores a Revendas com faturamento de centenas de milhões de reais. Se a crise não poupou os grandes, desnecessário falar do que aconteceu aos menores.
O alcance em termos de área cultivável é difícil de estimar, mas a julgar pelo porte de alguns Grupos tradicionais, apenas no Estado do Mato Grosso, é possível que a superfície em severas dificuldades financeiras supere bem mais do que 1 milhão de hectares.
A percepção de risco do setor aumentou significativamente.
A indústria de Defensivos Agrícolas e os Revendedores têm assumido boa parte do financiamento de capital de giro necessário para produção de grãos, a partir da concessão do “prazo-safra” configurado através das operações de Barter.
A negociação do passivo acumulado de anos anteriores, muitas vezes sujeito a variação cambial e a juros elevados, somado às exigências de reposicionamento dos limites de crédito constituem um desafio de enorme dimensão.
As Tradings, que também são responsáveis por uma parcela crescente da liquidez na área de insumos e do escoamento da produção, não demonstram estar atuando de maneira muito agressiva em termos de exposição de risco para garantir a originação.
Talvez por isso que o percentual de vendas antecipadas até o momento esteja comparativamente menor em relação ao ano passado, embora tenha se verificado nos últimos dias um intenso movimento de fixações por conta da desvalorização cambial.
Não bastassem as chuvas desuniformes, Amigos do Tocantins contaram que a liberação do crédito junto ao Banco do Brasil foi muito difícil e teriam ocorrido diminuições dos limites, inclusive para Produtores de bom histórico.
A título de referência, um desses Amigos está esperando há dois anos pela indenização do Seguro Agrícola e até agora, nada. Comentou que o caso dele não é isolado no Estado.
Reflexões
Existe estoque suficiente de Defensivos posicionados no campo para resolver, em tempo e forma, uma possível demanda emergencial?
Teriam as Indústrias e Revendedores estabelecido um acordo de repactuação das dívidas e a flexibilização dos critérios de concessão de crédito para que não falte insumos na quantidade e na qualidade necessárias?
Destaquei “qualidade” de propósito porque há o risco efetivo de que estoques de safras anteriores estejam com os ingredientes ativos vencidos ou apresentem uma redução da eficiência em função da degradação natural dos seus componentes, das condições de armazenagem, temperatura, etc.
Vou assumir, apenas por amor ao debate, que os graves problemas tenham sido temporariamente resolvidos, que haja suficiente quantidade de insumos no campo, que as pragas e doenças não venham a causar um dano representativo e que os modelos climáticos garantam que não haverão eventos prejudiciais.
A partir de uma combinação bem calibrada dos fatores acima, é possível inferir com razoável grau de assertividade que as previsões otimistas da CONAB, reverberadas por inúmeros Analistas e Consultorias, poderão se confirmar.
Politicamente, parece óbvio que a previsão de uma colheita farta favoreça temporariamente o Governo Temer, que anda fustigado por suspeitas de envolvimento nas tramas investigadas pela Operação Lava-Jato e ajudaria a minimizar a percepção de que a Economia não está se recuperando.
Entretanto, há enorme possibilidade de que a CONAB venha a reconsiderar os números anunciados, a exemplo do que ocorre de maneira recorrente nos Estados Unidos.
Se isso acontecer, veremos não só ajustes da oferta e das projeções de estoque de passagem, mas principalmente muita volatilidade e incertezas sobre o comportamento dos Preços Futuros da Soja em 2017.
Nessa linha de raciocínio, contesto também os prognósticos para a produção do Milho Safrinha, tendo em vista o alto grau de interdependência desse cultivo com os resultados auferidos a partir da colheita da Soja.
Se assim não fosse, seria lícito afirmar que os Produtores não dependem do sucesso da Soja para pagar as contas, liberar limites de crédito e se capitalizar minimamente.
Prudência e Caldo de Galinha nunca fizeram mal, ainda mais em momentos como esse.
Podemos nos posicionar com segurança no que diz respeito ao comportamento de curto prazo do Cambio e das Taxas de Juros Internacionais?
Em que grau estes fatores afetarão a disponibilidade de Crédito e o Fluxo de Caixa dos Agricultores?
De que forma o Setor Agrícola se ajustará para atender aos requisitos exigidos pela Convenção de Basileia III? (vou abordar esse tema em breve).
Poderia elaborar uma série de questionamentos adicionais na tentativa de construir um cenário de relativa consistência técnica para obtenção de um prognóstico razoável da Safra e efeitos subjacentes, ainda assim, com a quantidade de incertezas que pairam no Mundo, me parece que seria um exercício de futurologia, daqueles que se justificam numa mesa de boteco, entre Amigos e sabendo que ninguém se lembrará do que foi dito no dia seguinte.
Reconheço minha absoluta insignificância diante do imponderável e por isso me absterei de oferecer previsões dessa magnitude.
Não quero ser acusado depois de haver manipulado o mercado no sentido de influenciar movimentos massivos de compra e venda em Chicago, de alterar a programação dos importadores e, muito menos, de ter sido o responsável por falências, divórcios ou coisas piores.
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