O que é que há, meu país? Por Flávio França Junior
Caros amigos. Passei a semana em viagem e ministrando um Curso de Introdução à Comercialização de Soja em Balsas, no Maranhão, e gostaria de agradecer a receptividade e o carinho com os quais fui recebido, e mandar um grande abraço a todos os amigos da região do MAPITO. Em outro texto quero falar um pouco sobre essa grande e próspera região, a principal de expansão da produção agrícola do país, suas características, anseios, qualidades, problemas e perspectivas. Mas o assunto de hoje tem uma conotação um pouco diferente, bem menos técnica. Vocês conhecem a música Meu País, de Zezé Di Camargo & Luciano? Aquela que diz em seu refrão “Que é que há, meu país? O que é que há?” Pois bem, em minha viagem de volta entre Balsas e Araguaína, no estado de Tocantins, onde me deslocava para pegar o vôo que me levaria de volta para casa, ouvi essa música no carro em uma rádio local. Ao refletir solitariamente sobre a bonita letra da música, não pude deixar de ficar tocado e nem deixar de pensar como a vida é irônica e como o mundo dá voltas. E nem sempre boas. Por isso decidi compartilhar esses pensamentos com os amigos.
Primeiro um pouco de história. A música “Meu País” foi gravada e lançada por Zezé Di Camargo & Luciano em 2001 e foi contratada pela equipe que comandava a campanha do então candidato Luis Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais daquele ano. Além de “emprestar” a música à campanha, a dupla também foi contratada por uma soma de R$ 1,3 milhões, de acordo com jornais da época, para a realização de 11 grandes “showmícios” no primeiro turno e mais 6 no segundo turno. E em função da combinação de letra de protesto perfeitamente encaixada àquele momento, com uma bonita melodia, e com um ambiente disseminado de decepção e revolta com os rumos do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a música se tornou um estrondoso sucesso, e acabou virando “hino” da campanha vitoriosa de Lula.
Mas afinal, porque o que diz a letra e qual o paralelo podemos fazer sobre a leitura feita em 2002 e em 2015?
A primeira parte da letra diz o seguinte: “Aqui não falta sol, aqui não falta chuva. A terra faz brotar qualquer semente. Se a mão de Deus protege e molha nosso chão, porque será que tá faltando pão.” A reflexão era extremamente oportuna naquela época, onde não fazia sentido em um país rico de recursos e de capital humano como o nosso, mais de um terço da população estar situada economicamente abaixo da linha de pobreza. É bem verdade que tivemos uma grande diminuição no número de miseráveis durante os 8 anos do governo Lula e esse será, sem dúvida, basicamente o único grande legado daquele período. Mas mesmo assim, se trouxermos esse pensamento para os dias de hoje, a pergunta se mantém atual. Porque afinal tanta gente ainda passa fome no Brasil?
A segunda estrofe mantém o tom de questionamento da primeira, já agora um pouco em tom de súplica: “Se a natureza nunca reclamou da gente, do corte do machado, a foice, o fogo ardente. Se nessa terra tudo o que se planta dá, que é que há, meu país? O que é que há?” Essa foi outra frase muito bem adaptada àqueles dias, onde se intensificou os questionamentos e o debate sobre o uso extensivo da terra. Reflexão essa que culminou com a aprovação do mais completo e avançado código florestal do planeta. Embora ainda tenhamos excessos e desvios, nesse aspecto o país, e em particular o agronegócio brasileiro passou a ser exemplo e modelo para todo o mundo.
Na terceira parte a letra tenta encontrar alguma explicação para os questionamentos das duas primeiras partes: “Tem alguém levando lucro, tem alguém colhendo o fruto, sem saber o que é plantar. Tá faltando consciência, tá sobrando paciência, tá faltando alguém gritar.” Fazia sentido uma frase como esta naquele momento? Sim, muito. Sem nominar setores específicos da sociedade ou da economia, o autor, transbordando sua alma sertaneja, não conseguia disfarçar a sua indignação de fazer parte de um setor tão dinâmico e pujante como o nosso agronegócio, e ainda ter que viver de esmolas do governo federal e conviver com a crônica falta de apoio, com a crônica falta de infraestrutura, e de condições mínimas para exercer a sua atividade profissional. E foi aqui, meu caros, que fiquei me perguntando: nesse aspecto, o que mudou nesses últimos 13 anos? Infelizmente, muito pouco. O setor avançou, se profissionalizou, se modernizou. Embora seja a grande âncora de nossa economia, segue brigando para trabalhar. Segue lutando contra tudo e contra todos.
Mas foi na quarta estrofe que a música se tornou genérica para toda a sociedade produtiva deste país, além de absoluta e ironicamente atual: “Feito um trem desgovernado, quem trabalha tá ferrado, nas mãos de quem só engana. Feito mal que não tem cura, estão levando à loucura, o país que a gente ama.” E arremata: “Feito mal que não tem cura, estão levando à loucura, o Brasil que a gente ama!” Como disse no início, essas frases faziam coro a um sentimento de indignação dominante na população, e que acabaram levando Lula à presidência do país por dois mandatos. E aqui é que está a grande ironia do processo. Se essa música fosse lançada em 2014 e fosse adotada pela candidatura de oposição, a mesma que em 2002 era governo e o alvo central dessa bela poesia de protesto, certamente também se tornaria “hino” de campanha.
É, o mundo dá mesmo voltas, não é? Analise algumas das manchetes desses últimos meses e verão que os papeis estão invertidos, mas só que desta vez com um grau de incompetência, desfaçatez e descaramento inimaginável, além de elevado à enésima potência. No lado econômico: contas públicas de janeiro a maio tem o pior resultado desde 1998!!!; inflação se aproxima de 9%, e subindo!!!; amplitude da recessão aumenta a cada semana!!!; desemprego dispara e já é a maior desde 2010!!!; população desocupada cresce em maio 39% sobre 2014!!!; taxa básica de juros se aproxima de 14%!!!; vendas do comércio em abril tem a pior queda desde 2003!!! E a maior, e talvez definitiva, de todas: as pedaladas fiscais de Dilma e os crimes de responsabilidade fiscal. Isso para não nos alongarmos no lado político, com o Mensalão, Lava-Jato e o Petrolão, a Operação Zelotes e a Receita Federal, Odebrecht, Andrade Gutierrez, e outras construtoras e as relações incestuosas com o Instituto Lula, etc...etc...etc...
Essa constatação me deixou triste. Muito triste. Não sei se merecíamos tudo isso. A população brasileira se levantou democraticamente e confiou, delegou e apostou em um projeto. Acreditou que poderíamos caminhar em uma nova direção e que tudo iria melhorar. Imaginou que até poderiam haver equívocos político-administrativos. Mas nem sequer sonhou, nem em seus piores pesadelos, que 12 ou 13 anos depois poderíamos estar sentido na carne o que estamos vivendo em 2015. A era da descrença absoluta. Por tudo isso eu me pergunto: o que está faltando acontecer para o nosso povo despertar e assumir uma nova posição de mudança? O que mais precisa acontecer para virarmos novamente o jogo? “Tá faltando consciência, tá sobrando paciência, tá faltando alguém gritar!”
Um “AgroAbraço” a todos!!!
www.francajunior.com.br e francajunior@francajunior.com.br