Artigo/Cepea: Produtividade e renda dos trabalhadores no Brasil: uma análise intersetorial
*Por: Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros, Coordenador Científico do Cepea/Esalq-USP
Em condições normais de funcionamento de uma economia, com a concorrência prevalecendo entre setores e entre firmas, produtividade e renda dos trabalhadores devem evoluir em ritmos parecidos. À medida que a Indústria e os Serviços cresceram no Brasil, a urbanização (proporção de população vivendo no meio urbano) acompanhou esse movimento. Entre 1950 e 1980, o PIB brasileiro multiplicou-se por oito, enquanto o PIB agrícola aumentou quatro vezes, caindo de 25% para 11% do total. O emprego na Agropecuária caiu de 63% para 30% do total.
Desde 1980 o PIB da Indústria vem perdendo representatividade, reduzindo de 45% para os atuais 24%. A Agropecuária atualmente, 2023, representa 7% do PIB total do Brasil, que soma R$ 10,8 trilhões, e 8% do total dos trabalhadores (103 milhões). O PIB do Agronegócio (que inclui Agroindústria e Agrosserviços), calculado pelo Cepea, representou 24% do PIB total em 2023. Cerca de 26% dos trabalhadores brasileiros achavam-se ocupados no Agronegócio.
Tendo em conta essa perspectiva histórica, as questões que aqui se colocam são: (a) como tem sido a evolução recente da produtividade do trabalho no Brasil? (b) como a produtividade tem se refletido na renda dos trabalhadores? Ênfase é dada à relação Agropecuária e Indústria.
A Figura 1 e a Tabela 1 evidenciam a evolução da produtividade do trabalho de 1995 a 2023 para a Agropecuária, a Indústria, os Serviços e para o Total da Economia. Esta última é uma média dos setores. Os dados referem-se ao valor da hora trabalhada. Notar que a Agropecuária é o único setor que apresentou tendência de crescimento da produtividade do trabalho. Uma tendência muito forte, por sinal: 6,3% ao ano (multiplicando-se por 5,5 em 28 anos). Isso ao mesmo tempo em que a produtividade do trabalho na Indústria encolheu e a do setor de Serviços apenas oscilou para cima e para baixo.
Como mostra a Tabela 1, em 1995, a produtividade por hora do trabalho na Agropecuária valia R$ 8 – expressos em valores de 2023 –, o que represntava 22% da média brasileira. Em 2023, o novo valor era R$ 44, aumento de 450%, passando a representar 96% da média nacional e superando a produtividade dos Serviços. Esses dados representam os valores dos bens e serviços produzidos pelo trabalhador em uma hora; não correspondem ao salário ou rendimento efetivamente recebido. Como se sabe, do valor total produzido, além do trabalho, parte se destina a remunerar os insumos e o capital.
O rendimento (todas as formas de renda auferidas pelo trabalhador, nem sempre o salário) tem sua evolução apresentada na Figura 2. O intervalo de tempo considerado agora é menor: de 2012 a 2023, período de coleta do PNAD/IBGE. É marcante que os rendimentos na Agropecuária tenham aumentado 24% em termos reais nesses 11 anos (de R$ 1.548 a R$ 1.996), enquanto os da Indústria cresceram apenas 1,5% nesse mesmo intervalo de tempo. Para a Economia como um todo, o aumento foi de 6,4%. Entretanto, observa-se uma desproporcionalidade entre o avanço da produtividade e o dos rendimentos. De 2012 a 2023, a produtividade do trabalho na Agropecuária cresceu impressionantes 81% (e seus rendimentos, 24%); na Indústria, a produtividade cresceu tão somente 1,6% em 11 anos (um valor proporcional ao aumento dos rendimentos, de 1,5%). Na Economia total, a produtividade não cresceu (permaneceu igual); mesmo assim, os rendimentos cresceram 6,4%.
Permanece, portanto, um desencontro entre rendimentos e produtividade entre os setores econômicos no Brasil. Em 2023, a produtividade do trabalho na Agropecuária era 22% inferior ao da Indústria (em 2012 era 56% menor); já os rendimentos eram 35% inferiores (em 2012 eram 46% menores).
Ao ritmo observado nos últimos 11 anos, dentro de 5 anos a produtividade do trabalho na Agropecuária alcançará a da Indústria. Entretanto, serão necessários mais 25 anos para que os rendimentos da Agropecuária alcancem os da Indústria.
Um fator que poderia atuar no sentido de acelerar o processo de convergência de rendimentos do trabalho entre a Agropecuária e a Indústria seria uma intensificação da migração rural-urbana. Entretanto, há um limite para essa realocação do trabalho: o PIB da Indústria evolui muito lentamente (1,4% ao ano neste século), enquanto o da agropecuária o faz a 3,7% ao ano. Por isso, a capacidade de criar emprego da Indústria vem diminuindo. Há dez anos (de 2013 a 2023), o máximo que a indústria emprega está parado em torno de 13 milhões de pessoas. A Agropecuária, por sua vez, reduziu, nesse período, seu contingente de trabalhadores de 10 milhões para 8 milhões. A ocupação vem, portanto, crescendo no setor de Serviços: de 68 milhões para 81 milhões (79% do total em 2023). No setor de Serviços, os rendimentos assim como as ocupações são muito heterogêneos. Os trabalhadores agrícolas que migrassem para as cidades, provavelmente se ocupariam em alternativas de baixo rendimento. A propósito, o aumento de 11 milhões de empregos no Brasil nos últimos 10 anos se deu com a criação de 13 milhões em Serviços e queda de 2 milhões na Agropecuária.