O que é que há, meu país? Por Flávio França Junior

Publicado em 29/06/2015 07:54
Flávio Roberto de França Junior é Analista de Mercado, Consultor em Agribusiness e Diretor da França Junior Consultoria

Caros amigos. Passei a semana em viagem e ministrando um Curso de Introdução à Comercialização de Soja em Balsas, no Maranhão, e gostaria de agradecer a receptividade e o carinho com os quais fui recebido, e mandar um grande abraço a todos os amigos da região do MAPITO. Em outro texto quero falar um pouco sobre essa grande e próspera região, a principal de expansão da produção agrícola do país, suas características, anseios, qualidades, problemas e perspectivas. Mas o assunto de hoje tem uma conotação um pouco diferente, bem menos técnica. Vocês conhecem a música Meu País, de Zezé Di Camargo & Luciano? Aquela que diz em seu refrão “Que é que há, meu país? O que é que há?” Pois bem, em minha viagem de volta entre Balsas e Araguaína, no estado de Tocantins, onde me deslocava para pegar o vôo que me levaria de volta para casa, ouvi essa música no carro em uma rádio local. Ao refletir solitariamente sobre a bonita letra da música, não pude deixar de ficar tocado e nem deixar de pensar como a vida é irônica e como o mundo dá voltas. E nem sempre boas. Por isso decidi compartilhar esses pensamentos com os amigos. 

Primeiro um pouco de história. A música “Meu País” foi gravada e lançada por Zezé Di Camargo & Luciano em 2001 e foi contratada pela equipe que comandava a campanha do então candidato Luis Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais daquele ano. Além de “emprestar” a música à campanha, a dupla também foi contratada por uma soma de R$ 1,3 milhões, de acordo com jornais da época, para a realização de 11 grandes “showmícios” no primeiro turno e mais 6 no segundo turno. E em função da combinação de letra de protesto perfeitamente encaixada àquele momento, com uma bonita melodia, e com um ambiente disseminado de decepção e revolta com os rumos do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a música se tornou um estrondoso sucesso, e acabou virando “hino” da campanha vitoriosa de Lula.

Mas afinal, porque o que diz a letra e qual o paralelo podemos fazer sobre a leitura feita em 2002 e em 2015?

A primeira parte da letra diz o seguinte: “Aqui não falta sol, aqui não falta chuva. A terra faz brotar qualquer semente. Se a mão de Deus protege e molha nosso chão, porque será que tá faltando pão.” A reflexão era extremamente oportuna naquela época, onde não fazia sentido em um país rico de recursos e de capital humano como o nosso, mais de um terço da população estar situada economicamente abaixo da linha de pobreza. É bem verdade que tivemos uma grande diminuição no número de miseráveis durante os 8 anos do governo Lula e esse será, sem dúvida, basicamente o único grande legado daquele período. Mas mesmo assim, se trouxermos esse pensamento para os dias de hoje, a pergunta se mantém atual. Porque afinal tanta gente ainda passa fome no Brasil?

A segunda estrofe mantém o tom de questionamento da primeira, já agora um pouco em tom de súplica: “Se a natureza nunca reclamou da gente, do corte do machado, a foice, o fogo ardente. Se nessa terra tudo o que se planta dá, que é que há, meu país? O que é que há?” Essa foi outra frase muito bem adaptada àqueles dias, onde se intensificou os questionamentos e o debate sobre o uso extensivo da terra. Reflexão essa que culminou com a aprovação do mais completo e avançado código florestal do planeta. Embora ainda tenhamos excessos e desvios, nesse aspecto o país, e em particular o agronegócio brasileiro passou a ser exemplo e modelo para todo o mundo.

Na terceira parte a letra tenta encontrar alguma explicação para os questionamentos das duas primeiras partes: “Tem alguém levando lucro, tem alguém colhendo o fruto, sem saber o que é plantar. Tá faltando consciência, tá sobrando paciência, tá faltando alguém gritar.” Fazia sentido uma frase como esta naquele momento? Sim, muito. Sem nominar setores específicos da sociedade ou da economia, o autor, transbordando sua alma sertaneja, não conseguia disfarçar a sua indignação de fazer parte de um setor tão dinâmico e pujante como o nosso agronegócio, e ainda ter que viver de esmolas do governo federal e conviver com a crônica falta de apoio, com a crônica falta de infraestrutura, e de condições mínimas para exercer a sua atividade profissional. E foi aqui, meu caros, que fiquei me perguntando: nesse aspecto, o que mudou nesses últimos 13 anos? Infelizmente, muito pouco. O setor avançou, se profissionalizou, se modernizou. Embora seja a grande âncora de nossa economia, segue brigando para trabalhar. Segue lutando contra tudo e contra todos.

Mas foi na quarta estrofe que a música se tornou genérica para toda a sociedade produtiva deste país, além de absoluta e ironicamente atual: “Feito um trem desgovernado, quem trabalha tá ferrado, nas mãos de quem só engana. Feito mal que não tem cura, estão levando à loucura, o país que a gente ama.” E arremata: “Feito mal que não tem cura, estão levando à loucura, o Brasil que a gente ama!” Como disse no início, essas frases faziam coro a um sentimento de indignação dominante na população, e que acabaram levando Lula à presidência do país por dois mandatos. E aqui é que está a grande ironia do processo. Se essa música fosse lançada em 2014 e fosse adotada pela candidatura de oposição, a mesma que em 2002 era governo e o alvo central dessa bela poesia de protesto, certamente também se tornaria “hino” de campanha.

É, o mundo dá mesmo voltas, não é? Analise algumas das manchetes desses últimos meses e verão que os papeis estão invertidos, mas só que desta vez com um grau de incompetência, desfaçatez e descaramento inimaginável, além de elevado à enésima potência. No lado econômico: contas públicas de janeiro a maio tem o pior resultado desde 1998!!!; inflação se aproxima de 9%, e subindo!!!; amplitude da recessão aumenta a cada semana!!!; desemprego dispara e já é a maior desde 2010!!!; população desocupada cresce em maio 39% sobre 2014!!!; taxa básica de juros se aproxima de 14%!!!; vendas do comércio em abril tem a pior queda desde 2003!!! E a maior, e talvez definitiva, de todas: as pedaladas fiscais de Dilma e os crimes de responsabilidade fiscal. Isso para não nos alongarmos no lado político, com o Mensalão, Lava-Jato e o Petrolão, a Operação Zelotes e a Receita Federal, Odebrecht, Andrade Gutierrez, e outras construtoras e as relações incestuosas com o Instituto Lula, etc...etc...etc...

Essa constatação me deixou triste. Muito triste. Não sei se merecíamos tudo isso. A população brasileira se levantou democraticamente e confiou, delegou e apostou em um projeto. Acreditou que poderíamos caminhar em uma nova direção e que tudo iria melhorar. Imaginou que até poderiam haver equívocos político-administrativos. Mas nem sequer sonhou, nem em seus piores pesadelos, que 12 ou 13 anos depois poderíamos estar sentido na carne o que estamos vivendo em 2015. A era da descrença absoluta. Por tudo isso eu me pergunto: o que está faltando acontecer para o nosso povo despertar e assumir uma nova posição de mudança? O que mais precisa acontecer para virarmos novamente o jogo? “Tá faltando consciência, tá sobrando paciência, tá faltando alguém gritar!”

Um “AgroAbraço” a todos!!!

www.francajunior.com.br e francajunior@francajunior.com.br

Tags:

Fonte: França Junior Consultoria

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Exportações do agro com resultados impressionantes, por Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Meio ambiente: Nós protegemos! Por José Zeferino Pedrozo
Que Momento Impressionante ao Agronegócio, por Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Boas Condições para 2021 ser Ano de Tratoraço no Agro, por Prof. Dr. Marcos Fava Neves
A Encruzilhada: Contingenciamento das exportações ou Convulsão Social? Por Eduardo Lima Porto
Milho & Soja: O outro lado do potencial altista para o complexo agrícola, por Liones Severo
undefined