Reflexões jurídicas: Impacto das decisões do STJ no setor rural, por Isadora Batistella Devólio e Mariana Gabrielloni

Publicado em 27/05/2024 12:57

O Dia do Campo, celebrado no mês de maio, surgiu com o propósito de comemorar e também sensibilizar a população sobre a relevância do meio rural para a economia e a sociedade, especialmente com relação aos setores de agricultura e pecuária, oferecendo uma oportunidade de reflexão sobre direitos e desafios enfrentados nessa seara.

A data também permite rememorar decisões marcantes proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afetam todo o âmbito rural, principalmente as atividades econômicas relacionadas ao comércio de produtos agrícolas.

Nesse sentido, uma das decisões que merece destaque é aquela proferida no REsp 1.491.537, em agosto de 2023, que trouxe um grande impacto para os contatos de compra e venda de safra indexados à cotação futura da Bolsa de Chicago – na qual se negociam commodities.

No caso levado ao STJ, as partes acordaram a comercialização de soja com “preço a fixar” e deixaram a decidir a data da cotação em bolsa que seria usada para determinar o preço. Sem a data da cotação, contudo, os julgadores entenderam que o credor não possuía um título executivo, diante da ausência da determinabilidade de preço e, assim, não poderia cobrar a dívida diretamente através de processo de execução, sendo necessário o ajuizamento de uma ação de cobrança – a qual, como se sabe, possui um trâmite bem mais lento.

Em outro julgado relevante (AREsp nº 2194948/SP), também restou pacificado pelo STJ que o produtor rural não pode ser equiparado a um consumidor. A relatora, à época, afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em um caso de compra de insumos agrícolas por produtores rurais, posto que esse tipo de aquisição se presta ao incremento da produtividade agrícola, destinada ao mercado de consumo.

Esse julgado, aliás, repercutiu em uma série de processos judiciais, tendo o entendimento do STJ sido adotado desde então pelos Tribunais pátrios.

Mais uma decisão marcante ocorreu no julgamento do REsp nº 945.166/GO, em que a Quarta Turma entendeu que a teoria da imprevisão – possibilidade de ocorrência de acontecimentos novos que não podiam ser premeditados pelas partes na elaboração do contrato –, não poderia ser invocada para discutir a onerosidade excessiva do contrato em caso de flutuação dos preços dos produtos agrícolas ou de ataque de pragas na lavoura.

Neste caso, um agricultor havia pedido a resolução do contrato de compra e venda futura de soja, alegando que, em razão das mudanças climáticas e do fungo conhecido como “ferrugem asiática” na lavoura, o preço da soja tinha aumentado, desequilibrando o contrato firmado.

Entretanto, o STJ apontou que, para a aplicação da teoria da imprevisão, deveria existir uma cláusula que permitisse que o contrato não fosse executado em caso de alteração do cenário fático por acontecimentos não previstos. Além disso, o Tribunal também asseverou que as alterações no preço da soja poderiam ser presumidas, por ser produto comercializado na bolsa de valores.

Aqui, citam-se apenas alguns dos principais julgados do STJ, dada a grande quantidade de discussões postas à análise da instância superior sobre essa seara.

O que se nota, portanto, é que o setor rural possui particularidades relevantes, decorrentes do tipo do negócio desempenhado e dos riscos específicos a que tais negócios estão expostos, de modo que se faz necessário um olhar atento a cada caso pelos julgadores, a fim de permitir a aplicação correta da lei.

Assim, as decisões mencionadas acima revelam, sobretudo, a importância da jurisprudência como guia nas atividades empresariais agrícolas, promovendo segurança jurídica e desenvolvimento socioeconômico nos moldes propostos pela legislação.

*Isadora Batistella Devólio - Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela PUC-Campinas, atua nas áreas consultiva e contenciosa cível, judicial e administrativa, há mais de três anos, tendo atuado em demandas relacionadas à temática de família, bancária e estratégica geral, especialmente com relação à recuperação de crédito e ações indenizatórias. Advogada no escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

*Mariana Gabrielloni Pó – Advogada especialista da área cível do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

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