O joio e o trigo: revisitando as causas da crise emergente nos anos 1990, por Rodrigo Constantino

Publicado em 07/04/2015 11:29

“Os críticos da globalização que culpam o ‘fundamentalismo de mercado’ por todo tumulto estão vendo o mundo através de uma lente ideológica.” (Brink Lindsey)

Após a queda do império soviético e o que este representava, ou seja, o coletivismo em forma de economia centralizada e planejada, muitos tentaram rapidamente condenar o seu oposto, que chamaram de “fundamentalismo de mercado”. Acusaram o livre mercado pelas crises da década de 1990, que afetaram violentamente países como México, Rússia, Coréia, Tailândia e Malásia. Entretanto, somente motivos ideológicos justificam isso, posto que a lógica e os fatos demonstram que o cerne dos problemas estava justamente na parte estatal da equação, já que tratavam-se de economias apenas parcialmente livres, com forte herança do coletivismo.

As nações que centralizaram praticamente por completo suas economias viveram o caos total, enquanto que as nações com maior índice de liberdade econômica são exatamente as mais ricas do mundo. Ora, por que culpar então a parte livre das economias mistas pelos males econômicos, quando a parte centralizada ainda é enorme? Não faz sentido. De cara já percebemos que as sementes do fracasso devem estar na herança coletivista, com suas políticas anti-mercado. E de fato estão.

Com todas as suas diferenças e peculiaridades, as crises financeiras recentes compartilharam de uma mesma causa próxima: políticas monetárias insustentáveis. Atualmente, o dinheiro não conta mais com respaldo de algum metal precioso, e este fiat money é monopólio do governo, que controla sua emissão. No passado, a emissão descontrolada de dinheiro por parte dos governos, muitos seguindo as recomendações keynesianas, sempre gerou inflação.

As crises monetárias recentes de alguns países emergentes surgem pela interação entre as moedas locais e o fluxo de capital estrangeiro. Este fluxo representa uma forma alternativa de financiamento, fazendo com que as empresas domésticas possam contar com mais que a poupança local como fonte de recursos. Vários estudos confirmam que a abertura para estes fluxos aumenta a liquidez e força dos mercados financeiros locais, reduzindo o custo de capital e estimulando os investimentos privados. Os problemas ocorrem quando as intervenções governamentais distorcem totalmente a alocação eficiente desses recursos.

Quando um país se abre para o fluxo internacional de recursos, é impossível ele controlar tanto o valor interno da sua moeda como o externo. Ou seja, é inviável suas políticas monetárias controlarem tanto a inflação como a taxa de câmbio. Todas as crises recentes aconteceram em países que tentaram as duas coisas. Queriam ter e comer o bolo ao mesmo tempo. O câmbio foi controlado por uma política de taxa fixa, ao mesmo tempo que tentaram seguir uma política monetária independente. No sistema de câmbio flutuante, os ajustes no fluxo de capital ocorrem através da taxa de câmbio, não pelos preços domésticos ou taxa de juros. Com o câmbio fixo, entretanto, o governo não tem como determinar a taxa de juros e a inflação. Tentar fazer isto é como servir a dois mestres simultaneamente, e o resultado é a traição a ambos.

A atuação do banco central nessa tentativa impossível faz com que a taxa de juros doméstica abra um enorme diferencial em relação a externa, atraindo capital especulativo de curto prazo, para aproveitar esse ganho subsidiado pelo governo. No México, o fluxo de capital de curto prazo totalizou cerca de US$ 40 bilhões de 1990 a 1994, enquanto as reservas cresceram apenas uns US$ 10 bilhões. O mesmo padrão pode ser observado nos demais países. A bonança criada por mecanismos artificiais do governo precisa chegar ao fim, e nesse momento a ressaca é não só inevitável, como bem mais dolorosa, pelo constante adiamento causado pelas políticas monetárias. Algo similar a um bêbado que tenta curar sua ressaca sempre bebendo mais. Tudo que ele consegue é uma cirrose.

Outro agravante nesse cenário é o moral hazard, causado por intervenções no mercado na tentativa de “salvar” os perdedores. O FMI é o melhor ícone desse efeito perverso. Sempre que aparece uma crise, há automaticamente a expectativa de que o FMI virá “limpar a sujeira”. Isso gera uma complacência por parte dos investidores, como um filho irresponsável cujo pai sempre aparece para tirá-lo dos seus problemas. O filho nunca aprende, e normalmente fica mais irresponsável ainda.

Por fim, outra grande causa dessas crises está na intervenção direta do governo nos bancos locais. Quanto menos internacionalizado for o setor financeiro, mais arriscado ele será. Cingapura e Hong Kong sofreram bem menos que Coréia, Tailândia e Malásia, em boa parte, por causa do setor financeiro mais aberto e mercado de capitais mais sofisticado. Em todos esses casos recentes o setor financeiro era bastante fechado, e com forte influência estatal. As empresas emprestavam dinheiro por motivos políticos, sem critérios de mercado. Isso fez com que o lado dos ativos ficasse condenado, repleto de crédito podre. E do lado do passivo, os bancos eram induzidos a tomar financiamento em moeda estrangeira, pelo seu baixo custo artificialmente gerado pela política do governo. Uma combinação explosiva!

Não foi o mercado livre que causou as crises, mas a ausência de maior liberdade econômica. Não adianta culpar o termômetro pela febre do doente. A abertura desses países foi parcial, restando ainda muitos resquícios do planejamento centralizado. A lição que podemos extrair desses tristes episódios é que a abertura parcial não é suficiente. Voltar ao fechamento econômico com mais intervenção estatal ainda é o caminho certo da desgraça. Esses países precisam abrir mais, aprovar reformas estruturais liberalizantes, atacar as verdadeiras causas da doença. Nessas experiências de economia mista, com alguma abertura mas ainda forte intervenção estatal, ficou evidente que devemos separar o joio do trigo. E o joio é a intervenção estatal.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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Fonte: Veja

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